REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A PARTIR DA LEITURA DE NORBERT ELIAS

  • Autor
  • Patrícia L. L. Mertzig Gonçalves de Oliveira
  • Co-autores
  • Maria Luisa Furlan Costa , Renata Oliveira dos Santos
  • Resumo
  • OBJETIVOS

    O presente trabalho visa refletir, ainda que de forma breve, sobre o conceito de processo civilizador defendido por Norbert Elias como fruto de uma mudança de comportamentos sociais e como esse processo influenciou na função social da escola e da universidade no período. A partir disso, pretendemos traçar possíveis relações existentes na mudança de comportamento observada na sociedade de corte e sua influência ao observar o oferecimento do ensino formal atual por meio da Educação a Distância (EaD), também como fruto de uma transformação do comportamento na sociedade.

     

    METODOLOGIA

    Para que os objetivos sejam alcançados, esse trabalho utilizará a pesquisa de abordagem teórica. A escolha pela revisão bibliográfica se faz, para refletir como e porque a sociedade atual está preferindo o ensino individual em detrimento do coletivo. Essa autonomia de aprender quando, como e no tempo que escolher contribui ou é fruto de uma sociedade em processo de individualismo?

    O que sustenta essa sociedade talvez seja o fato das relações sociais, intrínsecas no encontro com o outro, não serem mais tão necessárias à sobrevivência do indivíduo como foi na sociedade de corte. O nível de polidez exigido do indivíduo tal como pode ser observado na sociedade de corte ainda permanece, mas fica restrito, particularmente na EaD, à linguagem escrita. Assim, apresentaremos uma breve contextualização da sociedade de corte seguida de uma descrição do espaço escolar e universitário nessa sociedade. A partir da compreensão das relações sociais no espaço da corte e no espaço da escola, refletiremos sobre possíveis relações com a sociedade atual e o que leva o indivíduo a buscar o conhecimento pela modalidade da EaD onde se sabe que, em relação aos cursos presenciais, a interação com outras pessoas passa a ocorrer de forma virtual, privilegiada pelo ciberespaço.

     

    RESULTADOS 

    Norbert Elias foi um importante sociólogo do século XX e a abordagem do tema aqui em destaque pode ser observado em seus livros: O processo civilizador volume 1 (2011), volume  2 (1993) e A Sociedade de Corte (2001).

    Ao descrever a sociedade de corte, é preciso compreender que o autor não considera as relações individuais separadas das sociais. Com intuito de não separar o indivíduo da sociedade, Elias utiliza termos como sociogênese e psicogênese. Por sociogênese, o autor sustenta sua teoria do processo civilizador levando em conta as relações sociais em diferentes níveis. Na corte, por exemplo, é preciso compreender que as relações entre pessoas são motivadas por diferentes fatores que vão além dos interesses pessoais. O soberano tem a função de manter o equilíbrio entre as relações econômicas, administrar os cargos ocupados por alguns servos, lidar com as influências de famílias mais poderosas, além de servir como modelo moral e do bom comportamento em público.

    Já a psicogênese é exatamente o esforço de cada um em desenvolver o hábito do chamado bom comportamento. Esse comportamento individual e correspondente a todos que frequentavam a corte e que ainda respingava na população fora dela é que permitiu a essa sociedade, segundo Elias, seu processo civilizador.

    O autor nos mostra que o início da busca pelo bom comportamento se deu a partir da publicação, em 1530, do livro Civilidade Pueril (Civilitate morum puerilium) de Erasmo de Rotterdam. Frequentador da classe dominante, Erasmo apresenta nesse manual as regras de como manter a higiene e como se comportar à mesa.

    O fato da obra de Erasmo ser dirigida às crianças indica uma preocupação não só com a educação, mas também que essa educação deveria ser iniciada na infância. Isso foi, em termos educacionais, uma novidade para o homem moderno, visto que no período anterior não havia uma preocupação com a instrução infantil nessa qualidade.

    Dessa forma, para se desenvolver hábitos de higiene e bom comportamento à mesa e também para ser aceito na sociedade de corte foi necessário a publicação de um manual claro e repleto de exemplos de como isso pode e deve ser aprendido. O que Elias nos mostra é que a sociedade aceitou mudar de hábitos fazendo um esforço diário e constante (vistos que comportamentos já cristalizados nem sempre são fáceis de mudar) para participar da nova estrutura social.

    No século XIII, a presença das Universidades trouxe para as cidades que a sediavam muitos desconfortos. Alunos vindos de diversas partes do continente transformaram não só o espaço universitário mas também as cidades por meio de intercâmbio cultural. Isso se deu de forma tão intensa que muitas regras sociais foram instituídas por conta da alteração no ambiente causada pelos estudantes. Dessa forma, existiu uma conduta que, mesmo fora dos padrões aceitos pelos citadinos, não deixou de acontecer entre os estudantes. Foram intercâmbios que geraram comportamentos que, ainda que destoassem daquilo que era esperado pela sociedade, foram favorecidos pela instituição universitária.

