A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL COMO INSTRUMENTO DE REFORÇO DA DUALIDADE EDUCACIONAL
Aline Rodrigues Alves Rocha/UEM/UNESPAR
alinepsicologa@yahoo.com.br
Bianca Cristina Dos Santos/UEM
bianca.csantos32@gmail.com
Eixo: Política Educacional e Gestão
Grupo de Estudo e Pesquisas em Educação Básica e Superior (GEDUC/UEM)
A Era Vargas, que se iniciou na década de 30, foi um período da história do Brasil marcado pelo rompimento da economia com base agrária e um crescimento da economia com base na indústria. A grave crise que se iniciou nos Estados Unidos repercutiu mundialmente e, no Brasil, culminou com o declínio da economia cafeeira. Como resultante de tal declínio, tivemos o êxodo rural e a necessidade de políticas que fomentassem outras formas de alavancar a economia no país. Nasce, a partir daí, o processo de industrialização no Brasil.
Um novo modelo de economia requeria, portanto, um novo modelo de sociedade e, consequentemente, um novo modelo de educação que formasse indivíduos para essa sociedade. Nesse sentido, diversas ações foram pensadas a fim de firmar o ensino profissionalizante no país, desde decretos à criação de instituições. Mas foi somente em 1937 que o então ministro da Educação Gustavo Capanema propõe, dentre várias pautas, a necessidade de estruturar e consolidar a Educação Profissional (EP) no Brasil, sob o argumento de que era necessário profissionalizar o homem para atuar dentro das indústrias que nasciam naquele momento, objetivando alavancar a economia do país.
Dessa forma, nas discussões legais para a educação no ano de 1937, tratou-se especificamente de uma legislação que consolidasse a EP e sobre esta questão Horta (2010, p. 24) afirma que:
(...) a Constituição de 1937 colocava o problema da educação, conferindo à União a atribuição de traçar diretrizes a que se deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude e atribuindo ao Estado a responsabilidade de promover a disciplina moral e o adestramento da juventude, de maneira a prepará-la ao cumprimento de suas obrigações para com a economia e a defesa da nação.
Com a presença mais representativa de discussões sobre a finalidade da educação e a importância de preparar a juventude para um país que vivia um intenso momento de crescimento econômico, no final da década de 1930 a questão da Educação Profissional tornou-se ainda mais intensa.
No início da década de 1940 foram, então, promulgadas as Leis Orgânicas do Ensino, reformando os ramos do ensino, hoje chamado médio: Lei Orgânica do Ensino Industrial, Lei Orgânica do Ensino Secundário e Lei Orgânica do Ensino Comercial. O ensino industrial tinha como foco:
[...] atender ao interesse do trabalhador, realizando sua preparação profissional e formação humana; aos interesses das empresas nutrindo-as segundo suas necessidades crescentes e mutáveis, de suficiente e adequada mão de obra, e aos interesses da nação promovendo continuamente a mobilização de eficientes construtores de sua economia e cultura. (PAMPLONA e OTRANTO, 2008, p. 37)
No intuito de concretizar as propostas para Educação Profissional, as ações governamentais caminharam no sentido da criação dos Liceus Profissionais, onde, respeitadas as diferenças de cada região, seria fornecida a educação para transformar a juventude do país em mão de obra destinada, não apenas à utilidade individual, mas à utilidade para a nação.
Em 1942, o decreto 6029/40 (que estabelecia o funcionamento de cursos profissionais no Brasil) não sofreu modificações, mas deu lugar a outros dois decretos que criaram o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a Lei Orgânica do Ensino Industrial, respectivamente Lei 4048/1942 e 4073/1942.
Sob a justificativa de que era necessária a qualificação, o discurso dominante era de que
(...) o Brasil precisa urgentemente de adaptar-se às condições contemporâneas, formando numerosas equipes de profissionais, aptos a servir-se das forças mecânicas, que dominam todas as formas de atividade do homem moderno. O Brasil precisa mobilizar e utilizar todas as suas imensas riquezas e estado potencial, e só o fará quando dispuser de trabalhadores hábeis e capazes, formados especialmente para manejar os novos instrumentos da ação criadora da riqueza. (HORTA, 2010, p. 119)
Com isso é possível perceber que o projeto de sociedade proposta por esta modalidade de ensino tinha como objetivo a formação de trabalhadores em massa, que fossem capazes de produzir riquezas sem, contudo, perceberem-se enquanto pessoas que moviam a sociedade por meio de sua força de trabalho. Assim,
o discurso oficial sobre a implementação de políticas educacionais e de profissionalização da força de trabalho nacional, contraditoriamente, subordina o processo de escolarização e a formação profissional aos interesses hegemônicos econômicos e políticos vigentes. (DEITOS e LARA, 2016, p. 168)
Uma formação aligeirada, inteiramente técnica, que não prevê a formação generalista e humanística. E ao longo dos anos, conforme a EP foi se consolidando, o discurso não se alterou. Aqueles que, economicamente, podiam estudar e atuar como dirigentes da sociedade, assim o faziam. Os trabalhadores pobres, ao contrário, priorizavam a formação profissional, visto que, quanto mais qualificados, mais empregáveis se tornavam (mas não necessariamente obtinham melhores trabalhos).
