“EU QUERO ESCREVER EM LETRA DE MÃO”: CARTAS DE UMA CRIANÇA COM CÂNCER SOBRE O TRABALHO DE EDUCAÇÃO SOCIAL EM SAÚDE

  • Autor
  • Silvia Mara da Silva
  • Resumo
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    “EU QUERO ESCREVER EM LETRA DE MÃO”: CARTAS DE UMA CRIANÇA COM CÂNCER  SOBRE O TRABALHO DE EDUCAÇÃO SOCIAL EM SAÚDE

     

    Silvia Mara da Silva

    UEM, ssilva643@gmail.com

     

    Ercilia Maria Angeli Teixeira de Paula

    UEM, erciliaangeli@yahoo.com.br

     

    Eixo 3: Formação docente

     

     

    RESUMO

     

    O objetivo central deste estudo é descrever as narrativas,  por meio de cartas, de uma criança com câncer sobre o trabalho de Educação Social do professor. O procedimento metodológico adotado para realização deste artigo consistiu em um estudo de campo com uma criança de 8 anos com câncer, que recebeu atendimento educacional domiciliar durante seu tratamento. Considerando que a escola não é o único meio de consolidar o direito a educação e de promover a aprendizagem, os dados deste estudo foram coletados durante o atendimento domiciliar que foi realizado por uma pedagoga que atua em uma organização não-governamental (ONG) que atende crianças em tratamento de câncer. O estudo foi desenvolvido e embasado nos pressupostos da Educação Social, portanto, em cenário e perspectiva diferentes dos da Pedagogia Hospitalar. A criança escreveu uma carta expressando suas idéias e sentimentos sobre o trabalho da professora e suas implicações para a aprendizagem da letra cursiva. Os resultados obtidos a partir deste estudo  evidenciam que o trabalho do professor no atendimento domiciliar de criança com tratamento de câncer , nas perspectiva da Educação Social, favorece a aprendizagem da leitura e escrita possibilitando a apropriação cultural, no caso a linguagem escrita, como possibilidade de construção da autonomia do sujeito, a partir da qual ele ganha voz para expressar suas ideias e sentimentos. O presente estudo concluiu que  a Educação Social apresenta-se como uma prática social e educativa com  função pedagógica que possibilita a participação social, aqui por meio de carta, a partir da qual pode-se estabelecer as bases para a cidadania plena.

     

     

    Palavras-chave: Crianças com câncer.  Direito a Educação. Educação Social .

     

     

     

    1 INTRODUÇÃO

     

    O interesse em desenvolver este estudo partiu de minha vivência enquanto pedagoga que atua no campo da educação social em saúde em uma instituição não-governamental (ONG), que atende crianças e adolescentes em tratamento de câncer. Minha prática profissional está devotada para o atendimento pedagógico domiciliar destes indivíduos, visando consolidar o direto a educação, tendo como lente a perspectiva da Educação Social.

    Dito isto, busca-se evidenciar neste estudo os pressupostos da Educação Social que mostra-se comprometida com o processo de emancipação humana e com um campo da luta pelo direito a educação. Busca-se também apresentar análises das cartas à luz da pedagogia crítica freiriana, cujo projeto educacional visa promover a libertação política e social para um mundo sem opressão.  Cabe ressaltar que na concepção de Paulo Freire, opressor e oprimido mantém relações  dialéticas, a  partir das quais se constitui as suas posições e os coloca em contradição. Neste contexto, a  libertação consiste na superação da relação de opressão, a fim de eliminar esta contradição (FERNANDES, 2016).

    Em face disto, o objetivo central deste estudo é descrever as narrativas  por meio de cartas de uma criança com câncer sobre o trabalho de Educação Social do professor.

