DOIS CONCEITOS DE INTELECTUAL: CRÍTICO ESPECIALIZADO E EXPERT

  • Autor
  • Dulce Mara Langhinotti Carpes
  • Co-autores
  • Maria Amelia Ingles , Andrea de Paula Pires
  • Resumo
  •  

    DOIS CONCEITOS DE INTELECTUAL: CRÍTICO ESPECIALIZADO E EXPERT

     

    Dulce Mara Langhinotti Carpes - UEPG

    dulcelanghinotti@gmail.com

    Maria Amelia Ingles - UEPG

    mariaameliaingles@yahoo.com.br

    Andrea de Paula Pires - UEPG

    andreappires@hotmail.com

     

    Eixo 1 - História e historiografia da Educação

     

    INTRODUÇÃO

     

    Este estudo situa-se no campo da História Intelectual e objetiva apresentar a definição dos modelos de intelectuais “Crítico especializado” e “Expert”, sistematizados pela socióloga francesa Gisele Sapiro (2012). O estudo se justifica pela contribuição científica que trará para a compreensão dos tipos de intelectuais identificados na França por Sapiro (2012), bem como, para a compreensão das articulações e disputas que suscitam e permeiam o campo em que atuam os intelectuais. O resumo é parte integrante da revisão de literatura e sistematização teórica que embasará a construção de uma tese em andamento circunscrita no campo dos intelectuais brasileiros e as relações que se estabelecem entre esses personagens no campo das discussões referentes às Políticas para Educação Superior no Brasil, no início do século XXI. A construção do referencial se deu por meio de uma pesquisa bibliográfica e a abordagem caracteriza-se, predominantemente, como qualitativa.

    Historicamente a tradição intelectual esteve presente nas diversas sociedades, desde a antiguidade até o século XVIII. Os intelectuais, nesse período, possuíam alguma posição de destaque, como era o caso do clero na Idade Média. Para Sapiro (2012), a utilização do termo intelectual passou a circular na França durante o Caso Dreyfus pelos antidreyfusards. Entretanto, o termo possuía uma conotação negativa, visto que era utilizado para desprestigiar o adversário. Tendo em vista ter adquirido notoriedade em meio à referida conjuntura, originou-se uma tensão entre àqueles que produzem cultura e os que intervêm no espaço público. Na obra intitulada A Distinção, Bourdieu (1979) trouxe o objeto e o espaço que transitam os intelectuais, os quais constituem-se como,

    [...] universo relativamente autônomo, onde se elaboram, na concorrência e no conflito, os instrumentos de pensamento do mundo social objetivamente disponíveis em um dado momento do tempo e onde se define, ao mesmo tempo, o campo do pensável politicamente ou, se preferirmos, a problemática legítimo (BOURDIEU, 1979, p. 465).

     

    A ambiguidade definida por Bourdieu é intrínseca e original ao campo de atuação dos intelectuais. Desse modo, com relativa autonomia e de forma entrecruzada, bem como conflituosa, o campo intelectual participa do campo de produção ideológica, pois, nele se enfrentam indivíduos e grupos de diferentes lugares sociais na luta pela imposição de uma visão de mundo social autêntica.

    Segundo Rodrigues (2005), o intelectual francês, desde o final do século XIX, é tido como uma referência conceitual e moral, entretanto foram se delineando diversos tipos de intelectuais. Ao analisar o caso francês, Sapiro (2012) tratou das formas e modalidades de intervenção política dos intelectuais, que segundo ela, tendem a se modificar em razão de três elementos, a saber: o capital simbólico, ou a posição ocupada segundo o volume total do capital simbólico, certificado pela competência e por títulos escolares. O outro fator é a autonomia em relação à política e à moral. Desde a conquista da autonomia (XIX na França), os intelectuais são alvo de organizações políticas, instituições, empresas, as quais tentam cooptar o poder carismático de modo heterônomo e subordiná-los a seus próprios interesses. Circunscrito ao terceiro fator está o grau de especialização, que se acirrou na segunda metade do século XIX e passou a determinar os modos de intervenção política, estimulou a concorrência, o delineamento de monopólios no que concerne a competências e jurisdição (SAPIRO, 2012, grifo nosso).

    Para a autora, da combinação dos fatores mencionados podem ser identificados oito tipos de intervenção típicas, analisados por ela na perspectiva sócio-histórica: o intelectual crítico universalista; o intelectual crítico especializado também chamado de específico; o intelectual guardião da ordem moralizador “conselheiro do príncipe”; o intelectual especialista, consultado pelos dirigentes e chamado de expert; grupos contestadores universalistas Vanguarda; grupos contestadores especializados Intelectual coletivo; intelectual de instituição generalista ou de organização especializados intelectuais orgânicos e o intelectual de instituição especializado, também denominados intelectuais orgânicos (SAPIRO, 2012, grifo nosso).

