LINGUAGEM ESCRITA E EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

  • Autor
  • Jaqueline Machado Garcia
  • Co-autores
  • Heloisa Toshie Irie Saito
  • Resumo
  •  

    LINGUAGEM ESCRITA E EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

    GARCIA, Jaqueline Machado- UEM

    Jaquelinegarcia17@hotmail.com

    SAITO, Heloisa Toshie Irie Saito-UEM

    htisaito@uem.br

    Gefoppei/CNPQ/UEM

    Eixo temático 9

     

    A aprendizagem da linguagem escrita é parte essencial no processo de constituição do homem, pois como a linguagem é uma Função Psicológica Superior (FPS) sua apropriação promove ganhos significativos ao desenvolvimento humano. Além disso, ela desempenha papel fundamental em nossa sociedade: é por meio dela que se estabelece a comunicação entre passado, presente e futuro. Logo, trata-se de um instrumento que possibilita o relacionamento do sujeito tanto com os demais membros do corpo social, quanto com o conhecimento produzido ao longo da história.  

    A escrita, por se tratar de um sistema de representação historicamente construído, é extremamente complexa. Desse modo, sua representação, de certa forma, automatizada, dependerá do desenvolvimento de formas complexas de comportamento. Por ser assim, o processo de apropriação da língua escrita tem início desde os primeiros meses de vida e não apenas quando a criança é inserida em uma instituição regular e submetida a um programa de alfabetização formal. Portanto, o estabelecimento das primeiras noções em torno do sistema de escrita pode e deve ter início já na educação infantil, mas isso dependerá das relações estabelecidas do sujeito com o meio e com o outro, ou seja, da organização do trabalho pedagógico nas instituições educativas de primeira infância e da mediação realizada por parte do educador de modo a promover a aproximação entre criança e universo da escrita.

    Foi pensando na linguagem escrita conforme a descrevemos que escolhemos os estudos da chamada teoria histórico-cultural. Tendo origem nos estudos do psicólogo russo Lev Vygotsky (1896- 1934) esta teoria defende que o comportamento humano tem origem não apenas biológica, mas sobretudo, histórica e social. Neste sentido, a língua escrita tem uma história e, quando refletimos em torno de o que leva a criança a se alfabetizar, escrevendo em função de um código alfabético, Vygotsky explica que o motivo para isso reside no fato de que a linguagem escrita tem também uma pré-história. Em outras palavras isso significa que previamente ao ensino formal da escrita a criança já desenvolveu certos conhecimentos essenciais a esse respeito.

    Parece claro que o domínio de um tal sistema complexo de signos não pode ser alcançado de maneira puramente mecânica e externa; ao invés disso, esse domínio é o culminar, na criança, de um longo processo de desenvolvimento de funções comportamentais complexas. A única forma de nos aproximar de uma solução correta para a psicologia da escrita é através da compreensão de toda a história do desenvolvimento dos signos na criança (VYGOTSKY, 1984, p. 70- 71, grifo nosso).

     Considerando essa afirmação de Vygotsky a qual nos sugere que para compreendermos a escrita na criança é preciso atentarmo-nos não apenas para o momento em que ela aprende a escrita de maneira sistematizada, mas sobretudo, observar a história do desenvolvimento dos signos que se dá desde a mais tenra idade, o projeto de pesquisa em questão se propõe a investigar quais seriam as contribuições da teoria histórico-cultural para o trabalho com a linguagem escrita na educação infantil, primeira etapa da educação básica que, em nosso país, recebe sujeitos com idade entre zero e cinco anos e 11 meses. Diante disso, a problemática que lançamos é: qual a contribuição da teoria histórico-cultural para o trabalho pedagógico com a linguagem escrita na educação infantil?

    Para os estudiosos da teoria histórico-cultural afirmar que a escrita tem uma pré-história é considerá-la como um mecanismo vivo, que envolve não apenas o ato de codificar e decodificar a estrutura sonora da língua, mas de representar e comunicar pensamentos, ideias e concepções de mundo. Portanto, conforme Vygotsky (1984), o que se deve fazer é promover nas crianças a aprendizagem acerca da linguagem escrita e não apenas desenvolver a capacidade de grafar as letras. Segundo os teóricos histórico-culturais, todo processo de aprendizagem depende da tomada de consciência daquilo que se pretende conhecer. Assim, para aprender a operar com a escrita, a criança precisa se tornar consciente desse sistema e isso se dará, inicialmente, segundo Vygotsky, por meio de gestos, pelo desenvolvimento da linguagem simbólica no brinquedo e no desenho, já que em todas essas ações a criança lida com formas diferentes de representação e expressão, o que é essencial à compreensão do sistema de escrita.