    . O procedimento metodológico adotado para realização deste artigo consistiu em um estudo de campo com uma criança de 8 anos com câncer, que recebeu atendimento educacional domiciliar durante seu tratamento. O instrumento de coleta de dados foi a confecção de uma carta de uma criança , recebeu atendimento domiciliar  promovido por uma pedagoga que atua em uma organização não-governamental .Os dados foram coletados no mês de janeiro de 2019

     

    2 3 O DIREITO A EDUCAÇÃO

    O direito à educação é um direito social que incorpora a dignidade da pessoa humana como seu fundamento. Como tal, qualquer ação que se faça na tentativa de negar ou esvaziar a natureza jurídica do direito ao acesso a educação se constitui em violação de direitos.

    De acordo com Cury (2002, p.4) o valor do saber é reconhecido na sociedade moderna e como tal, para os atores envolvidos:

    A educação passa a ser politicamente exigida como uma arma não violenta de reivindicação e de participação política. Desse modo, a educação como direito e sua efetivação em práticas sociais se convertem em instrumento de redução das desigualdades e das discriminações e possibilitam uma aproximação pacífica entre os povos de todo o mundo.

     

    Frente ao exposto, embora o direito a educação seja preconizado na Carta Maior, afirmando de que o direito a educação deve ser garantido pelo Estado, há que se considerar que  no processo histórico, a sociedade vivencia atualmente o modo de produção capitalista para o qual a educação cumpre função primordial de levar a  burguesia , ou seja, os proprietários dos meios de produção (FERNANDES, 1989) a manter seu estado de dominação.

    Há muito para avançar na democratização no Brasil, pois, entendida aqui como democratização capitalista, produzida pela hegemonia imperialista, ela necessita passar por um processo revolucionário, que tem como sua principal característica  o conjunto de mudanças que incorpora  o povo à política do país para enfrentar a intransigência da burguesia.

    Diante disto, a tarefa de concretização do direito a educação se apresenta como um desafio, uma vez que educar não trata-se apenas de transferir conhecimentos, mas criar condições para a construção ou produção do saber. Cabe, portanto, refletir que efetivar o direito a educação, engloba também possibilitar o indivíduo que se encontra em condições especiais de aprendizagem de gozar de liberdade para poder compreender melhor o mundo a que pertence (PAULA, 2004).

     

    ANÁLISE DOS  DADOS

     

    O estudo foi desenvolvido e embasado nos pressupostos da Educação Social, portanto, em cenário e perspectiva diferentes dos da Pedagogia Hospitalar. A criança escreveu uma carta expressando suas ideias e sentimentos , sobre o trabalho da professora de uma Organização Não-Governamental que atende crianças com câncer,  e suas implicações para a aprendizagem da letra cursiva. Após o consentimento da mãe, que estava ciente do objetivo da pesquisa, a professora enviou uma carta para o aluno (Fig. 1).

     

    Nesta correspondência a professora o parabeniza por ter conseguido escrever letra cursiva (letra de mão). Sabendo que foi a professora quem o ensinou a escrever letra cursiva , se verifica que ela contribuiu para completar o que Freire (1997) denominou de “ciclo das relações entre linguagem pensamento e realidade”, no qual o processo da linguagem escrita se torna imprescindível. Desta forma, compreende-se que o ato de escrever é complexo e não meramente  mecânico, uma vez que nele está imbricado o sujeito no mundo. Freire (1997, p.8) expõe  que:

    É preciso não esquecer que há um movimento dinâmico entre pensamento, linguagem e realidade do qual, se bem assumido, resulta uma crescente capacidade criadora de tal modo que, quanto mais vivemos integralmente esse movimento tanto mais nos tornamos sujeitos críticos do processo de conhecer, de ensinar, de aprender, de ler, de escrever, de estudar.

     

    Ao despedir-se utilizando o termo “prof.” Como abreviatura de professora, constata-se a manifestação ideológica do sujeito ensinante, buscando se posicionar de maneira progressista na relação com o aluno, afastando o uso do termo “tia” , que na visão de Freire  ( 1997) é uma compreensão distorcida que o sistema capitalista dominante quer construir da  profissão docente, a fim de não desvelar a realidade  opressora de desvalorização destes profissionais e, por conseguinte da  educação.

