INTRODUÇÃO
Em que ponto se encontra a educação dentro da teoria marxista? E em qual ponto podemos conectar essa teoria com a educação informal? Quais relações podem ser estabelecidas entre a educação informal e o marxismo?
São essas perguntas que norteiam esse trabalho que pesquisa qual a perspectiva e qual a finalidade da educação informal na perspectiva do marxismo e do materialismo histórico dialético. Com vasta produção, Marx deixou escritos principalmente sobre o trabalho e a economia política, porém, seu trabalho influenciou dezenas de outros teóricos, dentre eles Gramsci, que buscou conectar as ideias do filósofo com a cultura e a educação.
Dentro dessas conexões, podem-se apresentar os estudos de Gramsci sobre o princípio educativo e os intelectuais orgânicos (2001), onde ele procura demonstrar a necessidade da educação e da formação de intelectuais pela classe trabalhadora.
A EDUCAÇÃO EM MARX E GRAMSCI
Os textos de Marx não possuem conexão direta com as teorias educacionais por estas não serem tecnicamente o centro dos estudos da teoria marxista. Porém, a educação, principalmente como ferramenta política, aparece em várias passagens de seus escritos como um dos focos para a mudança da sociedade capitalista (MARX, 2011). Mesmo não sendo objeto de preocupação central dos seus estudos, não podemos excluir a contribuição que seus textos têm principalmente para com a formação do pensamento crítico perante a sociedade. Não há transformação social se a classe trabalhadora não tiver acesso a uma educação que lhe proporcione ferramentas teóricas para questionar os padrões vigentes dentro de cada época.
Para Marx (2007, p. 32-33), a história começa a partir do momento em que o homem utiliza sua primeira ferramenta, fazendo assim o seu primeiro ato histórico a partir do momento em que interfere materialmente na natureza ao seu redor. Mas, pode-se analisar, por exemplo, que essa alteração não vem sozinha, pois a partir do momento em que o homem interfere em seu meio ele precisa ensinar às gerações seguintes a alterarem também sua realidade. Temos aí o início do princípio educativo e sua finalidade. A finalidade não é senão a de dar continuidade e desenvolvimento ao mundo do trabalho, quando ele se transforma em um humano a partir do desenvolvimento e satisfação das necessidades básicas (dormir, comer, respirar) e dos sentidos e suas relações humanas (ouvir, cheirar, ver, amar, atuar, dançar). Contudo, em determinado ponto do desenvolvimento social, a satisfação destas necessidades esbarra na mudança das formas de obtenção, controle e divisão dos frutos do trabalho quando da constituição da propriedade privada, momento em que os sentidos são subsumidos pela emergência da posse (MARX, 2011, p.49-57).
Marx e Engels afirmam que existe uma necessidade da junção da prática (trabalho) com o pensamento (educação/escola) (MARX; ENGELS, 2011, p.41). Igualmente, para estes autores, há uma vinculação entre a escolástica e a ausência de uma preocupação com a prática na construção do pensamento e da importância da verdade objetiva. Não que isso deva refletir em um ensino tecnicista puro, mas a aliança entre teoria e prática seria necessária para a formação tanto técnico-científica quanto empírica da classe trabalhadora, como se pode observar:
A teoria materialista da mudança das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias fazem mudar os homens e que o educador necessita, por sua vez, ser educado. Tem, portanto, que distinguir na sociedade suas partes, uma das quais colocada acima dela. A coincidência da mudança das circunstâncias com a da atividade humana, ou mudança dos próprios homens, pode ser concebida e entendida racionalmente como prática revolucionária. (MARX; ENGELS, 2011, p.41)
Ou seja, conforme a atividade humana avança e em consequência o mundo do trabalho e a paisagem em volta do ser humano se modificam, tanto do natural quanto industrial, o papel do educador é relembrar que os acontecimentos históricos mudam a forma como a sociedade se desenvolve, desde a primeira ferramenta para caça até as revoluções industriais, para então explicar o mundo em que vivemos, como se dão as relações sociais e de trabalho para, por fim, entendermos que toda a prática humana em si é um ato histórico que pode modificar a estrutura social, todo o desenvolvimento do trabalho humano e como ele se relaciona com seus sentimentos passará a refletir sobre como nos relacionamos perante a sociedade e toda a mudança que ocorre, tanto nos homens, quanto na paisagem (MARX, 2007).
