ESTÁGIO NÃO OBRIGATÓRIO: REFLEXÕES NECESSÁRIAS
Sandra Cristina Demschinski- UEPG- sandrademschinski@hotmail.com
Simone de Fátima Flach – UEPG – eflach@uol.com.br
Política Educacional e Gestão
INTRODUÇÃO
O texto apresenta reflexões acerca da realidade de alunos do curso de Licenciatura em Pedagogia, buscando identificar se a realização de estágio não obrigatório se caracteriza como atividade formativa ou exploração da força de trabalho. O aporte teórico metodológico que dá sustentação às análises é o materialismo histórico e dialético, de forma a explicitar como os estudantes oriundos da classe trabalhadora estão sujeitos à exploração, sob a lógica capitalista, mesmo quando desempenham atividades consideradas não laborais.
A desigualdade caracterizada pela atual sociedade impacta diretamente no ingresso e permanência de estudantes do ensino superior. Tais questões conduzem estudantes com formação mais precária e com menor poder econômico a cursos de menor prestígio e valorização social e financeira, como é o caso daqueles destinados à formação de professores. Muitos estudantes vislumbram o ensino superior como a possibilidade de romper com a lógica de exploração que suas famílias estão submetidas, e ainda poder galgar algum tipo de ascensão social e financeira. No entanto, a permanência no ensino superior faz emergir necessidades que estão além daquelas destinadas à subsistência, pois, mesmo em instituições públicas, o custo para a manutenção do curso pode se caracterizar como um entrave para o processo formativo.
Muitos desses estudantes, sem estarem inseridos no mercado de trabalho, ao longo do curso buscam atividades remuneradas que garanta sua permanência no curso, e o recebimento de bolsa tem se caracterizado como importante alternativa.
Nesse contexto, entender a realidade dos estudantes dos cursos de Licenciatura em Pedagogia é o desafio do presente texto, visto que o recebimento de bolsa de estágio colabora para a permanência no processo formativo, mas também tem exposto a fragilidade econômica de tais estudantes. A necessidade material, muitas vezes, se sobrepõe ao processo formativo. Os dados, coletados nos anos 2014 e 2015, a partir de questionamentos a 239 estudantes-estagiários, revelam que: os estudantes se submetem à atividade em razão das necessidades materiais de subsistência e para sua manutenção no processo formativo, fatos que os expõe a um processo que se assemelha à exploração dos trabalhadores em geral; e, ainda, que as atividades desenvolvidas não são condizentes com a fase de seu processo formativo. Desse modo e com foco na realização de estágio não obrigatório, o questionamento que orienta a reflexão aqui proposta é: essa atividade se caracteriza como formativa ou como exploração da força de trabalho dos estudantes?
METODOLOGIA
Para entender tal realidade e pelo desejo da transformação da mesma, utiliza-se aporte teórico materialismo histórico e dialético. Para tanto, fez-se necessário levantamento e análise bibliográfica de documentos legais a respeito da temática. Os dados empíricos se evidenciaram a partir de questionários, aplicados nos anos de 2014 e 2015, para alunos do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR, os quais foram analisados sob a luz do referencial adotado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O estágio “é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho” com foco na preparação para o trabalho, fazendo “parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando” (BRASIL, 2008). A legislação em tela prevê que o estágio poderá ser “obrigatório ou não obrigatório”, sendo que o primeiro é aquele “definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma” enquanto o segundo é “desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória“ (BRASIL, 2008). O estágio, obrigatório ou não, precisa se fundamentar em uma relação pedagógica que envolva o estudante estagiário, o ambiente de trabalho e o profissional já habilitado (tanto da instituição de ensino quanto da parte concedente).
Em que pese à importância do estágio para o processo formativo, a modalidade não obrigatória tem assumido características de relação de trabalho, pois, ao se fundamentar em um Contrato de Estágio entre estudante e parte concedente, se assemelha às relações trabalhistas, pois há: prestação de serviço por pessoa física, realização de atividade não-eventual, subordinação ao tomador de serviço e onerosidade da atividade. No entanto, por meio da flexibilização legislativa, o contrato de estagiário “não cria vínculo empregatício de qualquer natureza” (BRASIL, 2008), beneficiando os interesses capitalistas.
