INTRODUÇÃO
A contaminação fecal humana do ambiente aquático é originada das descargas do esgoto público ou doméstico e ocorre também pela liberação direta de material fecal da água de superfície por animais domésticos ou silvestres. Os elementos parasitários contaminantes são levados pela água principalmente por ocasião as chuvas e inundações, o que prejudica a qualidade da água dos mananciais.
A Organização Mundial da Saúde considera as espécies dos gêneros Cryptosporidium e Giardia como patógenos de referência na avaliação da potabilidade da água. Patógenos de referência são aqueles que servem de marco para o desenho e implementação de medidas sanitárias e metas para o tratamento da água de consumo humano com qualidade aceitável. (MEDEMA et al., 2009).
O gênero Cryptosporidium foi descrito em 1907 como parasito de ratos e na atualidade é reconhecido como um parasita intracelular do epitélio gastrointestinal, causador de diarreia autolimitada em pessoas imunocompetentes e grave em pacientes imunocomprometidos (VILLA-NOVA et al., 2018). Algumas espécies do gênero Cryptosporidium são apontadas como causadoras de infecção intestinal, respiratória e hepatobiliar. O gênero Cryptosporidium foi apontado como o quinto agente etiológico mais frequente como causa de diarreias em crianças com menos de cinco anos mundialmente no ano de 2016, causando mais de 48000 mortes e afetando a aproximadamente 4,2 milhões de indivíduos (KHALLIL, 2018).
A infecção por Giardia lamblia ocorre principalmente pela ingestão de cistos contidos na água contaminada com matéria fecal. A infecção assintomática ocorre tanto em adultos como em crianças. A fase aguda dessa parasitose caracteriza-se por um quadro diarreico com duração de duas a quatro semanas. Os sinais clínicos mais frequentes são a esteatorreia, desconforto abdominal, náuseas, vômitos e perda de peso. Na doença em indivíduos imunocomprometidos, os sintomas podem persistir por sete semanas ou mais. Nesses casos, a perda de peso ocorre em função da mal-absorção de nutrientes (ADAM, 2020). A giardíase afeta aproximadamente 280 milhões de indivíduos ao ano no mundo, sendo considerada uma enfermidade subnotificada (RYAN, 2019).
Considerando a importância das infecções causadas por Cryptosporidium spp. e Giardia spp., essa pesquisa teve como objetivo investigar a ocorrência de oocistos e cistos destes protozoários em amostras de água de quatro afluentes que desaguam no rio Paraguay na cidade de Asunción.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa de oocistos de Cryptosporidium spp. e cistos de Giardia spp. foi realizada no ano de 2019 em amostras de águas de rios da cidade de Asunción que confluem para o rio Paraguay. A pesquisa de oocistos e cistos destes protozoários. foi realizada no mês de outubro de 2019 em amostras de águas coletadas dos rios Riachuelo, Antequera e Peru, que desaguam na bahía de Asunción, e Mburicaó, que desagua diretamente no rio Paraguay (Figura 1). Amostras de dois litros de água de cada rio foram coletadas e examinadas no Laboratório de Pesquisa em Doenças Parasitárias do Centro Universitário UNIABEU, na cidade de Belford Roxo, estado do Rio de Janeiro, Brasil. Foi utilizado o método de sedimentação espontânea. A pesquisa de cistos de Giardia spp. foi realizada pela observação do sedimento em preparação entre lâmina e lamínula, em que foi adicionada uma gota de lugol, e observada em microscopia de campo claro com a objetiva de 40X. A pesquisa de oocistos de Cryptosporidium spp. foi realizada pela fixação do sedimento em lâminas e coradas pelo método de Ziehel-Neelsen. As preparações para a pesquisa de oocistos de Cryptosporidium secaram em temperatura ambiente e foram examinadas em microscopia de luz com a objetiva de 100X.
Rios: Ponto 1 – Riachuelo; Ponto 2 - Antequera; Ponto 3 - Peru; Ponto 4 - Mburicaó.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Paraguay registrou 92466 internações por diarreia em 2017 e 3946 casos de giardíase (DGEEC, 2018). Segundo Estigarribia et al. (2019), os bairros populares de Asunción próximos ao rio Paraguay são vulneráveis à contaminação por resíduos sólidos e efluentes urbanos e não apresentam serviço de drenagem de esgoto.
Os resultados da pesquisa evidenciaram positividade para oocistos de Cryptosporidium spp. e cistos de Giardia spp. nas amostras de água que foram coletadas nos rios Antequera, Peru e Mburicaó, e somente Cryptosporidium spp. nas águas do rio Riachuelo. A concentração de cistos e oocistos por campo microscópico foi maior na amostra do rio Mburicaó, e, em ordem decrescente, nos rios Peru e Antequera. A concentração de oocistos de Cryptosporidium spp. no rio Riachuelo foi inferior à das demais amostras.
Apesar dos atributos que conferem a essas protozooses uma grande importância em saúde pública, consideradas como patógenos de referência no controle de qualidade da água de uso humano pela OMS (MEDEMA et al., 2009), são escassas as pesquisas sobre a incidência destes agentes parasitários na América Latina e em especial no Paraguay.