Para Gramsci, as classes sociais já possuem seus intelectuais e quem as ajudará a pensar por elas (GRAMSCI, 2001, p. 15-17) e a cada revolução histórica que acontecera, a nova camada que comanda a sociedade já previamente preparava e possuía os seus intelectuais para que houvesse um modo de melhor gerir a sociedade. É através de Gramsci que se percebe uma primeira análise sobre o que seria a educação informal dentro das teorias marxistas. Meta (apud LIGUORI; VOZA, 2017, p. 245-248) aponta que Gramsci não visualiza a escola como o único transmissor de um conhecimento individual, mas sim como um reflexo da sociedade civil a qual o indivíduo está inserido. É nesse ponto que Nosella (2010) aponta que, para Gramsci, a cultura tem um papel tão importante quanto a escola visto que é no meio que o indivíduo toma forma. Para tanto, Gramsci (2001, p.33-34) aponta para as necessidades de uma escola que não seja apenas tecnicista-industrial, mas que também possa desenvolver as capacidades de seu trabalho intelectual, onde se possa dizer da necessidade além do manual, mas também da crítica, assim como apontado em Marx, para uma análise da sociedade e para a ascensão da classe trabalhadora.
O estudo e o aprendizado dos métodos criativos na ciência e na vida devem começar nesta última fase da escola, não devendo mais ser um monopólio da universidade ou ser deixado ao acaso da vida prática: esta fase escolar já deve contribuir para desenvolver o elemento da responsabilidade autônoma nos indivíduos, deve ser uma escola criadora. (GRAMSCI, 2001, p. 39)
Como apontado por Gramsci, observa-se que a escola começa a ter um papel essencial para a formação do trabalhador para que ele comece a ter autonomia sobre os rumos que a sua vida toma, geralmente esses rumos são ditados pela classe dominante e seus intelectuais, num modo de continuação da alienação pelo trabalho junto à massa trabalhadora. Para tanto, o convívio social que o trabalhador está imerso e a cultura a que tem acesso são dos mais importantes mecanismos formadores de opinião. Portanto, quando desvencilhados do controle das elites políticas, transformam-se igualmente em ferramentas de mudança social e de reorganização da sociedade civil vigente até na organização de uma outra sociedade civil regulada (LIGUORI; VOZA, 2017, 734-745).
CONCLUSÃO
Chega-se aqui ao ponto central da discussão sobre a educação informal dentro da teoria marxista. Segundo Park e Fernandes (2007, p. 12) a educação informal é todo o tipo de educação que não é premeditada e que não seja um ambiente onde a função dele seja educativa. Nesse caso, pode-se perceber que a educação informal dentro das teorias marxistas estaria relacionada diretamente ao mundo do trabalho, como aponta Ferreira (2004) em Enquete Operária Marx constrói um questionário diferente dos padronizados na época. Voltados ao trabalhador, os questionários não seguiam uma lógica natural do padrão de perguntas e nem era feito através de respostas objetivas para fins estatísticos, mas sim com questões dissertativas e abertas em que segundo a autora “é clara a sua intenção de fazer o leitor pesar e se questionar sobre a sua própria condição e sua própria ignorância em relação a ela” (FERREIRA, 2004). São perguntas pensadas numa forma de se entrelaçar com a finalidade de conseguir fazer os leitores raciocinarem sobre a condição em que se encontram, logo, adquirindo um conhecimento fora do âmbito escolar mas com a finalidade do ensino.
Para Marx, o trabalhador não possui conhecimento para saber da importância do seu trabalho perante a cadeia produtiva do sistema capitalista (MARX; ENGELS, 2011). Segundo ele, o trabalho deixa de ser algo prazeroso para o homem para se tornar apenas moeda de troca. Logo, o papel da educação seria o de despertar no trabalhador a necessidade deste perceber a sua atuação dentro da cadeia produtiva do mundo do trabalho.
A educação informal para Marx se insere na troca de conhecimentos que o trabalhador passa para o próximo no intuito de continuar o trabalho que este exercia, como uma troca de experiências entre o mais velho e o mais jovem, a fim de dar continuidade dentro da cadeia do processo industrial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA, Leda Leal. À propos de l'enquête ouvrière. Sobre a enquête operária de 1880, de Karl Marx. Travailler. Paris, vol. 12 n. 2 p. 11-14, 2004. Disponível em: <https://www.cairn.info/revue-travailler-2004-2-page-11.htm?contenu=article> Último acesso em 01 de maio de 2019.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere Volume 2: Os intelectuais; o princípio educativo; jornalismo. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 2001.
LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale. Dicionário Gramsciano (1926-1937). 1. ed. São Paulo, SP: Boitempo, 2017.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1 ed. São Paulo, SP: Penguin Companhia, 2012.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Edição Eletrônica. Campinas, SP: Navegando, 2011. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/ano/mes/ensino.pdf> Último acesso em 30 de abril de 2019.
NOSELLA, Paolo. A escola de Gramsci. 4. ed. São Paulo, SP: Cortez, 2010.
PARK, Margareth Brandini; FERNANDES, Renata Sieiro. Educação informal, Educação não-formal. Jornal da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, p. 12, 13 a 19 de agosto, 2007. Disponível em: <https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju367pag12.pdf> Último Acesso em: 01 de maio de 2019
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