EDUCAÇÃO PÚBLICA E RELIGIÃO: O DEBATE SOBRE A LAICIDADE E LAICISMO NO CONTEXTO ESCOLAR

  • Autor
  • Marieli de Oliveira Ávila
  • Co-autores
  • Carlos Wilians Jaques Morais
  • Resumo
  •  

    Este trabalho tem por objetivo analisar as relações entre educação pública e religião, assim como questões referentes a laicidade e o laicismo no contexto escolar. Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico, em que se apresentou autores de referência para contribuir com o tema em questão. É a de que diversas religiões ocupam o contexto escolar, e que não há motivos para menosprezar o discurso religioso.

    Inicialmente, orna-se imprescindível esclarecer alguns vocábulos relacionados à religiosidade, pois os termos religião e religiosidade podem ter suas conceituações confundidas, pois não são sinônimos. A palavra religião segundo Cury (2004) vem de religar, supondo ou um momento originário sem a dualidade sujeito/objeto ou um elo primário (ligar) que, uma vez desfeito, admite uma nova ligação (re-ligar).

                Compreendendo o termo, consideramos que todas as tradições religiosas, com origens em quaisquer regiões ou povos da Terra, merecem respeito e, desse modo, devem contar com a pluralidade cultural dos distintos modos de se buscar a religação (CURY, 2004). Não podemos menosprezar a religião alheia, nem confundirmos o real significado do termo religião, de modo que “cada um perceberá logo que sua crença não é universal; será levado a desconfiar dela; essa crença não terá mais, a seus olhos, o caráter de uma verdade de consenso, e seu erro, se persistir, será somente um erro voluntário” (CONDORCET, 2008, p.45).

    A religião ocupa um lugar importante na construção de mundo do homem e por isso mesmo, que reflete aspectos relacionados a ela em suas práticas sociais e, no âmbito escolar, nas práticas pedagógicas. Desde que nasce “o homem não possui uma relação preestabelecida com o mundo. Precisa estabelecer continuamente uma relação com ele" (BERGER, 1985, p.18), e nesse intento surgem diversas construções sociais sobre a sua realidade, para melhor compreender e conviver nesse espaço em que está inserido.

    Ao longo dos tempos o próprio homem criou produtos materiais ou imateriais, que fazem parte da sua cultura. A religião pode ser considerada como uma necessidade humana que define formas de agir e pensar que são repassados de geração a geração, o que perpetua a sua existência. No entanto é importante destacar que “a maioria dos homens segue, nesse sentido, as opiniões que recebeu desde sua infância e que raramente lhe vem à mente a ideia de examiná-las” (CONDORCET, 2008, p. 46).

    Há inúmeras compreensões daquilo que se considera sagrado ou não, entre as diversas culturas. O que é sagrado para alguém pode não ser para outro. O problema é quando alguém julga sua compreensão de sagrado se sobrepõe ao outro, é nesse tipo de atividade que se impõe determinadas crenças sobre as outras e não se tolera a pluralidade cultural e religiosa.

    De acordo com Rech (2009, p. 19):

    O pluralismo religioso é o exercício dialogal com outras tradições em profundo respeito por sua dignidade e valor. Exige abertura, decisão de aprender do outro e com o outro. Nesse diálogo, o único e essencial de cada confissão religiosa se desenvolverá, e cada religião, na comunicação com outras tradições religiosas, não se diluirá; ao contrário, reencontrará sua própria identidade de um modo mais intenso e renovado. 

    A pluralidade religiosa pode trazer vantagens à todas as pessoas, independente de sua religião. Não é porque se acredita em algo que não seja possível ouvir e aceitar a crença do outro, pois com ele pode-se aprender também. O diálogo é uma ferramenta importante nesse processo de construção da religiosidade pessoal. Por meio desse tipo de relação estabelecida, atribuem valor a cada manifestação religiosa todo o pluralismo existente pode ser reconhecido como um valor.

    A religiosidade compreende toda subjetividade e encontra-se relacionada as particularidades de cada pessoa, como consequência de suas experiências prévias. Nessa perspectiva, apreende-se que religiosidade e religião embora possam ter suas conceituações confundidas, não querem dizer o mesmo. Enquanto a primeira, diz muito mais do pessoal, da subjetividade e do que ele acredita espiritualmente, a outra revela uma espécie de organização da atividade humana, relacionada a sua existência e aspectos sobrenaturais, em uma dada instituição.

    Ao contemplarmos os termos religião e religiosidade, é importante destacarmos que o Brasil é considerado um país laico. O termo laicidade foi utilizado pela primeira vez em um voto que o Conselho Geral de Seine, na França, fez a favor do ensino laico, não confessional e sem instrução religiosa. Porém, é fundamental destacarmos que a laicidade é um fenômeno político e não religioso, ou seja, ela deriva do Estado e não da religião (BLANCARTE, 2000 apud RANQUETAT JUNIOR, 2008 p. 11).

