REFLEXO COTIDIANO, CIENTÍFICO E ESTÉTICO NA OBRA ESTÉTICA DE GYÖRGY LUKÁCS

  • Autor
  • Carla Irene Roggenkamp
  • Co-autores
  • Gisele Masson
  • Resumo
  • REFLEXO COTIDIANO, CIENTÍFICO E ESTÉTICO NA OBRA ESTÉTICA DE GYÖRGY LUKÁCS

     

    Carla Irene Roggenkamp – UEPG

    ciroggenkamp@uepg.br

    Gisele Masson – UEPG

    gimasson@uol.com.br

    Eixo 6 – Educação e Arte

     

                O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma reflexão teórica sobre conceitos centrais para a compreensão da obra Estética, de György Lukács (1966; 1967), a saber, a teoria do reflexo cotidiano, científico e estético da realidade objetiva.

                A teoria marxiana/lukacsiana do conhecimento se pauta na possibilidade da apreensão, sempre parcial e provisória, da realidade objetiva pelo pensamento. Para os teóricos marxistas, “a consciência só pode ser um desdobramento da matéria. A consciência é, assim, reduzida ao reflexo da realidade exterior aos homens”. (FREDERICO, 2013, p. 78).

                Não se trata, no entanto, de um reflexo meramente mecânico ou mimético, uma vez que, ao mesmo tempo em que o homem é transformado pela realidade em que vive, ele também, pelo seu trabalho e pelas práxis sociais historicamente desenvolvidas, modifica a mesma realidade. A dialética materialista, portanto, segundo Lukács (2011, p. 58), “apoiada na teoria do reflexo, é capaz de determinar de modo preciso e científico a relação entre o mundo objetivo em si e a consciência subjetiva”.

                Ainda que, para Lukács (1966; 1967), o reflexo possa adquirir três modos específicos de realização (o cotidiano, o científico e o estético), a realidade é uma e unitária. Sendo assim, cada um dos modos de realização do reflexo reflete a mesma realidade objetiva, o que muda não é, portanto, o objeto, mas a relação que se estabelece entre o objeto e a subjetividade do homem.

                A vida cotidiana, campo primordial da realização do reflexo cotidiano, é, no entanto, o começo e o fim de toda a atividade humana (LUKÁCS, 1966, p. 11), enquanto as formas de recepção da realidade científica e estética se destacam das “necesidades de la vida social – para luego, a consecuencia de sus efectos, de su influencia em la vida de los hombres, desembocar de nuevo en la corriente de la vida cotidiana”. (LUKÁCS, 1966, p. 12). A vida cotidiana, desse modo, é constantemente reformulada, ampliada e enriquecida pelas reflexões da ciência e da arte, que a permeiam e dela retiram seus temas e desafios.

                O reflexo cotidiano se caracteriza por ser heterogêneo e transpassado por uma imensa gama de contradições, crenças, hábitos, costumes e tradições que assumem status de imediaticidade na vida diária. A vida cotidiana é o momento do homem inteiro. Lukács (1966), em sua obra Estética, afirmará que o homem inteiro é aquele que vive imerso no cotidiano, na imediaticidade marcada pela vinculação direta de teoria e prática. No cotidiano, no entanto, a teoria não exige aprofundamento da reflexão, pois, mesmo sendo permeado pelas mediações da ciência e da arte, encobre essas mediações ao revesti-las de aplicação imediata ao desafios da vida.

                O homem inteiramente, por sua vez, realiza-se em relação dialética com o homem inteiro, mas sempre em função da “[...] unión dialéctica de transición gradual y salto respecto de este medio homogéneo y respecto del hombre entero de la cotidianidad”. (LUKÁCS, 1966, p. 193). Trata-se, portanto, de um salto qualitativo que o dissocia (de forma limitada e provisória) do cotidiano, pois, a ciência e a arte são mais delimitadas e determinadas do que as manifestações cotidianas, ainda que existindo sempre em fecundação recíproca em relação a estas.  Dessa forma, o homem inteiro, quando se vê ante a possibilidade da ciência e da arte, transfigura-se em homem inteiramente, sem nunca deixar de ser inteiro, pois, como admite Agnes Heller, aluna e seguidora de Lukács, “a elevação acima do particular-individual jamais se produz de maneira completa, nem jamais deixa de existir inteiramente, mas ocorre geralmente em maior ou menor medida. Não há ‘muralha chinesa’ entre as esferas do cotidiano e da moral”. (HELLER, 2008, p. 41).

                Nesse movimento, do cotidiano à ciência e à arte e de retorno ao cotidiano, a humanidade amplia sua compreensão sobre o mundo em que vive e atua, e também sobre o próprio homem, como ser atuante nesse mundo. O homem inteiramente, na medida em que elucida as relações dos homens com a natureza e entre si, retorna ao cotidiano e o enriquece, não apenas para si mesmo (indivíduo), mas para toda a sociedade (gênero).

                O reflexo científico e o reflexo estético da realidade objetiva não se diferenciam pelo seu objeto, mas pelo modo de apreensão da realidade. A distinção entre os dois tipos de reflexo se situa, segundo Lukács (1967), na relação entre universal e singular mediada pela categoria da particularidade. Desse modo, a particularidade

     

    realiza ese proceso a consecuencia de su función básica, creadora de determinación. Pero del mismo modo que especifica así la generalidad y trasforma su abstracción inmediatas en una totalidad concreta de determinaciones, se enlaza con la naturaleza específica de la singularidad, hace que se manifiesten con claridad cada vez mayor sus relaciones con grupos de objetos emparentados y lejanos, desarolla las qualidades fugazmente presentes en la instantánea inmediatez, hasta hacer de ellas determinaciones firmes y duraderas, despliega en su aparente copresencia anárquica una jeranquía de la persistencia y la fugacidad, de lo esencial y lo aparente, etc., y realiza todo eso sin destruir la estructura de lo singular o individual como tal. (LUKÁCS, 1967, p. 209).

