CONTRIBUIÇÕS TEÓRICAS PARA A ANÁLISE DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

  • Autor
  • Marta Rosani Taras Vaz
  • Co-autores
  • Gisele Masson
  • Resumo
  •  

    As pesquisas do campo da Política Educacional buscam fundamentação teórica em diferentes correntes e pensadores, da antiguidade à contemporaneidade, dentre tantos, Gramsci, Bourdieu e Mészáros se constituem como referências importantes para a área. Desse modo, este texto tem por objetivo apresentar brevemente algumas contribuições desses autores para a análise das políticas educacionais, com base nos textos Caderno 11 dos Cadernos de Cárcere Vol. 1, de Gramsci, Curso de 7 de fevereiro de 1991 (Sobre o Estado), de Bourdieu, e A reconstrução necessária da dialética histórica, de Mészáros.

    O escrito de Antônio Gramsci que buscamos trazer neste texto é o Caderno 11 (1932-1933), chamado Introdução ao estudo da filosofia. Nesse escrito, Gramsci faz uma crítica ao Ensaio Popular (A teoria do Materialismo Histórico – Manual Popular de Sociologia Marxista - 1921) de Bukharin. No decorrer de sua crítica, Gramsci elabora conceitos importantes para que compreendamos a relação entre filosofia, senso comum, política, cultura, ideologia e marxismo.

    Para ele, é preciso entender como se forma o senso comum e entendê-lo como um conjunto de conhecimentos dispersos que contribuem para justificar um momento histórico e sustentar um tipo de hegemonia. Segundo o autor, para romper com a subordinação de classe, sustentada pelo senso comum, é necessário elevar o espírito filosófico da coletividade, pois, a filosofia não é nem pode ser um saber só dos intelectuais acadêmicos.

    A filosofia da práxis[1], para Gramsci (1999, p. 101), deve se apresentar “como crítica do senso comum [...] e, posteriormente, como crítica da filosofia dos intelectuais”. Nesse sentido, Gramsci compreende que há uma unidade entre teoria e prática, pois ela se expressa no fato de os intelectuais serem representantes orgânicos de classe.

    A respeito da ideologia, Gramsci faz a crítica ao marxismo mecânico, estabelecendo que ideologia não pode ser compreendida no sentido vulgar, como é o caso da ideologia como “falsa consciência” ou “ciência das ideias”. Para ele, a ideologia tem “[...] o significado mais alto de uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”. (GRAMSCI, 1999, p. 98-99).

    Nesse sentido, Gramsci rompe com a interpretação de que a ideologia é igual a falsificação do real, produzida pela classe dirigente e difundida mecanicamente nas classes dominadas, ou que ideologia é igual a “ciência das ideias”. [2] Esse entendimento de ideologia, em Gramsci, tem relação com a compreensão do autor de que a filosofia não é só um conhecimento acadêmico, mas é um conhecimento social, com teor político. A preocupação em Gramsci é entender como o senso comum sustenta e contribui para a manutenção da hegemonia dominante.

    Para o autor, o marxismo é a filosofia das massas e não é meramente a filosofia dos intelectuais, por isso, ela é política e ideológica, e tem a responsabilidade de compreender e desmistificar o senso comum, o qual é permeado de conhecimentos genéricos e, muitas vezes, desconexos.

    Quando Gramsci (1999, p. 120) nos diz que “[...] no Ensaio Popular, a filosofia da práxis não é uma filosofia autônoma e original, mas a ‘sociologia’ do materialismo metafisico”, ele está chamando a atenção para os erros teóricos e metodológicos que convertem o marxismo numa pura ciência (no sentido positivista) e o distancia (portanto, metafísico) da realidade política, ideológica e cultural das camadas populares. Dessa forma, Gramsci, nesse escrito, contribui com discussões relativas à ciência e ao método, discutindo sobre subjetividade, objetividade, dialética, historicismo, instrumentos científicos, entre outros temas.

