EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NOS DOCUMENTOS DA UNESCO: UM OLHAR PARA ALÉM DO DISCURSO HUMANITÁRIO

  • Autor
  • GESILAINE MUCIO FERREIRA
  • Co-autores
  • Lucilene Amarante , Jani Alves da Silva Moreira
  • Resumo
  • EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NOS DOCUMENTOS DA UNESCO: UM OLHAR PARA ALÉM DO DISCURSO HUMANITÁRIO

     

    Gesilaine Mucio Ferreira (UEM)

    gesimf@gmail.com

    Lucilene Amarante (UEM)

    lucileneamarante@hotmail.com

    Jani Alves da Silva Moreira (PPE/UEM)

    jasmoreira@uem.br

    GEPEFI - CNPq 

    Eixo 7: Educação cultura e diversidade

     

     

    INTRODUÇÃO

     

    A educação para a diversidade vem sendo propalada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desde a década de 1990, em documentos como o Relatório Nossa diversidade criadora (Relatório Cuèllar), de 1995 (MOREIRA, 2015) e a Declaração de Princípios sobre a Tolerância, de 1995.

    No século XXI, a UNESCO mantém e enfatiza esta temática e associa o respeito à diversidade cultural à garantia dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (UNESCO; 2002; UNESCO, 2005). Também defende uma agenda educacional inspirada “[...] por uma visão humanista da educação e do desenvolvimento, com base nos direitos humanos e na dignidade; na justiça social; na inclusão; na proteção; na diversidade cultural, linguística e étnica” (UNESCO, 2016, p.iii). Assim, a UNESCO reconhece a educação como um direito humano fundamental e elemento chave para a promoção da diversidade cultural.

    Uma leitura superficial desses documentos revela o que denominamos na pesquisa como “discurso humanitário” ao qual dificilmente obterá oposições e resistências. Todavia, como afirmam Shiroma, Campos e Garcia (2005), os discursos são expressões e diretrizes de práticas sociais e, portanto, estão impregnados de intenções políticas que contém ambiguidades, contradições e omissões. Desse modo, é necessário captar também o que os textos não dizem.

    Ao considerar os vínculos da UNESCO desde sua origem, no pós-guerra (1945), com as relações sociais capitalistas, o objetivo desse texto é analisar as recomendações da UNESCO para a educação e a diversidade cultural a partir dos anos 2000 como expressões e diretrizes do processo de acumulação flexível e de minimização das funções do Estado em relação às políticas públicas do capitalismo contemporâneo. Trata-se dos resultados de uma pesquisa documental que analisou a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, de 2001, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, de 2005, e o documento Educação 2030: Declaração de Incheon e Marco de Ação da Educação: Rumo a uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e à educação ao longo da vida para todos, de 2015

     

    O IMPLÍCITO NO DISCURSO HUMANITÁRIO DAS ORIENTAÇÕES DA UNESCO PARA EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL

     

    A UNESCO apregoa o respeito à diversidade cultural e o entendimento mútuo entre os diferentes povos como condição essencial para a garantia da paz, da segurança e da coesão social em âmbito nacional e internacional. Por isso, recomenda que a conscientização social sobre a diversidade cultural seja inserida nos programas educacionais/escolares e na formação de professores (UNESCO, 2002; 2005; 2016).  

    Todavia, ao considerar a educação como um bem público, afirma que ela é uma tarefa social a ser compartilhada por toda a sociedade. Assim, a conscientização sobre a importância da diversidade cultural deve ser promovida mediante parcerias público-privadas (UNESCO, 2002; 2005; 2016), sendo o papel do Estado “[...] essencial para estabelecer e regular normas e padrões” (UNESCO, 2016, p. 8).

    Além disso, a UNESCO reconhece os bens e serviços culturais como mercadorias distintas das demais, por expressarem identidades, valores e sentidos, e a necessidade de políticas culturais que favoreçam a produção e a difusão de bens e serviços culturais diversificados nos países em desenvolvimento e a inserção desses no mercado mundial (UNESCO, 2002; 2005). Segundo Carvalho (2010), os bens ligados à diversidade cultural são transformados em mercadorias, para além dos bens de consumo tradicionais relacionados ao comércio e à indústria, como estratégia do processo de acumulação flexível e globalizada. Trata-se de novos nichos de mercados que passam a “aceitar” as diferenças como forma de expansão do capital.

    Evidencia-se, portanto, nessas orientações da UNESCO um alinhamento com o processo de reestruturação econômica e política do capitalismo, ocorrida a partir dos anos 1970, caracterizado pela expansão da produção toyotista (flexível) e pela minimização das funções do Estado, sobretudo em relação as políticas públicas sociais. Nesse cenário, intensificou-se a parceria público-privada que se refere à “[...] capacidade de intervenção do setor privado na esfera pública mediante a coordenação total ou parcial das responsabilidades até então atribuídas ao poder público” (SANTOS; MOREIRA, 2018, p.335). O Estado mantém-se como normatizador e regulador, mas não como executor das políticas sociais. A execução é repassada para a sociedade civil, seja pela privatização (neoliberais), seja pela atuação do terceiro-setor (Terceira Via); ambas na perspectiva gerencial do mercado (PERONI, 2012).

