A MISSÃO FRANCESA NA USP (1934-1940): UMA PROPOSIÇÃO DE PESQUISA

  • Autor
  • Névio de Campos
  • Resumo
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    A MISSÃO FRANCESA NA USP (1934-1940): UMA PROPOSIÇÃO DE PESQUISA

     

    Névio de Campos (UEPG)

    Email: ndoutorado@yahoo.com.br

    Eixo 1: História e Historiografia da Educação

     

    Introdução

     

    Este texto objetiva apresentar uma proposta de investigação da Missão Francesa na USP, no período circunscrito entre 1934 e 1940. O problema central é discutir a relação entre o campo acadêmico, o campo intelectual e o campo político a partir da atuação dos professores vindos da França, tomando o conceito de campo intelectual elaborado por Pierre Bourdieu e aprofundado pela socióloga francesa Gisèle Sapiro. O conceito de campo intelectual:

     

    [...] permite tomar por objeto a tensão entre estas duas definições, política e profissional. Situado na intersecção do campo político e dos campos de produção cultural específicos, o campo intelectual participa do campo de produção ideológica, “universo relativamente autônomo, onde se elaboram, na concorrência e no conflito, os instrumentos de pensamento do mundo social objetivamente disponíveis em um dado momento do tempo e onde se define, ao mesmo tempo, o campo do pensável politicamente ou, se preferirmos, a problemática legítima”, como o define Pierre Bourdieu. (SAPIRO, 2012, p. 22, grifo nosso).

     

    São Paulo sofreu duas derrotas em 1930 e 1932. As duas derrotas se deram no plano militar. Mas parecia existir a compreensão de que a retomada do poder pelos paulistas se daria, prioritariamente, pelo poder cultural, logo, pelo domínio ideológico, isto é, as lutas se dariam na esfera do campo intelectual onde se disputa a produção ideológica, como vimos na citação de Sapiro. Em consonância com Bourdieu, Sapiro (2012, p. 22) diz que “[...] três fatores estruturam o campo intelectual: o capital simbólico; a autonomia frente à demanda política; o grau de especialização”. Esses aspectos sustentam o volume de poder simbólico do intelectual. Era essa expectativa que os paulistas depositavam no movimento de criação da USP e da Escola Livre de Sociologia e Política.

     

     

    O problema de pesquisa no âmbito da História/Sociologia Intelectual

     

    O objeto específico é discutir a posição da Missão Francesa na USP. No entanto, destacamos que a Escola Livre de Sociologia e Política “[...] procurou adotar um modelo de ensino e de pesquisa de inspiração norte-americana” (MICELI, 2001, p. 102). Já na USP prevaleceu o contato com os europeus, embora não apenas com os franceses. Essa elite política e econômica de São Paulo buscou professores franceses para atuarem nas ciências humanas. Essa estratégia, segundo trechos do manifesto de criação da USP, “[...] visava à formação de ‘quadros técnicos, especializados em ciências sociais (...) de uma elite ‘numerosa e organizada’, instruída sob métodos científicos, a par das instituições e conquistas do mundo civilizado” (MICELI, 2001, p. 102). A pretensão seria formar uma elite “[...] capaz de compreender, antes de agir, o meio social em que vivemos, personalidades capazes de colaborar eficaz e conscientemente na direção da vida social” (MICELI, 2001, p. 102).

    Essa pretensão formativa da USP estava sintonizada ao avanço das ciências humanas e sociais. No caso brasileiro, esSa Universidade passou a representar um dos espaços por excelência para produção de novas interpretações da história brasileira e para forjar projetos societários. Na Europa, conforme Sapiro, “dado el papel central que se le asignaba a la cultura, la construcción de las identidades nacionales dependía directamente de la producción de representaciones colectivas por parte de los intelectuais: hombres de letras, publicistas y pensadores sociales” (SAPIRO, 2017b, p. 24).

    No Brasil, as interpretações remontavam ao século XIX, quando inúmeras explicações apareciam para dar algum sentido histórico à nova nação que se instaurava, como bem sintetizou a obra Cultura brasileira e identidade nacional de Renato Ortiz. No entanto, a USP simboliza a passagem dos escritos ensaísticos aos estudos ditos científicos. Para Renato Ortiz (1985, p. 40), “Sérgio Buarque e Caio Prado Jr estão na origem de uma instituição recente da sociedade brasileira, a universidade. Nesse sentido eles são fundadores de uma nova linhagem, que busca no universo acadêmico uma compreensão distinta da realidade nacional”. De outro lado, sustenta Ortiz (1985, p. 40-41), “Gilberto Freyre representa continuidade, permanência de uma tradição, e não é por acaso que ele vai produzir seus escritos fora [da] universidade, trabalhando numa organização que segue os moldes dos antigos Institutos Histórico e Geográficos”. Nesse contexto, “não é por acaso que a USP é fundada nos anos 30, ela corresponde à criação de um espaço institucional onde se ensinam técnicas e regras específicas ao universo acadêmico” (ORTIZ, 1985, p. 40).

