JOSÉ RODRIGUES VIEIRA NETTO: INTELECTUAL ORGÂNICO, PROFESSOR BRILHANTE, ADVOGADO PERSEGUIDO, CIDADÃO SEM DIREITOS (1945-1973)
Regis Clemente da Costa
Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG
E-mail: rclementecosta@yahoo.com.br
Eixo 1 - História e historiografia da Educação
Grupo de Pesquisa História, Intelectuais e Educação – GEPHIED
Bolsista CAPES
A compreensão em relação à educação e à formação humana tem diferentes abordagens e referenciais teóricos na sociedade. Nesta apresentação, resultado de pesquisa de doutoramento, defendida em dezembro de 2018, trabalhamos com o referencial teórico construído por Gramsci, particularmente com os conceitos de intelectual orgânico e de cultura. Nesse sentido, as questões que se referem à educação e à formação humana são compreendidas na perspectiva de que o intelectual acredita e age no contexto de um projeto societário, insere-se na sociedade e busca a formação dos sujeitos a ela ligados, por meio de práticas culturais, visão de mundo e ações políticas, a fim de transformar a ordem dessa mesma sociedade.
Segundo Gramsci (2001, p. 53),
Todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um “filósofo” um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar.
O objeto desta pesquisa foi a vida do advogado, professor, militante comunista e deputado pelo PCB José Rodrigues Vieira Netto e teve como objetivo geral analisar a sua trajetória, privilegiando compreender sua atuação na organização de um projeto societário e educativo de caráter comunista e suas ações para mobilizar a sociedade a lutar em defesa desta proposta ético-política. Esta análise está circunscrita entre 1945 e 1973, recorte que expressa o momento de filiação desta personalidade ao Partido Comunista do Brasil - PCB (1945) e ano de seu falecimento (1973).
O percurso analítico desta tese estabeleceu como objetivos específicos: compreender a formação de Vieira Netto a partir de suas heranças familiares, enfatizando o olhar sobre a formação escolar e a formação universitária; discutir a projeção de Vieira Netto e o contexto de sua atuação profissional como professor, advogado e promotor público; debater os principais campos de militância de Vieira Netto, com destaque à Aliança Liberal, ao Partido Comunista Brasileiro, à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, e as consequências dessa militância com a sua cassação e perseguição e, por fim, articular o projeto societário e formativo de Vieira Netto ao projeto formativo do Partido Comunista Brasileiro, privilegiando uma análise da visão societária e educativa presente em suas ações e suas produções.
Esta tese insere-se na História Intelectual, num movimento para compreender os sujeitos denominados intelectuais, por sua postura e atuação perante as causas da sociedade, em especial, ao assumirem posições de defesa dos chamados valores universais, como justiça, verdade e democracia.
A História Intelectual é um campo de estudos ainda novo e que, nas últimas décadas, transformou-se em estimulante objeto de investigação. Por se tratar de uma área nova de estudo, como aponta Silva (2003), a história intelectual é confundida com a história das ideias, história cultural e com a história dos intelectuais, portanto, hesita em ser, de um lado, procedimento de análise e de outro, disciplina em formação.
Diante das possibilidades de análise sobre a história intelectual, optamos pela proposição teórica de Antônio Gramsci, particularmente o conceito de intelectual orgânico - organizador da cultura – que se trata de um agente político determinante, pois seu trabalho não se esgota na produção do conhecimento científico, artístico, filosófico, mas estende-se, principalmente, ao exercício da função organizativa, própria das lutas sociais e políticas.
É nessa perspectiva que se dá, segundo Gramsci (2001), a relação do intelectual com a organicidade da sociedade, ou seja, sua inserção é parte do todo dessa sociedade, com o diferencial de que esse sujeito tem em suas ações o empenho na elaboração e efetivação de um projeto de sociedade voltado à classe à qual pertence, de maneira que as concepções teóricas e o conhecimento acadêmico e científico estejam diretamente ligados à atuação na sociedade, por meio de um projeto político, como partícipe das ações culturais.
O projeto da classe a que se refere Gramsci se contrapõe ao projeto da classe burguesa e sua hegemonia perante a sociedade. Nesse sentido, a classe subalterna cria seus próprios intelectuais e seus grupos de intelectuais, a fim de constituir um projeto político que se efetiva pela luta política e uma nova forma de domínio e de direção política. O intelectual orgânico à classe subalterna, chamado de moderno príncipe por Gramsci, representava o projeto político do dirigente comunista (VIEIRA, 2008).
Ainda, nessa perspectiva, Gramsci (2001, p. 18) sustenta que “[...] todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais”, ou seja, para Gramsci, o intelectual só se configura como tal, quando está em relação direta com a organização da classe em que está inserido, de modo a intervir nesses espaços de atuação, criando um sistema de ideias em vista da adesão da classe, embasado numa visão de mundo calcada na transformação. A tarefa de elaborar o projeto e de organizar a classe é atribuída ao intelectual orgânico.