Medeiros et al. (2019) examinaram amostras de água do rio Itabapoana na cidade de Bom Jesus do Itabapoana, estado do Rio de Janeiro, Brasil. Os autores verificaram a presença de oocistos de Cryptosporidium spp. e cistos de Giardia spp. em todas as amostras da água de esgoto e em todas as amostras coletadas próximas à estação de tratamento. As amostras coletadas da água corrente foram negativas para cistos e oocistos de protozoários. Concluiram que a fonte de contaminação da água do rio Itabapoana com oocistos de Cryptosporidium spp. e cistos de Giardia spp. foi o despejo de esgoto sanitário da cidade e que a população deve ser orientada para evitar o uso da água do rio para banho, natação e irrigação de vegetais destinados ao consumo sem cocção. Corroboramos as recomendações de Medeiros et al. (2019) e ressaltamos que as áreas próximas ao rio Paraguay e seus afluentes estão sujeitas a inundações frequentes, disseminando agentes patogênicos de veiculação hídrica sobre áreas das proximidades, aumentando o risco de contaminação.
A pesquisadora Touchet (2019) realizou um levantamento epidemiológico sobre a incidência de enteroparasitoses em adolescentes de 10 a 19 anos de idade que residem em uma área próxima à Unidade de Saúde da Família do bairro Santa Maria, em Asunción, Paraguay. Entre os enteroparasitos encontrados, destacaram-se Blastocystis hominis (40%), Giardia lamblia (15%), Endolimax nana (5%) e Entamoeba histolytica/dispar (5%). A autora não se referiu ao parasitismo por coccídios. Na mesma linha de pesquisa, Canese et al. (1999) realizaram um estudo sobre enteroparasitoses que envolveu 3744 crianças, e encontraram 64% de positividade para enteroparasitos. Entre os agentes parasitários diagnosticaram: Blastocystis hominis (28,1%), Giardia lamblia (24,1%) e Entamoeba coli (12,5%). O número de crianças examinadas foi significativo (3744), e esses autores também não se referiram ao parasitismo por coccídios. Considerando o Cryptosporidium como parasito de ampla distribuição mundial, somos de opinião que os pesquisadores retrocitados não diagnosticaram a ocorrência de coccídios por não terem utilizado técnicas específicas para a detecção de oocistos na matéria fecal. Grande parte dos enteroparasitos encontrados por pesquisadores no território paraguaio são transmitidos por veiculação hídrica, destacando este meio como um dos principais veículos de contaminação por elementos parasitários naquele país.
Valinotti et al. (1998) analisaram amostras de água de 10 rios que desaguam no rio Paraguay na cidade de Asunción. As amostras foram submetidas a filtração e os resíduos do filtro foram observados ao microscópio. O resultado evidenciou positividade para Giardia spp. na metade das amostras examinadas. A concentração dos cistos nos rios estudados oscilou entre 24 a 540 cistos por litro. Esses autores citaram que o rio Mburicaó foi o mais contaminado com cistos de Giardia spp. Os resultados da nossa pesquisa com amostras colhidas dos rios Riachuelo, Antequera, Peru e Mburicaó em outubro de 2019 coincidem na maior contaminação por cistos no rio Mburicaó. O rio Mburicaó também foi o mais contaminado por oocistos de Cryptosporidium spp. entre as quatro amostras do nosso estudo, porém este protozoário não foi citado na pesquisa de Valinotti et al. (1998).
Norberg et al. (2019) investigaram a incidência de criptosporidiose entre crianças indígenas da etnia Toba Qom da comunidade San Francisco de Asis, no distrito de Cerrito, município de Benjamín Aceval, Paraguay. Entre as 90 amostras fecais examinadas, em oito foram encontradas oocistos de Cryptosporidum spp., o que corresponde ao coeficiente de prevalência (CP) de 8,9%. O estudo revelou a necessidade de aprimorar os programas de assistência à saúde a fim de melhorar as condições de vida dos integrantes da comunidade Toba Qom. Essa é a única pesquisa sobre a prevalência de Cryptosporidium spp. em humanos no Paraguay encontrada na literatura científica. Entretanto, o uso de fontes de água distantes do rio Paraguay, condições de vida diferentes, e a baixa prevalência provavelmente representam um padrão epidemiológico distinto daquele encontrado entre habitantes da cidade de Asunción, uma vez que as taxas de contaminação da água de rios por oocistos de Cryptosporidium sugerem níveis mais altos de indivíduos infectados na população urbana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este foi o primeiro registro da ocorrência de Cryptosporidium spp. em rios no Paraguay. Da análise dos resultados conclui-se que a água em rios urbanos da cidade de Asunción é contaminada com oocistos de Cryptosporidium spp. e cistos de Giardia spp. através do despejo de esgoto sanitário. A concentração de cistos e oocistos por campo de microscopia foi maior na amostra do rio Mburicaó, e as amostras de todos os rios estudados foram positivas para Cryptosporidium spp. Conclui-se que os desagues dos rios de Asunción são fontes de contaminação do rio Paraguay e da bahía de Asunción. Os protozoários Cryptosporidium spp. e Giardia spp. são patógenos de referência na avaliação da potabilidade da água, indicando a contaminação por matéria fecal, e devem ser frequentemente monitorados a fim de resguardar a população dos riscos de contaminação por estes protozoários e outros enteropatógenos. A população deve ser orientada a evitar o contato com a água dos rios contaminados e medidas de saneamento que melhorem a qualidade das águas fluviais devem ser adotadas pelas autoridades sanitárias.
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REFERÊNCIAS
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MEDEIROS, P. H. P.; CANTO. L. P.; MATOS, A. A. L.; MATOS, M. L. F. M.; MANHÃES, F. C.; MANGIAVACCHI, B. M.; NORBERG, A. N. Detection of Cryptosporidium spp. oocysts and Giardia spp. cysts in the water of the Itabapoana river and in the supply water of the city of Bom Jesus do Itabapoana, Province of Rio de Janeiro, Brazil. World Journal of Pharmacy and Pharmaceutical Sciences, v. 8, n. 10, 247-258, 2019.
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