    Nesse sentido a autora agrupou os modelos de intervenção política dos intelectuais em categorias na medida em que constatou algumas de suas formas de atuação, como generalista/especializado, dominante/dominado, autonomia/heteronomia. Os intelectuais - crítico especializado ou intelectual específico e o intelectual especialista consultado pelos dirigentes ou expert, situam-se no campo denominado de especializado; entretanto, o intelectual específico atua no campo da autonomia enquanto que o expert tem sua atuação situada no campo da heteronomia. Tal delimitação nos leva a pressupor que suas formas de atuação e produção intelectual diferenciem-se, visto que a heteromia está associada à falta de autonomia no campo de produção cultural (SAPIRO, 2012, grifo nosso),

    A esse respeito Sapiro (2012), descarta a cisão usualmente utilizada na qual remete à ideia que a esquerda seria representada pelo intelectual crítico e a direita pelo intelectual expert. Tal clivagem segundo a autora, não se sustenta tendo em vista que no fascismo italiano atuaram grupos de vanguarda (contestadores), assim como na máquina do socialismo soviético atuaram intelectuais experts.

     

    CARACTERIZAÇÃO DOS INTELECTUAIS

     

    O intelectual crítico especializado ou específico surgiu no contexto de ascensão da expertise, adquiriu significativo reconhecimento durante a Guerra da Argélia e depois de Maio de 68 (SAPIRO, 2012, grifo nosso). Situado distante da neutralidade, seu trabalho político consiste em repensar as categorias de análise do mundo social, bem como, a redefinição das problemáticas e dos esquemas de percepção rotineiros. Diferentemente do intelectual expert e de instituição, sua ação política de cidadão está fundamentada em um saber especializado, de modo que busca contribuir com sua competência específica.

    Na França destacaram-se nesse perfil intelectuais como Pierre Vidal-Naquet, Gisèle Halimi, Michel Foucault e Pierre Bourdieu, os quais transitaram entre o modelo universal e específico, quando engajados na linha dreyfusard. A contra-expertise desse intelectual é colocada a serviço daqueles que não possuem meios de expressão. Não está dentre suas funções, formar a consciência operária, mas difundir o saber operário por meio do sistema de informação.

    O intelectual especialista consultado pelos dirigentes, ou expert, conforme Sapiro (2012, grifo nosso), é aquele que anuncia as políticas públicas, bem como as decisões tomadas pelo poder público, tendo como referência pressupostos científicos. Caracteriza-se por produzir diagnósticos pautados na neutralidade, tendo em vista a cientificidade, em oposição à posições ideológicas, capazes de subordinar o conhecimento para fins políticos. Esse tipo de intelectual surge com o desenvolvimento da expertise científica no contexto de elaboração das políticas públicas do New Deal (EUA), que na década de 30 do século XX, deu origem aos thinktank. Conforme Moraes (2001), o surgimento dos thinktank à época, se constituiu nessa conjuntura onde especialistas objetivaram disseminar conhecimentos para estas áreas.

    Na França, a ideia de expertise se constituiu inicialmente no interior da administração com a formação de um corpo de engenheiros e altos funcionários, fato que limitou essa possibilidade a outras profissões. Após a Primeira Guerra Mundial, a imposição dos métodos estatísticos e da neutralidade axiológica são marcas de cientificidade, tal contexto resultou no surgimento dos intelectuais chamados de experts desinteressados. Os partidos e sindicatos desenvolveram comissões de experts, tendo em vista a ideia de especialização das tarefas dos intelectuais de instituição; tal situação levou à conquista da legitimidade política desse modelo de intelectual. Especialmente após os anos 1960 e 1980 a expertise das ciências sociais, adquire nova forma, tanto nas altas funções pública bem como entre os representantes do mundo econômico.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O breve estudo objetivou demonstrar os conceitos de intelectuais elaborados por Sapiro (2012), bem como, contribuir e avançar no campo científico ao trazer uma pequena elucidação do intelectual crítico especializado e do intelectual expert, os quais atuam no campo social, bem como, as relações que se estabelecem nesses espaços.

    Salienta-se, contudo, que o espaço em que atuam os intelectuais constitui-se marcado por tensões e disputas, verificadas no campo intelectual, espaço situado entre o campo acadêmico e o campo político, onde se produzem os discursos e as estratégias que figuram a luta por suas representações políticas.

    Este estudo inicial apontou para a necessidade de uma análise detalhada dos campos de poder em que atuam os intelectuais. Desse modo, a delimitação de Sapiro (2012), nos levou a questionar e pesquisar quais tensões existe no caso brasileiro, especificamente no que tange às discussões das políticas públicas para o Ensino Superior nas primeiras décadas do século XXI.

     

    REFERÊNCIAS

    BOURDIEU, Pierre. La Distinction. Critique: Sociale Du Jugement. Paris, Minuit, 1979.

     

    MORAES, Reginaldo Carmello Corrêa de. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo: Senac, 2001.

    RODRIGUES, Helenice. O intelectual no"campo" cultural francês. Do"Caso Dreyfus" aos tempos atuais. Varia historia, v. 21, n. 34, p. 395-413, 2005.

    SAPIRO, Gisèle. Modelos de intervenção política dos intelectuais: o caso francês. Revista Pós Ciências Sociais, v. 9, n. 17, p. 19-50, 2012.

     

     

  • Palavras-chave
  • História Intelectual, expert, crítico especializado.
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
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