Representações sobre professores nas páginas do jornal Diário dos Campos: a escrita de Mário Lima Santos

  • Autor
  • Jaine dos Santos Floriano
  • Co-autores
  • Maria Julieta Weber Cordova
  • Resumo
  •  

    O present­­­e trabalho tem como objeto o estudo de representações sobre professores a partir das páginas do jornal ponta-grossense Diário dos Campos, utilizando como referencial teórico o conceito de representações formulado por Roger Chartier (1990). A pesquisa é de caráter documental e foram consultadas três matérias do referido jornal, escritas por Mario Lima Santos, entre os anos de 1951 a 1953.

    O jornal impresso pode ser compreendido como fonte geradora de circulação de ideias sobre educação e critérios civilizatórios. Por constituir-se num meio de leitura de certa forma mais acessível a diferentes camadas sociais, propicia tanto o acesso ao conhecimento, como a rapidez da informação, diferindo na forma e no tempo de leitura do livro (LIMA SOBRINHO, 1997). Pode-se depreender então que “a imprensa apresentou-se como tradutora e formadora de ideias, dividindo com os setores educacionais o papel de doutrinadora” (ALMEIDA, 1998, p. 153). E, nesse sentido, dentre as atuações exercidas por um jornal estaria a de se utilizar da circulação de notícias a partir de determinados interesses. Tal objetivo em causa configuraria em "conseguir adeptos para uma causa seja ela empresarial ou política, e os artifícios utilizados para esse fim são múltiplos” (CAPELATO, 1988, p.15).

    O jornal Diário dos Campos, escolhido como suporte para o presente estudo, anteriormente nominado como O Progresso, foi fundado em 1907, sendo considerado o mais antigo jornal dos Campos Gerais, no Paraná. Na década de 1950, configurava-se como um importante formador de opinião da região, sendo seu proprietário, desde 1931, José Hoffmann (1904-1969), mais conhecido como Juca Hoffmann, um sujeito renomado na cidade, tanto por sua dedicação ao ramo jornalístico, quanto por sua carreira política. As páginas do jornal eram marcadas por diferentes assuntos, como política e economia. Dentre esses assuntos, havia matérias que falavam sobre professores, com diferentes autores e diferenciadas visões de mundo. Um dos nomes que se destacaram no jornal, foi o de Mario Lima Santos, advogado e professor em Ponta Grossa.

    Em 1953, Mário Lima Santos escreve uma matéria intitulada “As grandes conquistas pedagógicas em nosso estado” em que explicita o que considerava ser professor:

    [...] o professor atual tem à sua disposição a contribuição das novas conquistas psicológicas e pedagógicas. Mas essas conquistas, esses ensinamentos ficarão vazios se o professor se deixar dominar pelos exageros da ciência. O professor sábio não é o melhor professor. O melhor professor é o que é humano. O que conhece a ciência na sua amplitude legitima e que a completa com uma profunda compreensão humana, sem compreensão humana não há educação. E assim neste roteiro tem sido a jornada do nosso professor nesses últimos tempos (DIÁRIO DOS CAMPOS, ed. 16.368, 31 jan. 1953).

     

    Essa questão da formação dos professores envolve também o debate sobre métodos de ensino, que perpassou as páginas do Diário dos Campos. Mario Lima Santos escreveu uma reportagem, em 1951, denominada “Educação e ensino: as qualidades de um bom professor”, onde defendeu seu ponto de vista: “O que faz ‘bom professor’ não é somente a quantidade de saber acumulado, isso é necessário mas não é tudo, nem o imprescindível”, pois o fundamental é saber que

     

    O 'bom professor" é uma criatura quase que excepcional portadora de dotes pessoais quais sejam: capacidade da simplificação, espirito de sintese e facilidade de transmissão. A isso se ajuntará: relativa cultura geral e estudos particulaes da disciplina da cátedra. Naturalmente que se a tal criatura pudessemos acrescentar grandes conhecimentos científicos, seria o ideal. Dessas qualidades imprescindiveis ao bom professor, duas são personalissimas: a capacidade de simplificação e o poder de transmissão. As outras, o estudo, o esforço e a experiência didática acabam por completar (DIÁRIO DOS CAMPOS, ed. 16.020, 6 nov. 1951).

     

    Num contexto de discussões sobre a formação de professores no ensino superior, em 1952, Mario Lima Santos escreveu uma reportagem intitulada “Educação e ensino: as normalistas nas universidades”, onde discorreu sobre a questão da apresentação de um anteprojeto de lei ao senado, que permitia que normalistas ingressassem nos cursos superiores, mediantes concurso de habilitação e exame de nível de conhecimentos. O autor defendeu o argumento como “justo”, pois, “o professor normalista é, comumente, portador de base cultural suficiente para o ingresso nos estabelecimentos de ensino superior”, e complementou:

     

    Efetivamente, os alunos das Escolas Normais ou dos Institutos de Educação, recebem ali um complemento de aquisição de cultural perfeitamente bastante para elevar-lhes a mentalidade à altura das exigências universitárias. Por isso, bem andaram os nossos senadores ao elaborarem o esquema da futura lei que vai permitir às nossas inteligentes normalistas o justo e necessário direito de ingressarem, com a galhardia que lhes é propria, em qualquer dos cursos de nossas Universidades. Parabéns às nossas normalistas (DIÁRIO DOS CAMPOS, ed. 16.111, 1 mar. 1952).