    O princípio de laicidade segundo Faus (2005), é entendido como o respeito por todas as confissões religiosas por parte do Estado, o qual deve garantir o livre exercício das atividades cultuais, espirituais, culturais e caritativas das comunidades religiosas. No contexto de uma sociedade pluralista, a laicidade se torna uma condição de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e o Estado.

    A separação entre Estado e Igreja não significa a proibição de qualquer manifestação religiosa, principalmente em sociedade democrática, onde todos têm o direito da liberdade de expressão, respeitando o princípio de igualdade de direitos.

    A laicidade é a neutralidade do Estado em relação à religião, separando assim o poder político e o poder religioso. Compreende um fenômeno que necessita ser contextualizado e entendido de acordo com as características históricas e culturais de cada nação (RANQUETAT JUNIOR, 2008).

    Diferente ainda é o termo laicismo, o qual restringe a liberdade religiosa, com o objetivo de silenciar todas as manifestações de cunho religioso, não compactuando com as diferentes ideologias.

    Então o laicismo é uma forma aguerrida que procura extinguir a religião da vida social, abominando todas e quaisquer tipos de amostra religiosa. Coibindo as pessoas de terem acesso a liberdade de expressarem sua fé e não considerando a religião como fenômeno social que faz parte da cultura dos povos. Por isso é importante não confundir esses dois termos: laicidade e laicismo, assim como não podemos enlear as atitudes expressivas das doutrinações.

    No âmbito educacional Ranquetat  Junior (2007, p. 10) destaca que:

    Os Parâmetros Curriculares Nacionais enfatizam que o ensino religioso deve evitar qualquer forma de proselitismo, de doutrinação. O objetivo do ensino religioso, de acordo com os PCNs, não é o estudo de determinada religião ou da religião, mas o estudo do transcendente, das diversas formas que ele se manifesta na história, é o estudo do fenômeno religioso em seus aspectos filosóficos, sociológicos, históricos, psicológicos etc (grifo nosso).

                Sendo assim, é possível concluir que que não é viável o estudo de uma única religião nas escolas, visto que é imprescindível todo o cuidado para que dessa forma não ocorra a doutrinação. Os profissionais da educação, que possuem sua religião e religiosidade, não podem doutrinar a seus alunos se estes forem do espaço público. O correto é dialogar sobre as diversas manifestações religiosas, sem impô-las ou sobrepô-las umas as outras, partindo dos princípios de que é uma construção cultural e histórica que não pode ser negada, portanto, todas devem ser trabalhadas e respeitadas.

    Porém a religião não pode ser considerada como fator decisivo referente ao desempenho educacional. Mas a socialização religiosa é um processo que normalmente ocorre à parte de sistemas particulares de crenças e afiliações organizacionais. Mesmo que de maneira involuntária é uma forma de integração social que tem como consequência o reforço de valores que podem conduzir a um melhor desempenho educacional (REGNERUS, 2000 apud CUNHA RIOS-NETOS; OLIVEIRA 2014 ).

                Entretanto não se deve acreditar a religião como elemento crucial no desempenho escolar, visto que os grupos sociais decorrentes da religião são capazes de produzir um conhecimento e vivências relacionada a valores e empatias com o próximo, porém não é uma regra. 

                Atualmente, o debate sobre a relação Estado e religião se materializa por meio de constituições de bancadas parlamentares e de atores políticos que explicitamente defendem uma pauta religiosa nos processos educacionais: desde as questões relativas ao ensino e aprendizagem até as deliberações de políticas educacionais. Na perspectiva e na defesa do que se entende por Estado Democrático de Direito, tais interfaces religiosas das políticas públicas essenciais como a Educação, revela-se como algo que necessita ser questionado e problematizado.

     

    Referências

    BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985.

    CONDORCET, Jean-Antoine-Nicolas de Caritas Marquis de. Cinco memórias sobre a instrução pública. Tradução e apresentação de Maria das Graças Souza. São Paulo: UNESP, 2008.

    CUNHA, Nina Menezes; RIOS-NETO, Eduardo Luiz Gonçalves; OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto Camilo de. Religiosidade e desempenho escolar: o caso de jovens brasileiros da região metropolitana de Belo Horizonte. 2014.

    CURY, Carlos Roberto Jamil. Ensino religioso na escola pública: o retorno de uma polêmica recorrente. Rev. Bras. Educ. 2004, n.27, pp.183-191.

    FAUS, Francisco. Laicidade e laicismo: Notas para uma palestra-debate com estudantes, julho de 2005. 

    RANQUETAT JUNIOR, Cesar. Laicidade, laicismo e secularização: definindo e esclarecendo conceitos. Revista Tempo da Ciência. Santa Maria, v. 15, n. 30, p. 59-72, 2008.

    RECH, Vilma Tereza. Pluralismo religioso: diálogo e alteridade no ensino religioso. Mestrado em Teologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2009.

     

  • Palavras-chave
  • Educação, Laicidade, Laicismo
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