    Antonio Candido apresenta uma síntese do pensamento social brasileiro, remontando ao século XIX para chegar ao grupo responsável pela institucionalização da disciplina no âmbito acadêmico, momento denominado por ele de “etapa culminante, em que se preparam os elementos para sua definitiva constituição e consolidação” (CANDIDO, 2006, p. 282). Este processo é associado a um conjunto de fatores, entre eles:

     

    [...] foram parte magna, podemos dizer decisiva, os professores universitários, estrangeiros ou naturalizados, que constituem a primeira equipe, no Brasil, de estudiosos especificamente preparados para os estudos sociológicos e antropológicos: Horace Davies, Samuel Lowrie, Claude Lévi-Strauss, Paul Arbousse Bastide, Emilio Willems, Herbert Baldus, Jacques Lambert, Roger Bastide, Donald Pierson – americanos, franceses, alemães que nos vieram trazer a cultura universitária no setor das ciências sociais. (CANDIDO, 2006, p. 285).

     

    Patrick Petitjean (1996, p. 276-277) sustenta que os docentes da missão francesa buscavam “[...] ajudar os estudantes a conhecer o país, a reduzir sua dependência intelectual, ‘ensinar os estudantes a pensar’, como sublinha Monbeig”. Petitjean (1996, p. 277) afirma que os professores franceses gozaram de uma “[...] autonomia que, ao contrário, não existia com as atividades anteriores do Groupement”. A discussão assinalada por Monbeig dever ser entendida no contexto de constituição do campo intelectual na França e/ou na Europa, pois conforme Sapiro (2017b, p. 12-13), “en muchas sociedades se puede encontrar un grupo o una categoría de individuos que ejercen una función intelectual, pero no fue sino haste la Europa del siglo XVIII que emergió un campo relativamente autónomo, estrechamente relacionado con el advenimiento de una esfera pública”. No século seguinte, destaca essa socióloga (2017b, p. 14), esse grupo de intelectuais “se expandió como resultado de la prapagación de la educación y el rápido desarrollo de la producción impresa”. No entanto, assevera Sapiro (2017b, p. 14), “su cultura común se vio desafiada tanto pela división del trabajo intelectual como por el ascenso del paradigma científico, que disputaba la autoridad  de la religión”. No ambiente europeu, assinala Sapiro (2017b, p. 14), “la lucha entre estas dos culturas, la ciencia y las humanidades, comenzó a principios del siglo XIX y continúa desde entonces, a medida que la ciencia fue adquiriendo más autoridad y reconocimiento social”. Nesse debate insurgem as ciências humanas e sociais, “nascidas poco tiempo después [...] aún se debaten entre ambas culturas” (SAPIRO, 2017b, p. 14-15). Esse movimento é interpretado pela passagem do âmbito das letras ao mundo da ciência.

     

    Conclusões

     

    Observar a atuação da missão francesa na USP mostra-se um exercício interpretativo fecundo, pois é possível estabelecer a hipótese de que, no contexto da criação desta Universidade, a elite paulista fazia uma avaliação do “espaço de experiência” e do “horizonte de expectativa”. Essa hipótese pode ser lida em Miceli quando sustenta que “[...] os dirigentes da oligarquia paulista atribuem as derrotas sofridas em 1930 e 1932 à carência de quadros especializados para o trabalho político e cultural” (MICELI, 2001, p. 101). Ao mesmo tempo, conforme destaca esse autor (2001, p. 101), “[...] escorados nesse diagnóstico, passam a condicionar suas pretensões de mando no plano federal à criação de inesperados instrumentos de luta: a Escola de Sociologia e Política, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, no contexto da nova Universidade de São Paulo”.

                Esta potencialidade analítica ganha maior fundamentação à medida que se observa que entre os anos de 1920 e 1940 constituiu-se o campo intelectual no Brasil, pois houve transformações decisivas no plano cultural “[...] (criação de novos cursos superiores, expansão da rede de instituições culturais públicas, surto editorial etc.)” (MICELI, 2001, p. 77). É importante assinalar que o campo intelectual ganha grande reverberação a partir do contexto francês dos séculos XVIII e XIX.

     

    Referências

     

    CANDIDO, A. A sociologia no Brasil. Tempo Social, v. 18, n. 1, p. 271-301, 2006.

     

    MICELI, S. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

     

    ORTIZ, R. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985.

     

    PETITJEAN, P. As missões universitárias francesas na criação da Universidade de São Paulo (1934-1940). In: HAMBURGER, A. I. et al. (Orgs.). A ciência nas relações Brasil-França (1850-1950). São Paulo: EDUSP; FAPESP, 1996. p. 259-330.

     

    SAPIRO, G. El espacio intelectual en Europa entre los siglos XIX y XXI. In:______. Los intelectuales: profesionalización, politización, internacionalización. Córdoba, Argentina: Villa María, 2017a. p. 1-104.

     

    ______. ¿El campo intelectual se ha globalizado? In:______. Los intelectuales: profesionalización, politización, internacionalización. Córdoba, Argentina: Villa María, 2017b. p. 1-111.

     

    ______. Encontros com Pierre Bourdieu e destinos de sua obra. In: GARCIA JUNIOR, A.; PESSANHA, E. Entrevista com Gisèle Sapiro. Sociologia e Antropologia, v. 3, n. 5, p. 11-42, 2013.

     

    ______. Modelos de intervenção política dos intelectuais: o caso francês. Revista Pós Ciências Sociais, v. 9, n. 17, p. 19-50, 2012.

     

  • Palavras-chave
  • Missão Francesa; Universidade de São Paulo; Campo Intelectual; História Intelectual.
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
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