Para além das questões didático-pedagógicas, a contratação de estudantes para a realização de estágio não obrigatório incide diretamente na preocupação financeira da parte concedente, ou seja, ainda que os estagiários tenham direito ao recesso remunerado de trinta dias a cada doze meses de estágio, esse período não é considerado férias não incidindo o pagamento do abono de 1/3 da remuneração. Também não há previsão de pagamento de 13º salário, ou valor mínimo para Bolsa de Estágio, dando margem à concessão de valores irrisórios.
No campo da educação, a contratação de estagiários tem corroborado com o descaso pelos profissionais, e enfraquece a carreira, visto que o estagiário, ao desenvolver atividades laborais, substituindo o profissional habilitado colabora para o embuste, pelo empregador, das obrigações trabalhistas às quais estaria obrigado, caso estabelecesse uma relação verdadeiramente trabalhista.
A partir do levantamento, realizado com os alunos de Pedagogia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, foi possível identificar que no ano de 2014, de 276 alunos que responderam o questionário, 120 realizavam estágio não obrigatório, desses, 73 eram estagiários na Rede Municipal de Ensino-PG. No ano de 2015, de 271 alunos que responderam o questionário, 119 realizavam estágio não obrigatório, desses, 71 eram estagiários na Rede Municipal de Ensino-PG. Quanto a razão para realização desta atividade, no ano de 2014, 59 alunos, e 2015, 66 alunos apontaram que o recebimento da bolsa pecuniária é determinante para a realização do referido estágio, apontando que a necessidade financeira se sobrepõe aos interesses pedagógicos, ou seja, suprir as necessidades materiais é preocupação fundante para aqueles que têm sua origem na classe trabalhadora.
Os dados apresentados evidenciam que em 2014, 40 alunos eram auxiliares de sala, e em 2015 essa atividade foi desenvolvida por 16 dos estudantes-estagiários. Em contrapartida, o número de tutores responsáveis por alunos com algum tipo de deficiência teve aumento significativo, visto que em 2014, 25 estudantes-estagiários desempenhavam função de tutoria e em 2015 esse número subiu para 52 alunos. Alguns estagiários responderam ainda que substituíam professores, em 2014, 5 alunos e 2015, 3 alunos.
Essa realidade expõe a fragilidade no cumprimento dos dispositivos legais que asseguram o direito de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, que prevê professores com especialização adequada para atendimento especializado conforme estabelecido no inciso III do art. 59 da Lei nº 9394/96.
CONCLUSÕES
A exploração dos trabalhadores ultrapassa as paredes das fábricas e no campo educacional essa lógica é reafirmada nas atividades desenvolvidas por estudantes estagiários.
Por meio de contratos de estágio não obrigatório, os estudantes conseguem garantir sua manutenção no curso de formação. Porem, as atividades por eles desenvolvidas fogem à lógica de um processo formativo, visto que as atribuições são as mesmas de um profissional habilitado. Nesse sentido, o estudante estagiário precisa se desdobrar para exercer as duas atividades: estudo e estágio, este com características e exigências de um trabalho formal. Ainda, o contratante se beneficia, pois ao não criar vínculo empregatício, não tem a necessidade de cumprir todas as exigências de um contrato de trabalho, sendo a força de trabalho paga por um valor abaixo daquele que despenderia um contrato formal de trabalho.
As previsões da Lei nº 11.788/08 flexibilizaram as contratações de estagiários colaborando para que o direito de trabalhadores pudesse ser burlado conforme interesses dos empregadores/contratantes. Essa lógica é perversa, expõe e legaliza a exploração de estudantes oriundos da classe trabalhadora em prol dos interesses econômicos e financeiros que orientam a atual forma de sociabilidade.
Referências
BRASIL, Presidência da república, Lei n° 11.788, de 25 de setembro de 2008. Revoga as leis nos6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1966, e o art. 6° da Medida provisória n° 2.164-41, de 24 de agosto de 2001. Brasília, 25 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11788.htm> Acesso em: 01 mar. 2019.
______. Presidência da República, Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em 01 mar. 2019.
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