               

    Lukács (1967) continua suas exposições asseverando que, enquanto singular e universal se inserem nessa equação como pontos importantes de uma reflexão científica (indutiva, se partindo do singular, pela mediação do particular, em direção ao universal; ou dedutiva, se partindo do universal, dirige-se ao singular), a particularidade é um campo central cujos limites não se apresentam com clareza. No reflexo científico da realidade, a ênfase está na realidade objetiva exterior (o mundo natural e social em-si) ao homem, e na constituição de conceitos.

    Mas, quando se trata das relações propriamente humans, na ética e na estética, a particularidade se realiza de um modo diferente. Para Lukács (1967, p. 213), na esfera da ética e da estética, a particularidade “no se pone sólo como mediación entre la generalidad y la singularidad, sino, además, como centro organizador”. Nesse sentido, o ponto de partida e de chegada do reflexo estético da realidade se encontra na própria particularidade.

    O reflexo estético fixa, portanto, na particularidade, o ponto exato onde o homem-indivíduo se torna homem-gênero e vice-versa, pois, para que os indivíduos possam viver em sociedade, não deixando de ser indivíduos, faz-se necessária “la totalidad viva de lo público y lo privado, la totalidad del ciudadano, del hombre que obra en sociedad y de la personalidad singular”. (LUKÁCS, 1967, p. 221).

    Embora o reflexo estético da realidade não se limite ao mundo da arte, ele encontra nela o seu apogeu. O mundo da arte é o mundo da humanidade, caracterizado pela unidade entre subjetividade e objetividade, sendo que a obra de arte efetua uma “unidad orgánica de la interioridad del hombre con su mundo externo, [...] al dar forma a una unidad de la personalidad humana con su destino en el mundo, se produce la superación de esos dos extremos en un mundo del hombre, de la humanidad”. (LUKÁCS, 1967, p. 234).

                Toda obra de arte é histórica, refletindo obrigatoriamente o momento histórico de seu nascimento. Nela, não é possível superar o aqui-e-agora, não sendo, portanto, generalizável. A categoria da universalidade, desse modo, funde-se ao particular, de modo que cada obra de arte é, enquanto essência sensível, seu próprio universal. Ao mesmo tempo, a obra de arte, em seu aqui-e-agora, se converte em

     

    portavoz de una fase histórico-social de la evolución de la humanidad, es también evidente que su singularidad no se há presenvado como tal singularidad, sino que há experimentado la trasformación que sólo la particularidad es capaz de llevar a cabo con los fenómenos singulares. (LUKÁCS, 1967, p. 237).

     

                Nesse momento, entra em questão a categoria da totalidade. A totalidade se constitui da relação entre singular, partitular e universal em movimento. Na perspectiva do reflexo científico, a “totalidad extensiva e intensiva es una característica de la realidade objetiva a la que el conocimiento no consigue sino aproximarse”. (LUKÁCS, 1967, p. 238). O processo científico de aproximação à realidade se dá por meio da investigação de seus aspectos, conexões e mediações, mas nunca alcança a realidade totalmente, nunca a esgota.

                A arte, por sua vez, é uma totalidade fechada e acabada, perfeita em si mesma. A realização da totalidade na arte pressupõe a “renuncia a la reprodución de la totalidad extensiva del mundo de los objetos y las relaciones, la autolomitación a la totalidad intensiva de las determinaciones de un conjunto concreto de objetos y relaciones”. (LUKÁCS, 1967, p. 239). A obra de arte não é, portanto, “todo o mundo”, mas é “um mundo completo”. É essa completude, que só existe na arte, que possibilita a aprensão da “totalidad intensiva de las determinaciones relevantes para el mundo que conforma” (LUKÁCS, 1967, p. 238), sendo que este mundo conformado é sempre um mundo do homem-gênero que se revela ao homem-indivíduo.

     

    Referências

     

    FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: o itinerário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

     

    HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

     

    LUKÁCS, György. Arte e sociedade: escritos estéticos 1932-1967. Organização e tradução de Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011.

     

    LUKÁCS, György. Estetica I: La peculariedad de lo estético, vol.1. Tradução de Manuel Sacristán. Barcelona: Ediciones Grijalbo S.A., 1966.

     

    LUKÁCS, György. Estetica I: La peculiaridade de lo estético, vol.3. Tradução de Manuel Sacristán. Barcelona: Ediciones Grijalbo S. A., 1967.

     

  • Palavras-chave
  • Estética, Teoria do Reflexo
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • Educação e Arte
Voltar Download
  • História    e    historiografia    da    Educação        
  • Política    Educacional    e    Gestão    
  • Formação    de    professores 
  • Educação    Especial    
  • Ensino de Ciências e Matemática
  • Educação e Arte
  • Educação, cultura e diversidade
  • Educação e Tecnologia
  • Aprendizagem, desenvolvimento humano e práticas escolares
  • Tópicos Especiais em Educação

Comissão Organizadora

Érico Ribas Machado

Comissão Científica