REVISTA CLUBE CURITIBANO E O PROJETO LIBERAL EM CURSO
Sandra do Rocio Ferreira Leal – UEPG –
sandra_rfl@yahoo.com.br
Maria Isabel Moura Nascimento – UEPG –
Professora pesquisadora produtividade CNPq
misabelnasc@gmail.com
História e Política Educacionais
Grupo de Estudos e Pesquisa
“História, Sociedade e Educação dos Campos Gerais – PR –
HISTEDBR/UEPG
No período de transição entre Monarquia e República, é inegável que a disseminação das ideias liberais republicanas contou com uma grande aliada, a imprensa. Seus colaboradores, os intelectuais burgueses da época, eram os porta vozes dessa ideologia, organizadores e mantenedores da hegemonia da classe a que pertenciam.
No Paraná, o novo regime não foi recebido com muito entusiasmo, pois os cafeicultores e ervateiros sentiam-se confortáveis com a Monarquia e o povo não compreendia em que a mudança de regime poderia alterar sua situação de dominado. No entanto, o discurso liberal republicano em prol do progresso e da civilização, veiculado pela imprensa, levou os detentores do capital a se instalarem em Curitiba, ignorando que a “[...] modernização, aliada à urbanização, se fez apenas de fachada, dentro dos limites das cidades mais importantes. Freqüentemente, não a muitos quilômetros de distância, o caboclo vegetava, à margem do progresso” (COSTA, 1999, p. 265).
Nesse período, surgem inúmeros periódicos na capital paranaense. Destacamos a revista Clube Curitibano, periódico literário educacional que circulou a partir de 1890. Os colaboradores dessa revista, que também atuavam em outros periódicos literários e educacionais da época, eram educadores, juristas, jornalistas, escritores e poetas simbolistas.
Portanto, a análise da atuação da imprensa literária educacional curitibana, por meio da Revista Clube Curitibano (1890-1898) e a compreensão dos seus objetivos nos darão indicativos do projeto liberal de civilização da sociedade paranaense disseminado nas páginas desse periódico.
Para a realização desta pesquisa em andamento, estabelecemos os seguintes objetivos: investigar as ideias disseminadas e o papel desempenhado pela revista Clube Curitibano no processo de civilização, modernização e progresso da sociedade paranaense; analisar a materialidade econômica, social, política e cultural do Brasil e do Paraná, mostrando as contradições do liberalismo no final do século XIX; analisar os espaços de circulação dos intelectuais educadores e literatos simbolistas paranaenses, nos anos de 1890 a 1898, em especial, o Clube Curitibano e a revista Clube Curitibano; analisar o papel da imprensa, de seus colaboradores e do Movimento Simbolista na primeira década da República; analisar textos extraídos da revista Clube Curitibano a partir das acepções: República, civilização, modernidade, progresso, liberalismo, educação e Simbolismo.
A perspectiva teórico-metodológica que adotamos nesta pesquisa bibliográfica com análise documental é o Materialismo Histórico. Nesse aporte epistemológico, não há espaço para a neutralidade, pois “[...] funda-se na dialética da realidade. [...]” (GOMIDE, 2016, p. 1) e se caracteriza no contexto de uma ontologia do ser social.
Partimos da materialidade do período histórico selecionado com o intuito de identificarmos e analisarmos o projeto liberal de civilização difundido pela Revista Clube Curitibano e os efeitos desse ideário para a construção da sociedade paranaense.
À medida que vamos avançando em nossa investigação, algumas categorias que expressam aspectos fundamentais das relações dos homens que se interrelacionam e que também estabelecem relações com a natureza (MARX, 1983) vão surgindo para que possamos analisar os fenômenos que existem na realidade social, não tendo, portanto, como defini-las a priori.
O ponto de partida deste estudo foi a investigação e a análise numa perspectiva de totalidade, uma das principais categorias do método. Outra categoria que tem permeado nossa pesquisa é a ideologia, pois estamos trabalhando com a imprensa. A contradição também tem sido uma categoria muito presente em nosso estudo, pois oportuniza desconstruções e a compreensão daquilo que não é explícito e nem desejável que seja observado, analisado e divulgado. Não podemos, portanto, “[...] conceber o mundo como um conjunto de coisas acabadas, mas como um conjunto de processos” (MARX; ENGELS, 1963, p. 195) que devem ser observados, analisados e superados por novos processos.