Esta pesquisa de doutoramento apoiou-se, também, nas fontes, oriundas das atas da Universidade Federal do Paraná, nos arquivos da Delegacia de Ordem Política e Social, Paraná, nos arquivos da Plataforma ‘Brasil: Nunca Mais’ Digital, nas entrevistas, dos livros memorialistas para explicar como Vieira Netto atuou para sistematizar um projeto societário e de formação humana, assim como para mobilizar a classe trabalhadora a engajar-se e a lutar por esse projeto.
Sustenta-se que Vieira Netto atuou como intelectual orgânico na construção do projeto societário e formativo comunista no Paraná, pois exerceu a função de professor, de advogado, de promotor público, integrou a Aliança Liberal, militou junto ao PCB elegendo-se deputado estadual e atuou junto a movimentos sociais.
Essa militância implicou em um conjunto de consequências, uma vez que, de 1945 a 1973, ele foi fichado e constantemente vigiado, embora tenha sido absolvido nos processos que sofreu na ditadura militar. Foi, também, cassado em 1948, mas teve seu mandato de deputado estadual restaurado, simbolicamente, em 2013. Foi preso em 1949, 1964, 1967 e em 1970. Em 1973, novamente a polícia vai até sua residência para tentar prendê-lo, no entanto não consegue, pois Vieira Netto havia falecido meses antes.
Vieira Netto, em um de seus escritos, apontou que
Nada havia a temer dos meus feitos. Os meus pecados não contavam. Os grandes crimes de minha vida eram o Trabalho e o Pensamento. Assim voltei. Para ser preso, processado, interrogado sobre os Livros que havia lido, as opiniões que formara sobre a História Política, a Sociologia do meu país, sobre as ideias que pensava e o trabalho que fazia, o ensino que eu transmitia. (DOPS-PR, PI 2194-400, p. 140)
Os processos que pesaram sobre Vieira Netto, bem como a perseguição e as prisões referem-se à questões de cunho político-ideológicas, de criminalização do pensamento e das ações empreendidas na sociedade, como professor, advogado e como militante do Partido Comunista Brasileiro. Por ocasião da proibição de Vieira Netto discursar na formatura dos bacharéis em direito, na Universidade Federal do Paraná, após ter sido aposentado compulsoriamente pela ditadura, escreveu “Chegara-se à conclusão um tanto exagerada, de que eu era “um professor brilhante, querido dos alunos e que, assim, poderia ser nefasto à mocidade”. (DOPS-PR, PI 2194-400, p. 140)
Em seu testamento, Vieira Netto mencionou seu desejo de conquista das liberdades no país. O registro evidencia a defesa do projeto societário ao qual esteve inserido e atuante em sua efetivação.
Assim escreve,
deposito, como última esperança, que minha Pátria um dia possa livrar-se desse bando de fascistas e abutres que hoje saqueiam a sua liberdade e a sua economia. Quanto ao mal que me fizeram ou quiseram fazer, não me importa: Não me deram amargura e sim esperança.” (VIEIRA NETTO, 1972).
A afirmação de Vieira Netto sobre a ditadura militar, realça sua militância como defensor das liberdades democráticas, que retaliava os direitos individuais e políticos e afetava a economia. Há, em sua percepção da realidade, a conexão a um projeto mais amplo, de luta pelas grandes causas da humanidade.
Como resultados dessa pesquisa, conclui-se que Vieira Netto, mesmo tendo sido vítima do controle ideológico, de perseguições, de prisões e processos, manteve-se convicto de suas posições teórico-práxicas, atuando na organização da cultura e na luta em defesa do projeto societário e de formação humana.
Constata-se, na trajetória de Vieira Netto constata-se o silenciamento em consequência de suas posições políticas e ideológicas. Suas ações reforçam o sentido conferido aos intelectuais como categorias sociais que se inserem em sua realidade concreta na defesa dos valores universais, das grandes causas da sociedade, como a justiça, a verdade, as liberdades e a democracia.
Parte das lutas defendidas por Vieira Netto está na Constituição de 1988. Espera-se, que seus posicionamentos como defensor dos valores universais possam inseri-lo no rol dos intelectuais brasileiros comprometidos com as causas da humanidade e daqueles que colocaram seus conhecimentos, suas ações e sua vida a serviço dos valores universais.
Palavras-chave: José Rodrigues Vieira Netto. Intelectual orgânico. Organizador da cultura. Formação humana. História da Educação. História Intelectual.
REFERÊNCIAS
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 2. 2001.
SILVA, H. R. A História Intelectual em questão. In: LOPES, M. A. (Org.). Grandes nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto, 2003. p. 15-25.
VIEIRA, C. E. Intelegentsia e intelectuais: sentidos, conceitos e possibilidades para a história intelectual. Revista Brasileira de História da Educação. v. 8, nº 1, 2008. Disponível em: <http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/109/120>. Acesso em: 16 set. 2016.
VIEIRA NETTO, J. R. Escrito de testamento que faz José Rodrigues Vieira Netto. Curitiba, 1972.
PASTA INDIVIDUAL (PI) PESQUISADA NO ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – FUNDO DOPS-PR
PI 2194.400 | José Rodrigues Vieira Netto |
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