AS RELAÇÕES DE PODER NO ESPAÇO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: ALGUMAS REFLEXÕES

  • Autor
  • Solange Franci Raimundo Yaegashi
  • Co-autores
  • Eliane Dominico , Aliandra Cristina Mesomo Lira
  • Resumo
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    AS RELAÇÕES DE PODER NO ESPAÇO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: ALGUMAS REFLEXÕES

     

    Solange Franci Raimundo Yaegashi - UEM. E-mail: solangefry@gmail.com

    Eliane Dominico- Unicentro. E-mail: nane_dominico@hotmail.com  

    Aliandra Cristina Mesomo Lira - Unicentro. E-mail: aliandralira@gmail.com

     

    Eixo temático: Educação, Cultura e Diversidade

    RESUMO

    O texto objetiva refletir sobre o governo da infância e o controle das crianças por meio da efetivação das práticas pedagógicas. Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo, fundamentada nos dos estudos de Foucault. Foram coletados dados em duas instituições de Educação Infantil por meio de observações e entrevistas, com o intuito de problematizar as relações de poder que permeiam as vivências das crianças de 0 a 3 anos de idade. Analisadas sob perspectiva foucaultiana, verificamos que as práticas pedagógicas com crianças pequenas assumem um caráter fortemente regulador, cujas estratégias de controle atuam sobre o comportamento infantil por meio de vigilância e punições que buscam ajustar e moldar corpos e pensamentos

    Palavras-chave: Infância. Governamento. Michael Foucault.

    INTRODUÇÃO

    Michel Foucault, pensador do século XX é o representante de um espírito inquieto, incomodado com os fenômenos diversos que nos afetam como seres humanos e cujas ideias nos impulsionam, também, a refletir sobre os contextos educativos na contemporaneidade e seus impactos na conformação e obediência das subjetividades.            Seus escritos, sobre a relação entre os sujeitos e o poder, nos levaram a problematizar os contextos na Educação Infantil com o intuito de reconhecer como se constituem e se organizam as práticas pedagógicas.

    As reflexões aqui apresentadas estão vinculadas à pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação da Universidade Estadual Centro-Oeste, em Guarapuava, Paraná. A coleta de dados foi realizada em dois Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) de um munícipio de médio porte no interior do Paraná, os quais denominamos de Instituição “A” e Instituição “B”. A pesquisa apoiou-se em observações de práticas e entrevistas com professoras das turmas e gestoras das instituições durante o segundo semestre do ano de 2017 e início de 2018, em turmas do Berçário, Infantil I, Infantil II e Infantil III. A escolha dessas instituições deveu-se à intenção de acompanhar o desenvolvimento do trabalho pedagógico em locais que atendem o mesmo segmento, mas com características próprias.

    Pensar a infância com e a partir de Foucault (1977; 1982; 2014) é questionar, estudar e refletir sobre o funcionamento das instituições e a configuração da nossa sociedade, utilizando a criticidade como instrumento de mudança e transformação

    A INFÂNCIA GOVERNADA

    De acordo com Veiga-Neto (2015, p. 51), foi por volta do ano de 1975 que o termo governamentalidade foi criado por Foucault, entendido pelo autor

     

    [...] como o conjunto de ações pelas quais se conduzem as condutas. Assim, em termos foucaultianos, quando alguém conduz a conduta de outro(s) ou a si mesmo, o que ele está a fazer é o exercício do governo sobre o outro ou sobre si mesmo. 

     

    Desse modo, as instituições educativas ocupam um lugar de destaque nos estudos sobre o governo, uma vez que nos espaços educativos o poder opera com o intuito de conduzir a conduta de outros. Nas escolas e Centros de Educação Infantil um conjunto de ações articuladas somam-se às intencionalidades que também se expressam pela organização espacial.

                           

    No momento do lanche uma criança entra embaixo da mesa. A diretora, que se encontrava no refeitório nesse momento, chamou a atenção do menino dizendo: ‘Você está querendo ficar sem parque?’ A criança ignora a fala da gestora e permanece durante todo o momento do lanche embaixo da mesa. A diretora aproveita e reforça o ocorrido dizendo às demais crianças: ‘Não olhem, nem sigam o que ele fez, vocês não querem ficar sem parque?’ Antes de se retirar do refeitório enfatiza para a professora: ‘Depois deixe ele nem que seja 2 a 3 minutos sem parque. Ele precisa sentir pelo acontecimento’ (Diário de Campo, instituição “B”, 17/04/2018).

                                  

    A partir do relato é necessário atentar para os detalhes e para como as coisas estão organizadas e pensadas, como, por exemplo, perguntar: Quais regras existem e por quem são decididas? Quais as justificativas para tais ordenamentos? Quais estratégias de coerção são utilizadas? Como verifica-se o controle dos corpos e das mentes das crianças? Há evidências de transgressões e resistências ao poder instaurado? Há sanções? Como isso acontece? Há impactos sobre seu comportamento? A cena descrita acima evidencia que criança subverte a ordem, mesmo sendo advertida das implicações que sua ação geraria.

    Carvalho (2015, p. 26) aponta que, “[...] para haver governo da infância, foi necessário criá-la como objeto de análise, de classificação e diferenciação”. Desse modo, o autor, menciona que a infância é classificada em etapas e processos. Os adultos, ao olharem as crianças e observarem seus comportamentos, determinam quem são os bons exemplos, os delinquentes, os doentes, os sadios.

