ACCOUNTABILITY: REFLEXÕES ACERCA DE UM CONCEITO
PELUCHEN, Vanessa Rosana - UEPG
vanessapeluchen@hotmail.com
BRANDALISE, Mary Ângela Teixeira - UEPG
marybrandalise@uol.com.br
Eixo 2: política educacional e gestão
Grupo de Pesquisa: Grupo de Estudos e Pesquisas
em política educacional e Avaliação – GEPPEA
Temática em ascensão em países do ocidente nas últimas décadas ao nos referirmos as políticas educacionais, a accountability caracteriza-se como uma discussão extremamente necessária em razão de não haver uma discussão conceitual consolidada quando utilizada na área da educação. Nesse sentido, é objetivo central deste trabalho, a realização de uma breve reflexão acerca da dimensão conceitual, partindo da ótica de diferentes autores que discutem o conceito, buscando clarificar essa densa temática. Metodologicamente, o breve estudo bibliográfico utiliza-se de autores referência da temática da accountability.
Apesar de se fazer presente e possuir origem no campo da administração pública, em especial na ciência política, a entrada da accountability na educação, especialmente em países latino-americanos, é relativamente recente (SCHNEIDER, 2019). No caso brasileiro, ela se faz presente principalmente a partir de 2005, quando se intensificam as mudanças no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o país passa a avaliar a educação a partir de avaliações em larga escala realizadas de maneira censitária. Dois anos depois, cria-se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), admitindo-se a partir desse momento, a aplicação empírica de dispositivos parcelares de accountability, considerando-se para isso, a dimensão da responsabilização (SCHNEIDER, 2019).
Ao considerarmos a etimologia da palavra, accountability remete ao vocábulo controlar (avaliar, julgar ou verificar) algo coletivamente, a partir da ação de computar. Seu campo de significados se forma considerando os princípios relacionados a contar, enumerar, ajustar e justificar (LAVALLE; VERA, 2010).
De origem inglesa, essa terminologia não possui uma tradução exata para o português. Em consonância com essa afirmação, Campos (1990) destaca que, em virtude do espectro de significados existentes do termo inglês, o que encontramos no Brasil são traduções realizadas por autores, em que a terminologia somente se aproxima do significado.
Pinho e Sacramento (2009) depreendem que o significado do termo, muitas vezes representado pelos sinônimos account ou accountable (expostos em dicionários de língua inglesa), traz subentendido à responsabilização pessoal pelos atos praticados e, com clareza, a exigente prontidão para a prestação de contas, seja no âmbito público ou no privado. Envolve, neste caso, aspectos relacionados à responsabilização e a prestação de contas.
Presente nos Estados Unidos desde os anos de 1960, o termo surge ligado a discussões da administração pública diante da crise do sistema burocrático e da necessidade da participação da sociedade nos assuntos públicos. Akutsu (2002) evidencia que o termo accountability deve englobar o dever de transparência, de publicação de atos públicos e de propiciar a participação da população nos processos das tomadas de decisões.
Nesse sentido, observamos nas discussões do autor, vislumbres da necessidade em considerarmos a accountability a partir de uma perspectiva democrática, necessidade essa endossada pelo sociólogo português Almerindo Janela Afonso. Para o sociólogo, é necessária a existência de três elementos que, atuando em conjunto, são capazes de sistematizar uma accountability democrática. Ele denomina-os de pilares, os quais integradores entre si, podem ser considerados como sistematizadores da accountability: a avaliação, a prestação de contas e a responsabilização (2009).
Na perspectiva de Afonso (2009), a avaliação pauta-se prioritariamente na coleta e divulgação de dados obtidos por meio das avaliações em larga escala (nível nacional ou internacional). Relaciona-se, portanto, ao processo de recolha, tratamento e análise de informações, fundamentado na produção de juízos de valor sobre uma determinada realidade social.
O autor é enfático ao considerar o pilar da avaliação em relação a accountability, pois, segundo ele, o modelo estará incompleto se sua capacidade de descoberta não for ampliada, com o acréscimo do pilar da avaliação. Em síntese, a avaliação pode estar presente antes da prestação de contas (ex-ante), ou ainda, entre a prestação de contas e a responsabilização (ex-post). A avaliação poderá ser usada como condição para que os processos de prestação de contas e responsabilização aconteçam, isto é, para que se possa justificar algo e explicar seu funcionamento, é preciso desenvolver de alguma forma um processo avaliativo ou de autoavaliação.