    Gramsci acredita que devemos compreender o marxismo como uma filosofia que basta a si mesma e, portanto, original. Mas não podemos esquecer que essa filosofia tem um caráter historicizador e, desse modo, a “verdade” não pode ser tida como eterna e absoluta. Essa compreensão resulta em concepções vulgares do materialismo (metafísico, pelo caráter eterno), como está explícito no Ensaio Popular.

    Por sua vez, Pierre Bourdieu, no Curso de 7 de fevereiro de 1991, contribui com as discussões acerca do Estado e do seu poder simbólico. O autor problematiza, a partir de outros teóricos como Hume, Durkheim, Kant e Weber, como o Estado, instituição governada pela minoria, consegue exercer o poder sobre a grande a maioria da população, avançando na compreensão do poder estatal enquanto poder simbólico.

    Para ele, “[...] se as relações de força fossem apenas relações de força física, militares, ou meramente econômicas, é provável que fossem infinitamente mais frágeis e facílimas de converter”. (BOURDIEU, 2014, p. 303). Para ele, o fato de a minoria conseguir governar a maioria só pode ser entendido a partir do poder simbólico, este que exerce uma força invisível e que nos faz esquecer de sua existência.

    Nesse sentido, as relações de força mais brutais são aquelas simbólicas, já que são essas que permitem a obediência frente à força física brutal. Mas, para Bourdieu, engana-se quem pensa que não há atos cognitivos nos atos de submissão e obediência, uma vez que os agentes sociais possuem estruturas mentais e cognitivas.

    Nesse sentido, o “Estado, parece-me, deve ser pensado como produtor de princípios de classificação, isto é, de estruturas capazes de serem aplicadas a todas as coisas do mundo, em especial às coisas sociais”. (BOURDIEU, 2014, p. 307). Mas, para o autor, é preciso entender que essas formas de classificação são relativas à estrutura de um grupo considerado, ou seja, pertencem à um determinado momento histórico. Para Bourdieu (2014, p.312), o Estado tem o poder de produzir uma sociedade ordenada sem necessariamente dar ordem, “é o principal produtor de instrumentos de construção da realidade social”. Contudo, entendemos, amparados pelo viés marxista, que o Estado é fundado pelas relações sociais de produção, desse modo, ele seria, nessa perspectiva, resultado dessa realidade.

    Por sua vez, no texto referido de Mészáros, o Estado é entendido como uma “estrutura de comando político” do capital, por isso, não pode ser entendido somente como superestrutura, pois se constitui numa estrutura jurídica e política do capital, sendo que “[...] foi constituído dialeticamente por meio de sua necessária interação recíproca com a base material altamente complexa do capital.”  Para essa perspectiva teórica, o sistema do capital compreende três pilares fundamentais e interligados: capital, trabalho e Estado.

    Nesse sentido, há uma relação recíproca entre capital e Estado e, este último, “[...] não foi apenas moldado pelas fundações econômicas da sociedade, como também moldou de forma bastante ativa a realidade multifacetada das manifestações reprodutivas do capital no decorrer de suas transformações históricas.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 235).

    Desse modo, como afirma Mészaros (2011, p. 235), “o Estado moderno não foi formado como resultado de alguma determinação econômica direta, como um afloramento superestrutural mecânico”. Por isso, o Estado está além da superestrutura, tendo uma atuação fundamental para o desenvolvimento do capitalismo.

    Na esteira desse pensamento, é possível afirmar que o Estado vem assumindo um papel essencial de coerção da ideologia dominante e de “salvificador” da crise estrutural do capital. Nesse contexto, o Estado aplica dinheiro público em fundos privados e facilita novos campos de exploração, ou seja, abrindo novos mercados para os empresários. Essa relação ultrapassa os setores relacionados diretamente à economia, pois está presente em espaços diversos do serviço público, como a educação.

