Introdução
O trabalho apresenta pesquisa que problematizou a produção da área da educação quando trata do tema da prática pedagógica. Partiu do pressuposto de que toda prática pedagógica é educativa, mas nem toda prática educativa é, necessariamente, pedagógica.
Segundo Franco (2015), a prática pedagógica corresponde à intencionalidade de uma coletividade e atua, pela historicidade, no movimento dialético entre resistências e desistências no confronto entre o que idealizam as intenções e as imposições da totalidade. A autora também aponta as características de organização e reflexividade. Constituí-la é um desafio que exige superar inúmeros intervenientes como a desvalorização econômica e social da profissão docente, a qualidade da formação inicial e continuada de professores, traços conservadores da cultura escolar e o caráter regulatório e tecnicista das políticas educacionais.
Assim, buscou-se refletir sobre o conceito de “prática pedagógica” a partir da contribuição desta autora, problematizando-o e construindo sínteses analíticas capazes de sumariar questões que desafiam o campo de conhecimento, mapear as formas de aproximação estabelecidas nas pesquisas encontradas e contribuir para o estado da arte no campo da pesquisa sobre o tema.
A prática pedagógica nos periódicos Scielo.org
Para conhecer como a prática pedagógica é tematizada no âmbito da produção da área da educação, desenvolveu-se pesquisa utilizando-se de abordagem qualitativa do tipo estado do conhecimento tomando como objeto de análise os artigos que tratam do tema nos periódicos que compõem a base Scielo.org.
O descritor “prática pedagógica” foi localizado nos títulos ou resumos dos artigos publicados em todos os periódicos indexados na base em língua portuguesa ou espanhola até o ano de 2018, totalizando 44 trabalhos.
Os artigos foram mapeados identificando-se autores, anos de publicação, periódicos, nível de ensino, problema, metodologia de pesquisa utilizada, definição de prática pedagógica e possíveis conclusões, sendo os dados organizados numa tabela e depois categorizados.
Observou-se que a maior produção sobre o tema datou dos anos de 2014 e 2016 (6 artigos), 2015 (5 artigos) e 2018 (5 artigos). Entre 1995 e 2007 foram publicados apenas 9 trabalhos, com prevalência de 1 artigo ao ano e entre 2008 a 2013, 12 trabalhos com uma média de 3 artigos ao ano. Os números revelam que a evolução das pesquisas sobre o tema foi lenta ainda que crescente, mas a presença ainda é pequena no conjunto da produção da área.
Houve uma pulverização nos veículos de publicação, tendo-se identificado 25 periódicos. As revistas Ciência & Educação e Educação e Pesquisa foram as que mais publicaram, num total de 5 e 4 artigos cada, respectivamente. A educação é a área que mais congrega os periódicos, com 16 das 23 revistas. Nas demais áreas percebeu-se uma prevalência de periódicos da área de saúde.
O Ensino Superior é o que mais investiga sobre a prática pedagógica, com 21 trabalhos. Há uma concentração em cursos da área de biológicas e saúde, com 10 artigos; os outros 10 não trataram de cursos específicos ou distribuíram-se em diferentes áreas. A prática pedagógica na Educação Básica foi investigada em 17 casos e 6 não indicaram o nível de ensino por configurarem-se como abordagens teóricas.
A temática abordada nos trabalhos que tratam da prática pedagógica foi relacionada ao ensino, metodologias, tecnologias e recursos didáticos em 32 casos e em outros 6 à formação e saberes docentes; em 3 ao estágio. Dos 44 artigos, 3 discutiram o próprio conceito de prática pedagógica.
Os elementos característicos da prática pedagógica propostos por Franco (2012) nos fizeram problematizar esta questão, já que a grande maioria dos trabalhos abordou a prática pedagógica pela via do ensino, o que poderia sugerir tratar-se de uma prática educativa docente e, não, de uma prática pedagógica.
Para entender se os trabalhos que tratavam da prática de ensino também se configuravam como uma prática pedagógica buscou-se identificar a presença dos elementos que podem caracterizá-la conforme a abordagem de Franco (2012).
Em 12 artigos identificou-se a presença da intencionalidade associada à prática pedagógica, em 7 o debate sobre sua marca dialética, 5 trataram-na como sendo reflexiva, 15 associaram elementos de totalidade como sendo condicionantes (currículo, sala de aula, escola, sistema) e 6 abordaram seu traço coletivo. Nenhum trabalho trouxe os elementos historicidade e organização e em 18 casos o tema foi tratado de forma a não identificar nenhuma destas características, o que pode significar tratar-se muito mais de uma prática de ensino.