No que tange à prestação de contas, esta visa, segundo Afonso (2015), a informatividade ou justificação dos resultados, das ações implementadas para a melhoria da qualidade educativa ou dos investimentos delineados. Sendo assim, tem a função de tornar públicas as ações encampadas por um determinado grupo pela informação e justificação. A ideia de prestação de contas vem ganhando espaço em políticas de accountability como estratégia para garantir transparência, participação e o próprio direito dos cidadãos, em relação ao andamento das políticas públicas, bem como dos serviços confiados à esfera pública de uma forma geral, possuindo uma dimensão informativa e outra argumentativa (AFONSO, 2015).
Sobre a responsabilização, deve-se ter especial cuidado, em decorrência da multiplicidade de hierarquias de caráter interno ou externo, que acabam invocando este pilar da accountability, haja vista que, assim como na prestação de contas, os professores passam a serem os maiores alvos deste processo, principalmente quando a avaliação dos sistemas educacionais aparece vinculada à responsabilização pelos resultados escolares dos alunos, sendo estes obtidos, sobretudo, pela utilização de testes estandardizados. Não é indiferente à natureza mais impositiva e mais autoritária como têm sido apresentadas muitas das decisões políticas para a educação e a formação nos últimos anos, sendo assim esse pilar apropria-se mais fortemente de um sentido mais negativo e culposo, em termos discursivos e de representação social (AFONSO, 2015).
Alguns autores vão além das conceituações e passam a discutir a temática considerando tipologias, como por exemplo, o politólogo argentino Guillermo O’Donnell (pioneiro em estabelecer distinções e tipologias da accountability), que destaca duas dimensões: a vertical e a horizontal, cunhadas com base na teoria democrática, liberal e republicana de Estado. Para O’Donnell (1998), a accountability vertical diz respeito às relações entre o Estado e seus cidadãos, que possibilitem, por meio de eleições, que a sociedade civil exija a prestação de contas dos atos públicos. Em contra ponto, a accountability horizontal, está relacionada aos processos de supervisão institucional.
Em síntese, podemos dizer que não há um consenso entre autores brasileiros, que possam traduzir o conceito como único e indissociável, sendo que, não raras as vezes, a prestação de contas, ou a responsabilização, são tomadas como sinônimos da própria accountability. Isso demonstra que ainda prevalece uma ideia vaga de seu significado. Pela indefinição que cobre o conceito, há que se ter certo cuidado, pois poderá ofuscar o debate ao tratar de discussões em âmbito político.
Em âmbito educacional, no cenário brasileiro, a temática vem sendo utilizada em conexão com políticas de avaliação por meio das quais tende a se responsabilizar escolas, docentes e comunidade escolar pelos resultados educacionais alcançados por estudantes em exames externos aplicados em larga escala.
A ascensão desse tema à política educacional coincide com o surgimento da moderna administração pública, em que o controle interno e externo das instituições, a prestação de contas e a responsabilidade política ganham a cena. Nesse contexto, de acordo com Schneider (2019), o uso da expressão (accountability) alcança a “dimensão institucional formal da prestação de contas e da imputação de consequências (positivas ou negativas)”, sobressaindo a concepção de participação democrática em relação aos processos políticos.
REFERÊNCIAS
AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação Educacional: regulação e emancipação. 4º ed. São Paulo: Cortez Editora, 2009.
AFONSO, Almerindo Janela. Para uma conceptualização alternativa de accountability. Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 119, p. 471-484, abr./jun. 2012. In: BROOKE, Nigel; ALVES, Maria Teresa Gonzaga; OLIVEIRA, Lina Kátia Mesquita de. A Avaliação da Educação Básica: a experiência brasileira. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015.
AKUTSU, Luiz. Sociedade da informação, accountability e democracia delegativa: investigação em portais de governo no Brasil. 2002. Dissertação (Mestrado) Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2002.
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