    Concluímos, desse modo, que os três autores, mesmo que estudado sob o ponto de vista de apenas três textos, trazem contribuições oportunas para a análise da política educacional[3]. Embora abordem de modo diferente, de certo modo, ambos estão preocupados com a submissão da massa da população aos interesses de uma minoria[4].

    De um lado, Gramsci discorre sobre a relação da filosofia (e da filosofia da práxis) com o senso comum, alertando que é preciso romper com esse conjunto genérico e difuso de conhecimentos do senso comum, é preciso atribuir a essas massas um conhecimento filosófico. Embora Gramsci não se debruce sobre a questão da hegemonia e do Estado neste Caderno especificamente, podemos já vislumbrar sua concepção de Estado e o importante conceito de hegemonia.  Com base nessas discussões, compreendemos que as políticas educacionais, enquanto determinações do Estado – mas se entende aqui Estado no sentido ampliado (sociedade política + sociedade civil), são resultado de um consenso estabelecido na sociedade. Somente esse consenso explica porque o Estado consegue aval das camadas populares para aprovação de políticas que, muitas vezes, prejudicam esses mesmos grupos. Para Gramsci, a hegemonia do Estado, sob a maior parte da população, não é meramente econômica e política, é cultural e ideológica. O Estado, desse modo, só consegue exercer a sua dominação porque tem o poder hegemônico, poder de convencimento, no qual o senso comum é fundamental.

    De modo semelhante, Bourdieu se preocupou com a passividade das massas frente à dominação do Estado, para ele, é a violência simbólica (poder simbólico do Estado) que sustenta essa submissão e permite que legislações contra essa grande maioria sejam efetivadas. Nesse sentido, a política educacional demanda, na maioria das vezes, dessa violência simbólica para ser aprovada e efetivada.

    Apesar dessa convergência, é importante lembrar que ambos os autores possuem também divergências, devido a tradição filosófica em que se inserem. A exemplo disso, podemos observar os encaminhamentos que os dois autores trazem a essa problemática. Enquanto Bourdieu mira na psicanálise para compreender o consentimento da maioria frente à violência simbólica, Gramsci atribui um importante papel ao partido, aos intelectuais e à filosofia da práxis na inversão do poder hegemônico sustentado pelo senso comum.

    Por fim, Mészáros ajuda a problematizar o compromisso que o Estado tem com as demandas históricas do Capital e como essa relação de reciprocidade influencia na construção de uma política educacional. Contudo, no bojo da contradição da luta de classes, a disputa entre capital e trabalho podem mudar o curso de uma política do Estado.

    Concluímos, desse modo, que ambos os autores são referências sólidas para os pesquisadores da política educacional, merecendo aprofundamento.

     

    REFERÊNCIAS:

     

    BOURDIEU, P. Curso de 7 de fevereiro de 1991. In: BOURDIEU, P. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

     

    GRAMSCI, A. Caderno 11 (1932-1933): Introdução ao estudo da filosofia. IN: GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

     

    MÉSZÁROS, I. A reconstrução necessária da dialética histórica. In: JINKINGS, I.; NOBILE, R. (Orgs.). István Mészáros e os desafios do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011.


    [1] Marxismo.

    [2] É verdade que essa concepção vulgar de ideologia é oriunda de determinada tradição marxista, mas é incorreto atribuir ao marxismo, como um todo, essa interpretação. Se tomarmos como exemplo, Gramsci, Lukács e o próprio Marx, veremos que a ideologia é um conjunto de ideias, pensamentos e costumes de grupos variados, que pode sim ser carregada de falsificação do real, mas também pode revelar um projeto societário e se mostrar positivamente na sociedade.

    [3] Contudo, compreendemos que as contribuições de cada autor devem estar situadas no conjunto de sua obra.

    [4] Apesar de que, somente Gramsci e Mészáros se preocupam com a transformação radical da sociedade capitalista.

     

  • Palavras-chave
  • Gramsci; Bourdieu; Mészáros; Política Educacional.
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
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