A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E OS DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO DA JUVENTUDE
Aldimara Catarina Brito Delabona Boutin – UEPG – audiboutin@hotmail.com
Karen Cristina Jensen Ruppel da Silva – UEPG – jkarencristina@hotmail.com
Política Educacional e Gestão
INTRODUÇÃO
A hegemonia do modo de produção capitalista é colocada em xeque mediante a um processo de crises sem precedentes que assola o mundo em escala global. A superação dessas crises e da instabilidade política, social e econômica que dela decorre, requer a restruturação produtiva capitalista, a adoção de políticas e ações reformistas e o estabelecimento de novos pactos entre capital e trabalho (MÉSZAROS, 2002).
Harvey (2016, p. 9) argumenta que “é no desenrolar das crises que as instabilidades capitalistas são confrontadas, remodeladas e reformuladas para criar uma nova versão daquilo em que consiste o capitalismo”, ou seja, as ações adotadas em momentos de crises são delineadas com o objetivo da manutenção da primazia e da hegemonia do sistema capitalista e não da sua superação. Nesse sentido as “crises são essenciais para a reprodução do capitalismo” (HARVEY, 2016, p. 9).
A crise de instabilidade política, econômica e social, que culminou com o golpe de 2016 no Brasil, foi um gatilho para a adoção de reformas cujo impacto podem ser sentidos em áreas consideradas essenciais, como a educação, saúde e seguridade social.
No que diz respeito a educação, destacamos que a mesma, já de longa data vem sofrendo os efeitos do processo de crises. Sob a justificativa da necessidade da adoção de ajustes fiscais e da melhoria da qualidade da educação, tendo por base a modernização de sua estrutura, sua eficiência e eficácia, políticas e programas antidemocráticos vem sendo adotados no Brasil. Dessas, destacamos a PEC 55/2016, que em tramitou no Senado Federal como Emenda Constitucional n. 95, a qual modificou as Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo o congelamento por um período de vinte anos nos investimento em áreas sociais, como a educação, e também a MP 756/2016, que visava uma ampla reforma para o Ensino Médio brasileiro e posteriormente foi convertida na Lei 13.415/2017 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A reformulação do Ensino Médio, que foi um dos primeiros atos do governo de Michel Temer, pós impeachment da Dilma Rousseff, se estruturou em um conjunto de propostas para esta modalidade de ensino, dentre as quais destacam-se a reestruturação curricular em uma parte comum e outra destinada a cinco itinerários formativos, o incentivo e ampliação da jornada escolar em tempo integral, a possibilidade de pessoas com notório saber assumirem disciplinas nos itinerários formativos, a profissionalização em massa, o fomento para a realização de parcerias público privadas e a desobrigação de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física. (RIBEIRO DA SILVA, 2018)
Deste conjunto de medidas, enfatizamos a flexibilização curricular, enquanto um aspecto da reforma que nega aos jovens a possibilidade do acesso a uma formação básica conforme previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDEN 9394/96. Nesse sentido, o objetivo do presente texto é analisar as consequências da fragmentação curricular, proposta na Lei 13.415/2017, para a formação da juventude.
METODOLOGIA
Para contemplar o objetivo proposto, ancoramo-nos no referencial teórico metodológico do Materialismo Histórico e Dialético. Justificamos a escolha desse referencial pela possibilidade do mesmo fornecer o subsídios teóricos e práticos para a compreensão e intervenção na realidade.
As reflexões aqui apresentadas partem das análises realizadas no texto da Lei 13.415/2015 e na leitura de autores que se alinham a perspectiva marxista. Destacamos a contribuição do filósofo italiano Antônio Gramsci em suas reflexões sobre a centralidade que a educação pode assumir em um processo que auxilia para a compreensão e ação sobre o mundo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Lei 13.415/2017 institui em âmbito nacional conjunto de medidas que sinalizam uma ampla reforma para o Ensino Médio brasileiro. Dentre as medidas apresentadas no texto da lei centramos nossas análises na divisão do currículo em um eixo comum e outro em itinerários formativos: I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática e suas tecnologias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas; V – formação técnica e profissional (BRASIL, 2017), os quais conforme o texto da Lei, serão determinados pelos sistemas de ensino.
Compreendemos que a flexibilização curricular é um elemento da reforma do Ensino Médio que cerceia a possibilidade da juventude acessar conhecimentos artísticos, históricos e filosóficos, os quais são indispensáveis para a compreensão das contradições sociais e para o desenvolvimento de ações com vistas a superá-las. A necessidade do amplo domínio do saber sistematizado pelas classes subalternas, para Gramsci (2004) é elevada como uma condição para a realização de sua hegemonia. Para o autor, o proletariado precisa de uma educação que possibilite uma formação que subsidie o desenvolvimento de “todos os terrenos para poder realizar sua própria individualidade do melhor modo possível e, por isso, do modo mais produtivo para eles mesmos e para a coletividade. (GRAMSCI, 2004, p. 75).