    De outro lado, temos a escola que atende crianças e adolescentes. Um espaço coletivo que também oferece a troca entre pessoas cujo mestre é capaz de moldar os hábitos sociais de seus discípulos. Esses hábitos ainda são, na transição da Idade Média para a Moderna, bastante ligados à formação da moral e do caráter de origem cristã e que podem ser observados em autores somo por exemplo, Hugo de São Vítor, em sua obra Disdacalicon, Da arte de ler (2001). 

    Se comparada à sociedade de corte, podemos pensar que a sociedade atual também sofreu uma mudança social. Já não há mais uma sensação de segurança em relação ao emprego, moradia, educação, alimentação, saúde e tantos outros elementos necessários à vida. É preciso lutar para adquirir uma situação de bem estar social. 

    E essa luta é cada vez mais individualizada. Do ponto de vista do trabalhador, as chances de se manter no emprego estão no seu aperfeiçoamento técnico e não dependem tanto das relações com outros indivíduos. Ainda que muitos empregos são mantidos baseados em relações de fidelidade, ética ou favoritismo, enquanto outros perdem o emprego por fofoca ou outras ações que são consequências diretas de relações sociais, isso parece não ser mais a condição suprema para se manter o trabalho. 

    Em termos educativos, o aperfeiçoamento profissional é um fator importante a ser considerado quando pensamos na oferta da EaD. A ideia de continuar estudando ou manter-se sempre atualizado faz com que a busca pela modalidade se firme cada vez mais. Como os empregos não são estáveis, fica impossível para qualquer jovem abrir mão de trabalhar para somente estudar. O valor no emprego é maior do que pensar nas possíveis relações sociais que este jovem pode ter frequentando uma universidade ou outro curso presencial.  

    Destarte, aquilo que outrora foi tão valorizado pela sociedade de corte é possível perceber, ainda hoje, seus resquícios e sua influência, porém não somos mais tão dependentes dessas relações. Isso porque as relações sociais são outras e o papel que o indivíduo opta por cumprir quando escolhe buscar conhecimento por meio da EaD também é diferente. Isso porque a EaD se faz atualmente com o suporte das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). As aulas acontecem virtualmente por meio da Internet e o professor ocupa a função de tutor, alterando de forma significativa o espaço educativo, as relações sociais e comportamentais, mudanças essas também observadas na sociedade de corte descrita e analisada por Elias.

     

    CONCLUSÃO

    Ao buscar conhecimento por meio da EaD, o indivíduo está optando não só em escolher quando e como ele vai estudar, mas também está levando suas relações sociais ao mundo virtual. O encontro físico entre pessoas está cada vez mais sendo substituído por outros tipos de relações sociais.

    Essas relações acontecem hoje por meio de chats, blogs, redes sociais, entre outros e esse comportamento social está sendo aceito e difundido cada vez mais. O acesso à internet por celulares, computadores e tablets é hoje o grande furor da humanidade.

    Esse comportamento em relação a esses aparelhos já foi tão difundido entre as pessoas que hoje é praticamente impossível conhecer alguém que não está de alguma forma conectado ao mundo virtual. 

    O processo pelo qual os seres humanos estão passando exige uma mudança de comportamento não só individual mas também social. Quando algo como a EaD passa a ser formalizada na esfera pública é porque já foi aceita na esfera privada, já foi aceita pelo indivíduo. Pensando dessa forma, a adoção da sociogênese e da psicogênese sugerida por Elias ao observar a sociedade de corte pode bem ser trazida para esse contexto.

    Assim, podemos perceber uma mudança de mentalidade, ainda que lenta, em relação à forma de buscar o conhecimento. Uma mesma mudança de mentalidade que ocorreu a partir do século XVI, quando a sociedade passou a aceitar e buscar hábitos diferentes daqueles que estavam acostumados. Como Elias nos mostrou, isso é um processo pelo qual as pessoas vão incorporando novas maneiras de ser e de viver.

     

    REFERÊNCIAS 

    ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.

    _______. O Processo Civilizador. Uma história dos Costumes. Vol. 1. 2° Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

    _______. O Processo Civilizador. Formação do Estado e Civilização. Vol 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.

    SÃO VITOR, Hugo. de. Didascalicon. Da arte de ler. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2001.

     

  • Palavras-chave
  • Norbert Elias, Sociedade de Corte, Processo Civilizador, Educação a Distância.
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
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