Escritas iniciais
A alfabetização segue a ser uma das contradições a ser superada no cenário educacional brasileiro. Nesse sentido, entre outros programas, foram instituídos em 2000 o Programa de Formação Continuada de Professores Alfabetizadores (PROFA), em 2007 o Programa de Formação Continuada de Professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental (PRÓ-LETRAMENTO), em 2012 o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e, em 2018, o Programa MAIS ALFABETIZAÇÃO (GONÇALVES, 2011; MARTINS, 2010; SOUZA (2014). Com o objetivo de compreender o relacionamento de programas governamentais e seus materiais estruturados – que orientam a alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental – com a perspectiva de ensino inclusivo, realizamos análise de: a) quarto documentos que apresentam a organização de programas nacionais para alfabetização; b) quatro cadernos dos respectivos programas, aqui nomeados de materiais estruturados.
Relações dos Programas nacionais e seus materiais estruturados de alfabetização com o ensino inclusivo
Mortatti (2006) aponta que a alfabetização foi, durante muito tempo, articulada com as demandas do mercado, em uma relação direta com o projeto hegemônico de sociedade. Para Gramsci (1991), o principal aspecto da hegemonia é a criação de um bloco ideológico que permite à classe dirigente manter o monopólio intelectual, com base na atração das demais camadas de intelectuais. O que, dessa forma, ocorreu com a alfabetização quando os programas nacionais objetivaram atender a níveis mais elevados de alfabetização o que conduziu essa fase de ensino a se constituir em um campo de disputas que, ao longo dos tempos, os programas, modificaram e modificam a forma de ensinar, mas não modificam o que ensinar, principalmente, nas escolas públicas.
Essa disputa na alfabetização limita o ensino e enraíza valores hegemônicos sobre as práticas pedagógicas (MORTATTI, 2006). Gonçalves (2011, p. 35) indica que, por trás desses valores, impregnados nas práticas, “estão ideologias de classes dominantes da sociedade capitalista que influenciam todos os setores da sociedade”. E, diante dessas influências dos programas para o ensino de alfabetização nos questionamos, como esses programas, que ao propor o aumento dos índices de alfabetização para todos, estruturam uma proposta de ensino inclusivo na alfabetização?
Na busca por compreensão analisamos um caderno de cada programa, ou seja, um do PROFA, um do PRÓ-LETRAMENTO, um do PNAIC e um do MAIS ALFABETIZAÇÃO que são utilizados para a formação de professores. Buscamos analisar o caderno que evidenciava o ensino de alfabetização articulado com possibilidades de um ensino inclusivo para crianças com Necessidades Educacionais Especiais (NEE). Por isso, pesquisamos nos cadernos termos que se articulassem com a temática de nossa análise.
Ao analisarmos os cadernos do PROFA para identificarmos o que se articula com o ensino inclusivo, identificamos que os cadernos não apresentam a temática de inclusão, não realizam o debate sobre o ensino inclusivo na alfabetização, mas propõe um ensino sequencial padrão. Contudo, identificamos no caderno analisado que o professore poderia realizar adaptações e que essas são relacionadas ao compromisso pessoal do professor com seu processo de formação e suas práticas de ensino, pois a aprendizagem de todos depende do ensino apresentar “resultados positivos que depende do processo de construção/reconstrução do conhecimento que ele realiza individualmente”, ele, é o professor (BRASIL 2001, p. 21).
"Portanto, temos que considerar que não é suficiente que o professor saiba o que tem de ser feito, mas ele tem que desejar realizar sua prática de determinada maneira" para alcançar o ensino de todos (BRASIL 2001, p. 21). Esse caderno evidencia a reponsabilidade que é lançada ao professor para com o ensino, mesmo que os materiais estruturem suas práticas é de reponsabilidade dele que todos concluam a fase de alfabetização até a 3ª série do ensino fundamental de tal forma que possam aumentar os índices nas avaliações.
No programa PRÓ-LETRAMENTO, o caderno evidenciou a preocupação com a reflexão se “a escola implementa alguma proposta de inclusão de crianças com necessidades especiais?” (BRASIL, 2007, p 16). Porém, apenas levanta o questionamento e não orienta ações para efetivação de propostas para o ensino incluso. No decorrer do texto, no caderno, a indagação inicial é velada por outras indagações como “a dificuldade de ensinar a todos tem de ser levada em consideração porque representa um forte entrave para a inclusão social da população iletrada em nosso país” (BRASIL, 2007, p 17). Na sequência, o caderno foca para as diferenças linguísticas como justificativa do problema, a indagação inicial, propostas de inclusão, não é posta de diálogo.