Para Azevedo Reis e Gonzaga (2018) os itinerários formativos ao possibilitarem “o acesso ao conhecimento de uma determinada parcela do currículo, de uma área apenas do conhecimento humano (p. 93)”, acentuam as desigualdades sociais e contribuem para que os jovens oriundos das classes populares, não tenham acesso a uma “formação científica, cultural e tecnológica” (p. 94), mas somente aos saberes indispensáveis para o funcionamento da máquina produtiva, o que é essencial para a hegemonia do modo de produção capitalista.
Na visão de Ribeiro da Silva (2018) a flexibilização curricular fragiliza o acesso a saberes que instrumentalizam os jovens para uma compreensão crítica do mundo, reforça as desigualdades sociais e contribui para o conformismo dos sujeitos em relação a realidade a que estão expostos. A educação estruturada em tais objetivos, de acordo com Flach e Schlesener (2018) é norteada por uma perspectiva de caráter interessado, o qual tem como fim a “manutenção da dualidade estrutural da sociedade e da escola”, a “formação e manutenção de quadros para o aparelho produtivo capitalista”, a “[...] transmissão de conhecimentos comprometidos com o desenvolvimento do capitalismo” e a “valorização máxima do capital” (FLACH; SCHLESENER, 2018, p. 784).
É nesse sentido que compreendemos que o cerceamento da possibilidade de interlocução crítica com os saberes das diferentes áreas do conhecimento promove a adaptação e o conformismo dos jovens a realidade em que vivenciam, contribui para a manutenção das bases produtivas, impossibilitando a elaboração de uma concepção de mundo que vise a superação em definitivo das desigualdades sociais e não somente o aperfeiçoamento da sociedade capitalista.
CONCLUSÕES
Na contramão da perspectiva gramsciana de “escola desinteressada” (GRAMSCI, 2004, p. 75) a qual visa a formação humana geral, a Reforma do Ensino Médio, legitimada pela Lei 13.415/17, objetiva qualificar mão de obra pra atender as demandas específicas da reestruturação do modo de produção capitalista. A fragmentação curricular proposta pela referida reforma não fornece elementos necessários para contemplar o Ensino Médio enquanto etapa da Educação Básica, retirando a possibilidade dos jovens de fruir dos diversos campos de conhecimento necessários ao desenvolvimento de suas amplas potencialidades.
Os itinerários formativos apresentados pelo Novo Ensino Médio não tendem a ser ofertados pelas escolas de forma democrática. Ao contrário das propagandas publicitárias disseminadas na mídia pelo Governo Federal, que indicavam a livre escolha por parte dos educandos, o texto da Lei não garante que a escolha de um itinerário formativo seja uma opção do estudante, mas sim uma oferta a critério dos sistemas de ensino, o que depende de demandas produtivas locais, disponibilidade de professores dos diferentes campos, etc. Nesse sentido, a escolha do jovem por um itinerário formativo é limitada, cerceando assim o direito à uma educação de qualidade que vislumbre a tríade constitucional do pleno desenvolvimento da pessoa, do preparo para o exercício da cidadania e da qualificação para o trabalho.
Desta feita, defendemos aqui o Ensino Médio enquanto uma etapa da Educação Básica, de formação humana geral não vinculada aos interesses do mercado de trabalho imediato. Uma educação que propicie aos jovens o desenvolvimento humano comprometido com a transformação social na construção de uma outra hegemonia em prol de uma forma de sociabilidade justa e igualitária.
Referências
AZEVEDO, J. C.; REIS, J. T.; GONZAGA, J. L. A. Caminhos da educação dos trabalhadores: reformas, processos e resistências no Ensino Médio. In: AZEVEDO, J. C de.; REIS, J, T. Políticas educacionais no Brasil pós golpe. Porto Alegre: Editora Universitária Metodista, 2018. p. 79- 110.
BRASIL. Lei 13.415/17 de 16 de fevereiro de 2017. Câmara dos deputados. Brasília: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13415-16-fevereiro-2017-784336-publicacaooriginal-152003-pl.html. Data de acesso: 24 abr 2019.
FLACH, S de F.; SCHLESENER, A. H. Educação desinteressada e a análise de políticas educacionais. HISTEDBR on-line. Campinas, v. 18, n. 03, p. 780-79, jul./set. 2018.
GRAMSCI, A. Escritos políticos, vol. I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
HARVEY, D. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016.
MÉSZAROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002.
RIBEIRO DA SILVA, M. O golpe no Ensino Médio em três atos que se completam. In: AZEVEDO, J. C de.; REIS, J, T. Políticas educacionais no Brasil pós golpe. Porto Alegre: Editora Universitária Metodista, 2018. p. 41-54.
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Érico Ribas Machado
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