Importante destacar que dos 44 trabalhos apenas 7 explicitaram o entendimento sobre o conceito, alguns tecendo-o a partir de sínteses próprias e outros recorrendo a autores como Maria Isabel da Cunha, Olga Zuluaga, Anne-Marie Chartier, Basil Bernstein, Andreia Maria Pereira de Oliveira e Oscar Saldarriaga Vélez. Ficou claro em grande parte dos artigos o uso indiscriminado do conceito para substituir as expressões prática de ensino, prática docente, prática profissional, ensino e metodologia de ensino, revelando ser um campo que ainda merece maior elaboração.
Quanto às metodologias para investigar as temáticas, apenas três trabalhos indicaram a abordagem, sendo 2 do tipo qualitativa e 1 quali-quantitativa. No que tange à metodologia, a maior parte delas (12) envolveu pesquisa bibliográfica, seguida de pesquisa-ação (6) e pesquisa descritiva (3). Houve ainda indicação de pesquisas do tipo história-oral temática (2), etnográfica (2), estudo de caso (2), documental (1) e interpretativa (1). Em relação às técnicas de coleta de dados, o procedimento que prevaleceu foi a entrevista em 11 casos, seguida de observação e questionário (6 cada). Também foram indicados audiogravação (3), formulário de autoavaliação (1), produção de textos (1) e análise documental. Em 5 casos os trabalhos não se configuraram como sendo de pesquisa, mas sim relatos de experiências. O conjunto de metodologias dos trabalhos permite perceber o esforço dos autores em aproximar-se qualitativamente do campo de conhecimento utilizando-se predominantemente de técnicas mais abertas como a entrevista, a observação e o questionário. Sem dúvida a aproximação qualitativa do objeto enriquece o estudo dada a complexidade com que se reveste a temática.
Quanto aos resultados mostrados pelas pesquisas que tratam de prática pedagógica, 8 apontaram a presença de práticas tradicionais e arraigadas que precisam de mudança; 2 mostraram a ausência de teorização ou de práxis (5); 4 apontaram a existência ou a necessidade de se trabalhar com os saberes docentes e 11 de se melhorar a formação de professores. A influência do contexto (currículo, escola, sistema, políticas) foi uma conclusão de 4 trabalhos, sendo que 1 advogou pela importância de que esta se relacione com o projeto pedagógico da escola. Ausência de intencionalidade ou de referenciais teóricos, assim como a contribuição de determinados referenciais para a prática pedagógica estiveram presentes em 3 conclusões. As possibilidades de mudança na prática pedagógica foram constatadas por 3 pesquisas, assim como a presença de elementos reflexivos e criadores (2). Experiências inovadoras na prática pedagógica foram apresentadas em 9 artigos, além de 1 que mostrou ser seu significado multifacetado e, não monolítico ou homogêneo. Houve ausência de conclusão sistematizada em 1 trabalho.
Considerações finais
Compreendemos que a prática pedagógica é aquela que se movimenta reflexivamente frente à dialética que marca a relação teórico-prática no processo educativo buscando direcioná-la à uma dada intencionalidade. Portanto, ainda que educativa, a prática pedagógica ultrapassa tal condição ao caracterizar-se por este conjunto de elementos: intencionalidade, dialética, reflexividade, historicidade, totalidade, coletividade e organização. Dado que a intencionalidade é de um coletivo, entende-se que a prática pedagógica extrapola a sala de aula, situando-se no espaço que a sustenta, a escola, e expressando-se por meio da proposta pedagógica.
A pesquisa mostrou que a prática pedagógica é mais associada ao ensino com fraca presença dos elementos que, segundo Franco (2012), configurá-la-iam para além da prática de ensino. Foi significativo o número de trabalhos que tratou da questão sem nenhuma relação com os elementos pedagógicos.
A área é ainda pouco pesquisada, como também são poucos os periódicos utilizados para socializar pesquisas; foi fator de destaque a preocupação com o tema, o que pode estar associado ao fato de ser predominantemente estudada no ensino superior (cursos da área da saúde), sugerindo preocupação com o trabalho de tais professores que, em geral, não possuem formação pedagógica.
No que tange ao que mostram os estudos, observou-se uma predominância de críticas ao caráter tradicional de que se têm revestido as práticas pedagógicas, assim como a formação de professores como alternativa para transformá-las.
Referências
CHARLOT, B. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. São Paulo: Cortez Editora, 2013.
FRANCO, M. A. R. S. Pedagogia e prática docente. São Paulo: Cortez, 2012.
______. Práticas pedagógicas de ensinar-aprender: por entre resistências e resignações. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 3, p. 601-614, jul./set. 2015.
SCHMIED-KOWARZIK, W. Pedagogia dialética: de Aristóteles a Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1983
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