    De acordo com Foucault (2014, p.167), “[...] o poder disciplinador se deve sem dúvidas ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame”. O olhar de uns sobre outros é fundamental na observação e vigilância, cujo objetivo é perceptível no projeto arquitetônico, a partir da disposição das janelas, portas e câmeras

    Foucault (2014) elucida como o poder se expressa nos olhares, na sanção normalizadora e no exame. O exemplo a seguir nos mostra como isso também se confirma no universo das instituições de Educação Infantil:

     

    No refeitório as crianças conversam entre elas, a professora lança olhares que tentam reprimir as crianças, em seguida ameaça-as: ‘Aqueles que não pararem de conversar vão para o berçário colocar fraldas e usar chupetas’ (Diário de Campo, Instituição “B”, 19/04/2018)

               

    Outros momentos de tensão foram identificados durante as refeições das crianças:

    Um menino bate no outro no banheiro. A professora entra segurando firme um deles pelo braço, leva-o até a mesa para a refeição. Ele reluta, pois não quer sentar. A professora faz com o que o menino sente em uma mesa isolado dos demais. Seu prato é colocado a sua frente, porém ele nega-se a comer e começa a chorar. A professora não o incentiva a comer. Entra no refeitório a diretora, que se dirige até o menino, conversa com calma e o incentiva a comer. Ele almoça, porém separado dos demais (Diário de Campo, Infantil III, Instituição “A” 31/10/2017)

     

    Os controles verbais ou manifestos pelo olhar impõem relações que buscam formatar a conduta das crianças. O “castigo” disciplinar tem por objetivo diminuir os desvios, e nisso se inclui a constante qualificação dos comportamentos nos Centros de Educação Infantil.

    Em contraposição, a “desobediência” seria a porta-voz para a desumanização, se pensarmos por essa lógica de compreensão.

     

    Aconteceu um episódio essa semana de uma criança ficar sem café, porque derramou. Coisa absurda né, criança derrama, criança conversa na mesa. Elas [professoras] falam que não pode conversar, mas não pode por quê? Então, eu chamei a professora e falei: você está aqui para orientar, ajudar as crianças. E a criança estava chorando, mas tomou o café com vontade. Precisa deixar uma criança chorando para punir, achar que a criança está aprendendo e que o professor está ensinando? (Entrevista Gestora, Instituição “A”, 01/11/2017).

     

    Sobre essa questão, salientamos que obedecer, nestes moldes, é ser prisioneiro de uma relação de forças que subjuga, domina e aliena no sentido amplo do termo. Ou seja, a submissão é, definitivamente, a inteira dependência do outro que comanda, decide, dita ordens e destrói as vontades.

    O tímido grito de resistência é quase anunciado pela supervisora que preocupa-se, questiona a forma de tratamento da professora para com a criança. A gestora ainda expõe:

     

    Eles são disciplinadinhos, seguem umas ordens, umas regras das professoras. Mas talvez eles tivessem autonomia, flexibilidade para determinadas coisas. ‘Não levante da cadeira’, isso é uma coisa tão imposta, por que que não pode levantar da cadeira? Eles já possuem opinião, já sabem o que querem fazer (Entrevista Gestora, Instituição “A”, 01/11/2017)

     

    Esse relato da gestora, desperta em nós uma possível esperança de pensar e planejar os espaços educativos infantis, para além dessa submissão que desumaniza e aniquila toda a formação de subjetividade humana com o prevalecimento da vontade do adulto sobre a criança pequena (DOMICO, 2018). 

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

     

    O trabalho revelou as preocupações de Foucault que, mesmo em momento histórico diferente dos nossos diais, torna-se um arcabouço teórico-metodológico importante para compreendermos como se constituem as relações no universo da educação infantil.

    A pesquisa revelou a existência de práticas pedagógicos disciplinares e controladoras de crianças, que submetidas a regras ditas pedagógicas, são conduzidas e moldadas ao mundo da obediência e submissão. As que direcionarem para outros caminhos, sofrerão o preço da dominação: sanções diárias e ações punitivas.

    Nesse sentido, a feitura desse texto torna-se uma das possibilidades, pela reflexão e denúncia, de buscarmos a extinção destas formas de controle. Consideramos importante ampliarmos nossa liberdade de pensar a educação e de nos pensarmos a nós próprios, como educadores que somos, em favor de uma educação mais humanizadora e autônoma para as crianças pequenas.

     

    REFERÊNCIAS

     CARVALHO, Alexandre Filordi. Por uma ontologia política da (d)eficiência no governo da infância. In: HAROLDO, Resende de. Michel Foucault: o governo da infância.Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 25-48.

    DOMINICO, Eliane. Educação Infantil, práticas pedagógicas e relações estabelecidas: uma análise foucaultiana. 2018. 116 f.  Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, 2018.

    FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 1977.

    FOUCAULT, Michel.Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto

    Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1982.

    FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões; 42.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. 

    VEIGA-NETO, Alfredo. Por que governar a infância? In: RESENDE, Haroldo de (Org.). Michel Foucault. O governo da infância.Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 11- 24.

     

  • Palavras-chave
  • Infância. Governamento. Michael Foucault.
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • Educação, cultura e diversidade
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