    Trata-se de uma nova sociabilidade pautada na concepção da Nova Gestão Pública que visa uma reforma empresarial que, de acordo com Freitas (2018), objetiva retirar a educação do campo do direito social e promover a sua inserção como serviço no bojo do livre mercado. Para Moreira (2015, p. 217) o enfoque da UNESCO na política da diversidade cultural na educação visa “a busca de uma ética global por meio de recursos culturais, do pluralismo, da tolerância e aceitação das diversas diferenças”, o que na prática desencadeia ações individuais para a resolução dos problemas que são sociais. As políticas públicas universais são substituídas por políticas focalizadas, cuja implementação é garantida pela parceria público-privada, principalmente pelo terceiro setor. Assim, o discurso de empoderamento social quanto à promoção da educação para a diversidade cultural da UNESCO não é neutro, mas expressão das relações sociais capitalistas contemporâneas, pois essa agência legitima a mercadorização da educação e da diversidade cultural, a parceria público-privada e afirma o papel regulador do Estado.

    É possível identificar nos três documentos analisados a consciência da UNESCO em relação às mazelas da sociedade globalizada contemporânea, como a flexibilidade do mercado de trabalho, a instabilidade política, a degradação ambiental, a ampliação do desemprego global, das desigualdades e da ameaça à paz e à segurança social (UNESCO, 2016). Todavia, ela não indaga sobre as causas dos problemas descritos, tampouco relaciona-os com os antagonismos e contradições do capitalismo contemporâneo. Ao contrário, insiste na importância da educação para a diversidade cultural como fator de promoção do desenvolvimento sustentável, da prevenção e resolução de conflitos e da coesão social (UNESCO, 2002; 2005; 2016), corroborando para a manutenção das relações sociais capitalistas.

     

    CONCLUSÃO

     

    A análise aqui realizada dos documentos da UNESCO não pretende negar a importância da formulação e da implementação de políticas públicas em prol da educação para a diversidade cultural. Todavia, os discursos oficiais devem ser compreendidos no bojo dos contextos políticos em que foram produzidos, pois eles “[...] tendem a ocultar também a dimensão valorativa que os informa” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p.438). Assim, a dimensão humanitária e ético-moral da linguagem utilizada pela UNESCO tende a deslocar os problemas sociais para o âmbito cultural e a omitir as relações desse discurso com as relações sociais capitalistas que ocasionam disputas nacionais e internacionais pelo acúmulo de capital e pelo poder hegemônico. Linguagem que contribui para a obtenção de consenso e para legitimar as reformas educacionais pretendidas.

    No entanto, considerando a ambiguidade e as contradições nos ideais propalados por esses documentos, bem como a distância entre aquilo que é apregoado e a sua implementação, tais aspectos devem ser apreendidos como possibilidade de debates sobre educação e diversidade cultural e de resistência em defesa de uma nova sociedade capaz de garantir a emancipação humana e social.

     

    REFERÊNCIAS

     

    CARVALHO, Elma Júlia Gonçalves. Educação e diversidade cultural. In: CARVALHO, Elma Júlia Gonçalves de; FAUSTINO, Rosangela Célia. Educação e Diversidade Cultural. Maringá: Eduem, 2010. p. 17-54.

     

    FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

     

    MOREIRA, Jani Alves da Silva. Políticas de financiamento e gestão da educação básica (1990-2010): os casos Brasil e Portugal. Maringá: EDUEM, 2015.

     

    PERONI, Vera Maria Vidal. A gestão democrática da educação em tempos de parceria entre o público e o privado. Pro-Posições, Campinas, v. 23, n. 2 (68), p. 19-31, maio/ago. 2012.

     

    SANTOS, Marina Silveira Bonacazata; MOREIRA, Jani Alves da Silva. O financiamento e a gestão da EB: a relação entre o público e o privado. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 12, n. 23, p. 333-346, jul./out. 2018.

     

    SHIROMA, Eneida Oto; CAMPOS, Roselane Fátima; GARCIA, Rosalba Maria Cardoso Garcia. Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos. Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n. 02, p. 427-446, jul./dez. 2005.

     

    UNESCO. Declaração de Princípios sobre a Tolerância. 1995. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000131524>. Acesso em: 13 abr. 2019.

     

    UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. 2002. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2015.

     

    UNESCO. Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. 2005. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000150224>. Acesso em: 21 jan. 2019.

     

    UNESCO. Educação 2030: Declaração de Incheon e Marco de Ação da Educação: Rumo a uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e à educação ao longo da vida para todos. Brasília, 2016.  

     

  • Palavras-chave
  • Diversidade Cultural, Educação, UNESCO
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • Educação, cultura e diversidade
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