     

    É interessante notar a historicidade do papel da mulher em meados do século, em que se naturalizavam posicionamentos de que cabia às mulheres as atribuições domésticas. Na década de 1950, o espaço social das mulheres ainda era bem delimitado. Áreas como a educação e a enfermagem passavam a ser vistas como as mais adequadas para as mulheres. Destaque-se que até os dias atuais há certa feminização em determinados cursos universitários, e consequentemente, nos postos de trabalho. Apesar das universidades abarcarem maior número de mulheres, estas se concentram em cursos relacionados à educação, enquanto que outros cursos ainda são predominantemente masculinos.  

    As formas como as mulheres são representadas, historicamente, indicam posições de poder, conforme foi possível verificar por meio de pesquisa documental em um jornal de considerável representatividade na região, Poucas matérias dos jornais analisados foram escritas pelas próprias mulheres. Pode-se constatar, assim, que suas representações eram produzidas e definidas na maior parte do tempo por homens. Ao invés de serem protagonistas de sua escrita, as mulheres eram imaginadas e representadas nas matérias dos jornais. Ignorava-se, de fato, o que as mulheres pensavam e sentiam, apesar de haver uma gama de discursos sobre elas. Desse modo, “[...] das mulheres, muito se fala. Sem parar, de maneira obsessiva. Para dizer o que elas são ou o que elas deveriam fazer” (PERROT, 2007, p. 22).

    Vale ressaltar que a própria escrita dos jornais não tinham destinação à leitora mulher, mas aos homens que entendiam de política e economia. Às mulheres eram endereçadas as revistas de beleza. Conforme aponta Pedro (1997, p. 234) “É interessante acompanhar, nas diferentes épocas, as mudanças dos papéis sexuais que a imprensa divulgava nas diversas cidades. Tais mudanças, obviamente, vinham acompanhadas de uma campanha com normas de conduta [...]”.

    Em síntese, buscou-se compreender quais foram as representações sobre os professores nas páginas do Diário dos Campos, especificamente em três matérias escritas por Mario Lima Santos, possibilitando evidenciar questões como a feminização do magistério e o papel social da mulher na sociedade ponta-grossense em meados do século XX.

     

     

    Considerações finais

     

                O estudo documental em jornais impressos permite compreender as representações e as práticas culturais do contexto estudado. Com este trabalho, buscou-se tratar das representações sobre os professores, mas também sobre as professoras, a partir do teor das matérias de Mário Lima Santos, escritas no jornal Diário dos Campos, entre os anos de 1951 a 1953.

                Foi possível perceber que o debate educacional consistia em apontar as qualidades que seriam almejadas para ser um “bom professor”, abrindo possibilidades para ampliar o debate sobre a feminização do magistério, a escrita demarcada pelo olhar masculino nos jornais e a incorporação do viés científico nos processos que permeiam a formação docente na história da educação brasileira.

     

    REFERÊNCIAS

     

    ALMEIDA, M. G. A. A. Estado Novo: Projeto político pedagógico e a construção do saber. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, 1998, p.137-159.

     

    ARAÚJO, N. S. Imprensa e poder nos anos 1930: uma análise historiográfica. In: VI Congresso Nacional de História da Mídia, 2008, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2008. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000157&pid=S0104-8775201400010001200016&lng=pt>. Acesso em: 29 mai. 2018.

     

    CAPELATO, M. H. R. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto: EDUSP, 1988.

     

    CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

     

    LIMA SOBRINHO, B. O problema da imprensa, 3. ed. São Paulo: EDUSP, 1997.

     

    PEDRO, J. M. Mulheres do sul. In: DEL PRIORE, M (Org.). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 1997, p. 231-269.

     

    PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo : Contexto: 2007, 184 p.

     

     

    FONTES

     

    SANTOS, M. L. As grandes conquistas pedagógicas em nosso estado. Diário dos Campos. Ponta Grossa. 31 jan. 1953. Ed. 16368.

     

    _______. Educação e ensino: as qualidades do bom professor. Diário dos Campos. Ponta Grossa. 6 nov. 1951. Ed. 16020.

     

    ­­_______. Educação e ensino: as normalistas nas universidades. Diário dos Campos. Ponta Grossa. 1 mar. 1952. Ed.16111.

     

     

  • Palavras-chave
  • Representações. Professores. Diário dos Campos
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  • Comunicação oral
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