    Os gestos são formas de expressão e comunicação que se estabelecem por meio de determinados movimentos corporais. Normalmente eles aparecem com mais frequência em crianças cuja capacidade de representação e interação por meio da fala ainda não é possível ou é limitada. Sua caracterização enquanto forma de comunicação é um produto social pois, no caso da criança, dependerá sempre da figura de um adulto que atribuirá a ele uma função. Por representar algo ser uma maneira de interação social, os gestos são a escrita no ar e os signos escritos são, na maioria das vezes, gestos internalizados (VYGOTSKY, 1984). Por este motivo, nele contém elementos que contribuirão para a aprendizagem sistematizada da escrita.

    Quanto ao brinquedo, sua contribuição para a tomada de consciência do sistema de escrita deriva de sua capacidade em possibilitar à criança espaço para, por meio da imaginação e da criatividade, representar situações e papeis sociais que observa em sua vivência cotidiana que, dada sua limitação etária, ainda não pode os experimentar de outra forma que não seja por meio da brincadeira. Por este motivo, a maneira de utilizar o brinquedo como instrumento de representação expressa também seu nível de consciência de mundo. Segundo o psicólogo soviético e seguidor de Vygotsky, Alexis Nikolaevich Leontiev (1903- 1979), o brinquedo aparece na criança devido a

    [...] sua necessidade de agir em relação não apenas ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela, mas também em relação ao mundo mais amplo dos adultos. Uma necessidade de agir como um adulto surge na criança, isto é, de agir da maneira que ela vê os outros agirem, da maneira que lhe disseram, e assim por diante. Ela deseja montar um cavalo, mas não sabe como fazê-lo e não é ainda capaz de aprender a fazê-lo; isto está além de sua capacidade. Ocorre, por isso, um tipo de substituição; um objeto pertencente ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela toma o lugar do cavalo em suas brincadeiras (LEONTIEV, 2010, p. 125).

    Logo, por ser um instrumento por meio do qual a criança pode desenvolver o simbolismo de suas vivências, o brinquedo confere, assim como a expressão gestual, fundamental importância no desenvolvimento da escrita.

    Vygotsky infere que na experiência que deve preceder o trabalho sistematizado da apropriação da escrita, a elaboração de desenhos pela criança ocupa também um lugar de fundamental importância, pois, o ato de desenhar, consiste nas primeiras experiências de traçar linhas em um papel de modo a comunicar-se. Alexander Romanovich Luria (1902- 1977), psicólogo russo que também dedicou seus estudos à contribuição para a formulação de uma teoria do desenvolvimento capaz de explicar o homem enquanto ser histórico e social, realizou investigações [...] para traçar o desenvolvimento dos primeiros sinais do aparecimento de uma relação funcional das linhas e rabiscos na criança (LURIA, 1988, p. 146) e constatou que ao desenhar o mundo ao seu redor a criança se prepara para o momento em que desenhará a oralidade. O desenho é considerado pelos teóricos da concepção histórico-cultural como um simbolismo de primeira ordem, pois é uma representação artística direta do objeto que se pretende comunicar. Por isso, para fazer a transição à uma representação escrita (simbolismo de segunda ordem), representando por meio de signos gráficos a cadeia sonora da fala, a criança precisará estar inserida em um contexto pensado e organizado para possibilitar essa transição.

    Pelas questões acima apontadas, compreender as contribuições da teoria histórico-cultural sobre o trabalho com a linguagem escrita na educação infantil pode fornecer certo respaldo teórico às práticas pedagógicas no cotidiano de trabalho com esta etapa da educação básica, a fim de que ganhem intencionalidade pedagógica e atendam as especificidades do universo infantil.

     

    Bibliografia

    LEONTIEV, Alexis Nikolaevich. Os Princípios Psicológicos da Brincadeira Pré-escolar. In: VYGOTSKY, Lev Semionovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alexis Nikolaevich. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2010. 

    LURIA, Alexander Romanovich. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKY, Lev Semionovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alexis Nikolaevich. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2010.

    VYGOTSKY, Lev Semionovich. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

     

  • Palavras-chave
  • Linguagem escrita. Educação Infantil. Teoria Histórico-Cultural
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • Aprendizagem, desenvolvimento humano e práticas escolares
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