Já na década de 1990, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional afirma que “a educação profissional, integra às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.” (BRASIL, 1996). Além dos cursos técnicos, por exemplo, a educação profissional atua com cursos livres, com a graduação tecnológica e com cursos de pós-graduação em diversas áreas do conhecimento. E, embora em tempos diferentes e distantes, percebe-se que o objetivo central não mudou: prepara o indivíduo para o mercado de trabalho, ampliando sua capacitação e empregabilidade e, simultaneamente, ampliando os estoques de mão de obra “qualificada” no país.
O próprio Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aponta para a ideia de que o Brasil apresenta ineficiência educacional e inadequada capacitação de jovens para o mercado de trabalho, o que justificaria um olhar cuidadoso para a implantação de políticas de educação (inclusive profissional) que pudessem alterar esse quadro.
Regulamentar e viabilizar a escolarização e, sobretudo, a profissionalização dos indivíduos (e sua força de trabalho) significa não apenas fazer da educação um instrumento para proporcionar, alavancar e manter o processo produtivo, mas também de perpetuar, por meio de um discurso as condições necessárias, a manutenção de um status quo que permite à sociedade um funcionamento socioeconômico pautado nos interesses do capital.
De acordo com Deitos e Lara, 2016 o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) pode ser visto como uma das mais audaciosas ações que fazem parte da política educacional para educação profissional, criado em 2011, foi
[...] disseminado nacionalmente como âncora do processo de formação da força de trabalho no país. O programa estabelece os ajustes educativos, tecnológicos e profissionalizantes para os mecanismos formativos que as políticas educacionais nacional e regional devem adotar, integrar e articular para atender aos requerimentos demandados pelos setores produtivos entrelaçados no processo de transnacionalização das bases produtivas. (DEITOS, 2012 apud DEITOS e LARA, 2016, p. 171)
O PRONATEC, ao articular seus objetivos à formação e ações em diferentes âmbitos no país, voltou seu olhar não para o desenvolvimento do indivíduo na sociedade, mas na sociedade capitalista, na figura de grandes empresas que receberiam a mão de obra que o programa se propunha a qualificar. Com isso, reforçou a tese de que as políticas educacionais no âmbito da educação profissional têm se pautado no olhar do empresariado e na necessidade de viabilizar cada vez mais força de trabalho para estes, por meio do desenvolvimento de competências e habilidades necessárias à manutenção da hegemonia do capital.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 15. ed. Brasília, DF: Edições Câmara, 19 mar. 2015. Disponível em: <www.camara.leg.br/editora>. Acesso em: 25 março de 2019.
_______. Congresso. Câmara dos Deputados. Decreto-Lei 4048 de 22 de janeiro de 1942. Rio de Janeiro, RJ, 22 de jan. 1942. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del4048.htm> Acesso em 15 de setembro de 2018.
CANALI, HELOISA HELENA BARBOSA. Trabalho e educação: o papel da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará. 2010. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação, Belém, 2010. Programa de Pós-Graduação em Educação. Disponível em: <http://repositorio.ufpa.br/jspui/bitstream/2011/2750/1/Dissertacao_TrabalhoEducacaoPapel.pdf> Acesso em 15 de agosto de 2018.
DEITOS, Roberto Antônio. LARA, Angela Mara de Barro. Educação profissional no Brasil: motivos socioeconômicos e ideológicos da política educacional. Revista Brasileira de Educação. v. 21 n. 64 jan.-mar. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v21n64/1413-2478-rbedu-21-64-0165.pdf> Acesso em 20 de abril de 2019.
HORTA, José Silvério Baia. Gustavo Capanema. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2010.
OTRANTO, Celia Regina; PAMPLONA, Ronaldo Mendes. Educação Profissional do Brasil Império à Reforma Capanema: Capanema: Dicotomia na Educação e na Sociedade Brasileira. In: Congresso Brasileiro de História da educação. Aracaju: Ufs, 2008. p. 1 - 15. Disponível em: <www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe_2008/pdf/873.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2019.
SILVÉRIO, Renata Abreu; ALBUQUERQUE, Francisco Carlos Araújo. A Gestão na Escola de Educação Profissional Integrada no Ceará: Análise do Modelo Gerencial de Resultados. In: Fórum Internacional de Pedagogia. Parnaíba: Ufpi, 2012. p. 1 - 14.
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