Nosso recorte temporal (1890 a 1898) corresponde às publicações da revista que tivemos acesso. Após 1912, a revista Clube Curitibano sofreu uma pausa, voltando a circular em 1932, ainda com algumas interrupções, mas circula até os dias de hoje, sob um outro formato.
Realizada a análise da materialidade da sociedade da época e feita a organização dos dados documentais, partiremos para a análise desse material na perspectiva teórico-metodológica marxiana. Cada exemplar da revista será analisado dentro de um contexto maior, social, político e econômico, pois nada existe isolado do mundo que o cerca.
Portanto, só nos será possível captar as contradições que permeiam o nosso objeto de análise, o projeto liberal paranaense de civilização, ampliando nosso foco, isto é, nos debruçando sobre a totalidade, sobre as relações e mediações que se estabelecem ao derredor.
A realidade que nos cerca está impregnada de ideologias, isto é, de um “agregado de ideias que procuram ocultar a sua origem nos interesses sociais de um grupo específico da sociedade” (MARX; ENGELS, 1998). Então é necessário partirmos do contexto social, político e econômico que ladeiam nosso objeto de análise para assim compreendê-lo.
Ao considerarmos que “[...] o ideal não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem” (MARX, 2013, p. 90), esse ideal só poderá ser analisado por um sistema de categorias que vão sendo construídas à medida que vamos nos apropriando do nosso objeto de análise.
Não há, portanto, como utilizarmos o Materialismo Histórico sem que compreendamos o nosso ponto de partida, a categoria totalidade, “[...], um produto do pensar, do conceber; não é de nenhum modo o produto do conceito que se engendra a si mesmo e que concebe separadamente e acima da intuição e da representação, mas é a elaboração da intuição e da representação em conceitos” (MARX, 2009, p. 259).
Se é fato que nas primeiras décadas da Primeira República a imprensa foi estratégica na disseminação do ideário liberal, não podemos ignorar que.
[...] O liberalismo brasileiro, no entanto, só pode ser entendido com referência à realidade brasileira. Os liberais brasileiros importaram princípios e fórmulas políticas, mas as ajustaram às suas próprias necessidades. Considerando que as mesmas palavras podem ter
significados diferentes em contextos distintos, devemos ir além de uma análise formal do discurso liberal e relacionar a retórica com a
prática liberal, de modo que possamos definir a especificidade do liberalismo brasileiro. Em outras palavras, é preciso desconstruir o discurso liberal [...] (COSTA, 1999, p. 123).
Há também um outro aspecto importante a ser analisado, a vertente literária simbolista dos intelectuais que colaboravam com a revista Clube Curitibano e a repercussão dessa produção no Brasil e, mais especificamente, no Paraná.
O simbolismo foi uma típica manifestação cultural da passagem do século. Teve como característica a sofisticação, o culto a valores aristocráticos, usados como uma reação ao pensamento racionalista, o misticismo e a influência de culturas orientais (VOITCH, 2008, [s/p.]).
A estética simbolista se manteve em destaque no Paraná até a década de 1930, quando surgiu o Modernismo, já conhecido em São Paulo e Rio de Janeiro. Portanto, consideramos que as acepções de intelectual e de movimento simbolista também são importantes para a compreensão do nosso objeto de análise.
Portanto, concluímos, ainda que de forma provisória, que os discursos liberais republicanos, no início da Primeira República, afirmavam que todos os brasileiros compartilhariam do desejo e das benesses do progresso, da civilização e da modernidade, no entanto muito além do dito, há a materialidade desvelada que nos mostra que houve apenas uma mudança de minorias burguesas no poder, garantindo assim a continuidade da exploração e subjugação da classe trabalhadora.
Comissão Organizadora
Érico Ribas Machado
Comissão Científica