No PNAIC, encontramos um caderno separado dos demais, esse intitulado como “Currículo na perspectiva da inclusão e da diversidade: as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e o Ciclo de Alfabetização”. O caderno discorre sobre o conceito de currículo e a necessidade da valorização das diversidades culturais, visto que “a escola de Educação Básica precisa ser assumida como espaço potente e coletivo de inclusão, favorecendo o bem-estar de crianças, adolescentes, jovens e adultos, no relacionamento entre si e com as demais pessoas” (BRASIL, 2012, p. 14).
Além disso, o caderno destaca a prática de ensino inclusivo “como uma dimensão constitutiva da prática pedagógica, que precisa ser considerada em todos os momentos: no planejamento, na realização das intervenções pedagógicas e nos processos avaliativos” (BRASIL, 2012, p. 38). Na sequência o caderno apresenta relatos de professores alfabetizadores tiverem em suas turmas alunos com deficiência, eles relatam a importância de incluir esses alunos em todas as atividades, além de afirmar que é possível alfabetizar alunos dom deficiência a partir da organização do material do PNAIC.
Ao nos deter em como o PNAIC concede o ensino inclusivo o texto nos conduz apenas a reflexão da necessidade de adaptações nas avaliações, como é destacado na conclusão do caderno “percebemos, nas práticas avaliativas apresentadas, exemplos de relações humanas que incluem e garantem aprendizagem”. Ou seja, a proposta de ensino e as metodologias seguem as mesmas estruturações, o que define se o aluno com NEE aprendeu é sua participação em todas as atividades e o resultado da avaliação, único instrumento a ser adaptado de acordo com os relatos no caderno (BRASIL, 2012, p. 41).
Quanto à análise do caderno do atual programa de alfabetização, o Mais Alfabetização, não encontramos cadernos estruturados que orientam as práticas de ensino, apenas cadernos de orientações de avaliação. Ao analisarmos a proposta do programa destacamos que o objetivo é reduzir o ciclo de alfabetização que antes eram de três anos e agora dois. Para isso surge a figura do Assistente de Alfabetização, profissional de apoio do alfabetizador, mas quanto ao ensino inclusivo, nossa busca não identificou resquícios.
Escritas finais
Em decorrência de contradições referentes à alfabetização são elaborados os programas nacionais que objetivam melhorar os índices de alfabetização no país. Para isso, a preocupação centra-se na organização materiais estruturados orientadores das práticas de ensino. Porém, os programas não evidenciam a preocupação com a alfabetização de todos. A alfabetização na perspectiva do ensino inclusivo é posta em segundo plano, ou nem aparece nos textos desses programas, o que evidencia a continuação das contradições nesse processo de ensino e de aprendizagem de todos.
Referências
BECALLI, Fernanda Zanetti. O ensino da leitura no programa de formação de professores alfabetizadores (PROFA). 2007. 251f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007.
BRASIL. Ministério da Educação. Cadernos do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA). Brasília: DF, 2001.
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Formação continuada de professores dos anos iniciais do ensino fundamental. Brasília: DF, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=700&id=12346&option=com_content&view=article > Acesso em 13 jun. 2014.
______. Ministério da Educação. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: elementos conceituais metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do ensino fundamental. Brasília: DF, 2012.
GONÇALVES. Fernanda Cargnin. Alfabetização sob o olhar dos alfabetizadores: um estudo sobre essencialidades, valorações, fundamentos e ações no ensino da escrita na escola. 2011. 281f. Dissertação (Mestrado em Linguística) UFSC, Florianópolis. 2011.
GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a política e o estado moderno. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
MARTINS, Leoneide Maria Brito. Um estudo sobre a proposta para formação continuada de professores de leitura e escrita no programa PRÓ-LETRAMENTO: 2005/2009. 2010. 218f. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Filosofia e Ciências-Unesp-Marília.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. Brasília: Conferência proferida durante o Seminário "Alfabetização e letramento em debate", promovido pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, 2006.
______, et al., orgs. Sujeitos da história do ensino de leitura e escrita no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2015.
SOUZA, Eliane Peres de. Formação continuada do professor alfabetizador nos cadernos do Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). 2014. 358f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.
Comissão Organizadora
Érico Ribas Machado
Comissão Científica