    Ao assumir na carta ao aluno ser professora e não tia, demonstra o compromisso da Educação Social, aquela que se faz para além do interior da sala de aula comum, no cumprimento  de uma práxis libertadora, que desmascara a ideologia neoliberal, e busca “pôr em prática um tipo de educação que provoca criticamente a consciência do educando” (FREIRE, 1997, p.39).

     Em  sua resposta a carta da professora, o aluno manifesta amorosidade no processo ensino-aprendizagem ao desenhar um coração ao lado do nome dela (Fig.2). Freire (1996) em sua obra intitulada “ Pedagogia da Autonomia” defende a ideia de que a afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade e que na convivência amorosa do professor com os alunos é que ocorre a construção da autonomia no processo educativo.

    Ancorados neste pressuposto, pode-se inferir neste estudo, que ao escrever a carta, o aprendiz vinculou o sentido do trabalho do professor com a amorosidade revelando que na prática pedagógica existem vínculos afetivos.

    (

    Observa-se na carta que o aluno expressa gratidão para a professora , por esta ter-lhes ensinado a escrever “letra de mão”. Tal expressão renmete á aeftividade, que nas palavras de Abbagnano ( 2000, p. 2) que e caracteriza como a situação em que a pessoa “preocupa-se com” ou “cuida de” outra pessoa em que esta responde, positivamente, aos cuidados ou à preocupação de que foi objeto”.

    Ao escrever esta carta, o aluno que recebeu atendimento educacidonal no prisma da Educação Social paticada fora do contexto escolar, pode expressar suas ideis e sentimentos sobre a aprendizagem e sobre o papel do professor neste processo.Diaz (2005, p.4) salienta que:

     

    O indivíduo socializa-se dentro e fora da instituição escolar e, por isso, a educação social deve efectuar-se em todos os contextos nos quais se desenvolve a vida do ser humano. Nesse sentido, não pode definir-se exclusivamente por ocupar o espaço não escolar, o que implicaria uma redução da mesma..

     

    A educação, nesta perspectiva, se reconhece o ato educativo, como ato solidário, que busca, por meio da integração do homem com o seu contexto, propiciar a sua formação enquanto ser humano, comprometido com a reflexão, com a construção de si mesmo e de seu meio social.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

     

    Com a realização deste estudo foi possível constatar que as cartas são um recurso educacional por meio do qual é possível conhecer as vozes das crianças sobre o processo ensisno-aprendizagem, pois, o aluno participante pode expressar suas ideias e sentimentos a respeito de ter aprendido escrever letra de mão.

    A análise das correspondências entre professor-aluno, instrumento metodológico utilizado neste estudo, demonstra que no processo educativo existe uma relação dialógica entre os sujeitos do processo educacional. Nesta relação é que eles vão se construindo mediatizados pelo mundo e constroem a possibilidade de um mundo melhor. Um mundo fundamentado na troca de afetividade e saberes.

    REFERÊNCIAS

    URY, Carlos Roberto Jamil. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cad. Pesqui.  no.116 São Paulo July 2002.

     

    FERNANDES, Florestan. A constituição inacabada: vias históricas e significado político. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.

    FREIRE P. Educação como prática da liberdade. 29ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Paz e Terra; 1999.

    FREIRE P. Pedagogia do oprimido. 29º ed. São Paulo (SP): Paz e Terra; 2000.

    FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho dágua, 1997

    PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira de. PAULA, Educação , diversidade e esperança: a práxis pedagógica no contexto da escola hospitalar.Universidade Federal da Bahia.Tese de Doutorado. , 2004. Disponível em :< https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/11070/1/Tese%20Ercilia%20de%20Paula.pdf >Acesso em 10 de março de 2019

     

  • Palavras-chave
  • Crianças com câncer. Direito a Educação. Educação Social .
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