A EDUCAÇÃO INFORMAL COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DOS PADRÕES DO CORPO FEMININO: UMA ANÁLISE DA CANÇÃO TRISTE, LOUCA OU MÁ
Alinne Martins de Souza
Jeizi Loici Back
UNIOESTE
alinnesouza154@gmail.com
jeizilb@yahoo.com.br
Educação e arte
Introdução
Toma-se neste texto o conceito de educação que perpassam pelas dimensões de educação formal, não formal e informal. Assim, ao pensar na música como elemento de educação informal, pressupõe-se que esta possibilita um sistema de transmissão de mensagem que influencia no comportamento humano, podendo assim questionar padrões sociais ou reforçá-los. E é justamente com o intuito de questionar padrões impostos sobre o corpo das mulheres que se analisa a música “Triste, louca, ou má” da banda Francisco el Hombre.
Analisa-se o conceito de educação informal e de que forma a música pode ser vista como instrumento, tanto de reforçar, como de questionar comportamentos, valores, padrões, ações sociais e culturais e como a música “Triste, louca, ou má” discorre sobre a desconstrução de um padrão do que é ser mulher e do corpo feminino na sociedade.
Espera-se que ao fim da leitura o texto contribua com o processo de reflexão e análise da importância de construir instrumentos de educação informal que visem o questionamento de padrões e valores da sociedade, principalmente no que se refere às relações de gênero.
A canção popular como instrumento de educação informal
A educação possui várias definições, no entanto, o presente texto considerará a educação como:
(...) todos los procesos de enseñanza-aprendizaje que consisten a su vez en procesos de transmisión de información y conocimientos, de representaciones y esquemas cognoscitivos sobre la realidad y los "mundos posibles", de sistemas de valores y patrones de comportamiento que a su vez generan actitudes, opiniones y hábitos. (RUIZ, 1992, p. 102)
Evidenciando a educação informal, reitera Ruiz (1992) apud Combs y Manzor (1974), que a educação informal acontece não em um só local, mas ao longo da vida e por diversos meios: na convivência familiar, na escola, no trabalho, nos meios de comunicação. Desta maneira, a música faz parte da educação informal, até mesmo “escuchando la radio”.
Apesar da música e a canção serem associadas apenas ao ócio, segundo Fiuza (2013) “a canção teria papel importante na formação cultural contemporânea”, em que “os jovens aprendem, para o bem e para o mal, por meio da cultura popular, especialmente pela música, por intermédio dos pais e estruturas familiares e talvez mais importantes, através dos seus pares” (Ibid. p. 74 apud ARONOWITZ, 2005, p. 9. Grifo nosso).
Deste modo, pela sua importância na educação informal, a canção pode reforçar e ampliar a padronização do corpo feminino já existente, bem como denunciar e/ou ser uma forma de resistência a tal ideologia, que é:
(...) considerada aquí como un "subconjunto" del conjunto de representaciones, evaluaciones y disposiciones para la acción social, dominantes en algún respecto, en virtud de la diferencial repartición del poder, o referidas a posiciones en la estructura de poder (por ejemplo, el machismo como “ideología patriarcal”). (RUIZ, 1992, p. 103-104. grifo nosso)
Observa-se que a educação informal pela canção popular se dá principalmente pela proximidade que tem com o seu interlocutor. “Pois se a educação e a arte devem estar a serviço do homem, a sua estratégia deve partir de sua própria cultura, ainda que seja a cultura do oprimido” (TACUCHIAN, 1982 apud PENNA, 2012, p. 45). Cultura esta que, partindo de um princípio dialético, deve se libertar da opressão, começando pela libertação de seu corpo.
A canção “Triste, louca ou má” e a superação dos padrões do corpo feminino
A canção “Triste, louca ou má” integra o álbum “Soltasbruxas” e foi lançado no ano de 2016 pela banda Francisco, el Hombre. O álbum é o primeiro trabalho feito em estúdio pela banda.
Na série Channel by Channel da Red Bull TV (2018), Juliana e Sebástian contam como foi o processo de criação da canção “ Triste, louca ou má”, desde da origem do arranjo musical e também da inspiração para a poesia. Sebástian conta que a idéia musical partiu de uma sequência de três acordes com variação melódica feita por Mateo no violão, que a princípio não era para tal música. Juliana Strassacapa fala como foi que surgiu a idéia para a letra, quando recorda: “Pensando na minha mãe, pensando nas relações da minha família eu só escrevi um texto corrido, mostrei pra algumas amigas antes, e por causa do incentivo delas eu mostrei pra vocês...” (Ibidem).
Sobre o seguinte trecho da música “prefiro queimar o mapa, traçar de novo a estrada, ver cores nas cinzas, e a vida reinventar”, Juliana diz que se trata da “síntese da música inteira” (Ibidem), construída a partir da narrativa predecessora, onde são colocados alguns fatos que não deveriam, mas fazem do padrão social da mulher, como: “Seguir receita tal/ A receita cultural/ Do marido, da família / Cuida, cuida da rotina”. Na letra também se expressa que a mulher que rejeitar seguir os padrões sofrerá as dores de querer mudar, expresso nesta estrofe: “Só mesmo rejeita / Bem conhecida receita /Quem não sem dores /Aceita que tudo deve mudar”. No refrão: “Que o homem não te define /Sua casa não te define /Sua carne não te define /Você é seu próprio lar”, a narrativa está no sentido de que a definição de como ser mulher não deve estar a cargo de outrem, mas sim do próprio ser humano que habita aquele corpo, a mulher.
Voltando ao arranjo da música Sebástian fala da forma que está organizado o desfecho da canção, onde enquanto a voz principal canta: “Que o homem não me define /Minha casa não me define /Minha carne não me define /Você é seu próprio lar”, as vozes do coro cantam: “ela desatinou, desatou nós, vai viver…”. Neste trecho, Sebástian diz que: “a música termina assim ‘vai viver’... é um tapa na cara de nós tudo… e no final volta onde tudo começou, o violãozinho”. (ibidem)
O título da canção, conta a cantora, foi inspirado no termo “sad, mad or bad” criado nos Estados Unidos, que é usado para se referir às mulheres que vivem sozinhas, que são julgadas tristes, loucas ou más, como motivo pelo qual tenham sido abandonadas. Sobre o termo e a tendência “sad, mad or bad” a cantora diz que: “pensei em algo para empoderar, para dizer ‘não preciso me enquadrar em tudo isso, posso fazer o que quiser da minha vida, não dependo do outro para ser’” (GUIMARÃES, 2017).
Enquanto teor de educação informal a poesia e a prosódia musical da canção “Triste, louca ou má” tentam desconstruir o padrão imposto à mulher na sociedade, sugerindo que a mulher deve viver sem a amarra que a prende na rotina, no personagem épico de cozinheira, faxineira, cuidadora da família buscando um “corpo perfeito” impossível de se conseguir. Porém, mesmo com todas as adversidades, a canção termina dizendo para a mulher: “vai viver...”, ou seja: viver como quiser.
Considerações finais
A educação é o processo pelo qual nos tornamos humanos, portanto, não se restringe apenas a processos formais. Ela também ocorre por meios informais e a música torna-se um instrumento importantíssimo neste processo de educação.
A música pode transmitir mensagens, configurar comportamentos e dar pistas de como deve se portar para ser aceito socialmente. Por conseguinte, é comum encontrar músicas que reforçam estereótipos referentes a papéis de gênero e padronização dos corpos, e inclusive músicas que legitimam a violência contra as mulheres.
Assim é preciso criar e divulgar músicas que tragam presente a denúncia referente às questões de gênero e projetem as relações que se pretende construir. A canção “Triste louca ou má” da banda Francisco, el Hombre, é um bom exemplo de que as construções sociais sobre ser mulher, não definem quem elas são de fato. E, que é possível a vida reinventar e cada uma ser seu próprio lar.
Referência
CHANNEL BY CHANNEL. Francisco, El Hombre on writing “Triste, Louca ou Má”. Red Bull Music Academy, 19 dez. 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HL4GdtJo-QY>Acesso em: 09 jan. 2019.
FIUZA, Alexandre Felipe. A censura musical e seu potencial educativo na ditadura portuguesa das décadas de 60 e 70. Acta Scientiarum Education, Maringá, v. 35, n. 1, p. 69-78, Jan.-June, 2013. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciEduc/article/view/19055> Acesso em: 12 jan. 2019.
GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal e cultura política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. Cortez, 4. ed, São Paulo. 2008.
GUIMARÃES, Paula. A música libertária de Francisco, el hombre.Catarinas, 19 jan. 2017. Disponível em:<http://catarinas.info/a-musica-de-protesto-e-o-carater-libertario-da-banda-francisco-el-hombre/> Acesso em: 08 jan. 2019.
HOMBRE, Francisco El. A Banda. Disponível em: <https://www.franciscoelhombre.org/> Acesso em 08 jan. 2019.
______. Triste, Louca ou Má. Videoclipe oficial. Brasil, 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE>. Acesso em: 09 abr. 2019.
MARTIN-BARBERO, Jesús.Capítulo III: Indústria cultural: capitalismo e legitimação.In: Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia,UFRJ, Rio de Janeiro, 1997, p.63-80.
PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. 2 ed. rev e ampl. Porto Alegre: Sulina, 2012.
RUIZ, Enrique E. Sanchez. Cultura política y medios difusión: Educación informal y socialización. Comunicação y Sociedad- DECS, Guadalajara. nº 21. mai-ago 1992. p 97-137.
STRASSACAPA, Juliana. Triste, Louca ou Má. Francisco, el hombre. Campinas, 2016. Disponível em:<https://www.letras.mus.br/francisco-el-hombre/triste-louca-ou-ma/> Acesso em: 08 jan. 2019.
STRASSACAPA, Juliana. Triste, Louca ou Má. In.: HOMBRE, Francisco el. Soltasbruxa. Brasil, 2016. 1 CD. Faixa 6.
Comissão Organizadora
Érico Ribas Machado
Comissão Científica