INTRODUÇÃO
A escabiose humana é uma infestação cutânea parasitária causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei var. hominis., incluído na classe Arachnidae, e a transmissão ocorre através do contato direto da pele entre indivíduos ou através de objetos contaminados. De acordo com Engelman et al. (2019), a escabiose tem distribuição mundial, ainda que não afete uniformemente às diversas populações e regiões. A OMS aponta para índices de prevalência que variam de 0,3% a 46% (WHO, 2017). O sintoma mais característico da escabiose é o prurido, geralmente intenso principalmente durante a noite. O prurido é resultado de uma reação imune de hipersensibilidade do hospedeiro aos Sarcoptes scabiei e suas secreções, ovos e excrementos. Os sulcos causados pelos ácaros configuram lesões características da doença, cujo aspecto mais comum é o de lesões lineares finas, acastanhadas ou avermelhadas, porém nem sempre evidentes, podendo estar mascaradas pelas escoriações ou infecções secundárias causadas geralmente por bactérias. A aparência das lesões apresenta um padrão característico, com pápulas, e os locais do corpo mais afetados são as axilas, cotovelos, glúteos, área genital e periumbilical.
A resposta imunitária do hospedeiro influencia na severidade da infestação. Em pessoas imunocompetentes, a média de ácaros infestando o indivíduo é de 10 a 15, contrastando com milhares de ácaros presentes em lesões de escabiose em indivíduos imunocomprometidos, que muitas vezes apresentam a forma clínica crostosa ou norueguesa. Essa forma clínica mais severa está relacionada a um maior número de ácaros nas escamas, o que a torna mais contagiosa através de fômites para outros hospedeiros (VERONESI E FOCACCIA, 2015). Paul & Papier (2020) afirmam que mais de 45% dos casos de escabiose escapam ao diagnóstico dos profissionais de saúde, tanto pela falta de treinamento na identificação e procedimentos laboratoriais para a confirmação da doença quanto pela apresentação de formas clínicas atípicas mal diagnosticadas.
A fim de evidenciar a incidência da escabiose na população de Bom Jesus do Itabapoana, essa pesquisa teve como objetivo realizar um estudo retrospectivo de infecções dermatológicas por Sarcoptes scabiei observadas no Posto de Saúde da Família Orbílio Machado no período de janeiro a dezembro de 2019.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa foi realizada durante o ano de 2019 entre 209 pacientes com problemas dermatológicos que compareceram ao ambulatório médico do Posto de Saúde da Família Orbílio Machado, na cidade de Bom Jesus do Itabapoana, estado do Rio de Janeiro, Brasil. O atendimento com o diagnóstico clínico e o tratamento adequado foi realizado por uma médica dermatologista e alunos do curso de graduação em Medicina da Faculdade Metropolitana São Carlos - FAMESC. O diagnóstico da escabiose foi realizado pela observação das características clínicas da doença e com a pesquisa da história da escabiose no núcleo familiar.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados mostraram 13 casos positivos entre os 211 pacientes examinados, o que corresponde a uma taxa de prevalência de 6,16%.
Tabela 1: Casos de escabiose entre pacientes atendidos no Posto de Saúde da Família Orbílio Machado, distribuídos por gênero e idade.
Gênero | Idade |
M | 5 |
M | 5 |
M | 5 |
M | 5 |
M | 17 |
M | 19 |
M | 25 |
F | 27 |
F | 40 |
F | 57 |
F | 65 |
F | 71 |
F | 78 |
O baixo número de casos não permite uma análise que infira tendências ou correlações na distribuição por gênero estatisticamente relevantes, porém a repetição de casos entre indivíduos com 5 anos de idade (30,77% do total de casos de escabiose) sugere que o ingresso em idade escolar, com maior contato entre crianças, possa ser um fator de risco para a contaminação por Sarcoptes scabiei.
Um estudo entre 300 pacientes que apresentavam dermatoses na região de Khammam, Índia, entre os anos de 2018 e 2019 foi realizado por Kumar e Shivani (2020). A escabiose foi a afecção cutânea mais frequente, com 85 casos, correspondendo a 28,3% das doenças de pele diagnosticadas. A incidência da escabiose em Khammam, Índia, foi superior à encontrada em Bom Jesus do Itabapoana, em que apenas 6,16% dos pacientes atendidos no setor de dermatologia do PSF Orbílio Machado foram diagnosticados com escabiose.
Chaudhry et al. (2018) realizaram um levantamento epidemiológico quanto aos fatores de risco e a prevalência de escabiose no Paquistão. Os resultados revelaram que a escabiose correspondia a 38,15% das doenças dermatológicas diagnosticadas no Hospital Militar de Rawalpindi. A infestação foi maior no gênero masculino (53,81%), e crianças em início da fase escolar foi o grupo mais afetado (46,88%). Os autores apontaram a escabiose como uma doença negligenciada e sugeriram ações de educação e saúde junto a familiares de crianças no início da idade escolar e a capacitação de agentes de saúde que atendem a população mais pobre. Assim como na pesquisa conduzida por Chaudhry et al. (2018), nossos resultados também apontam para uma taxa de infestação maior entre crianças no início da idade escolar, que correspondeu a 30,77% do total de pacientes diagnosticados com escabiose no PSF Orbílio Machado no ano de 2019.
Heukelbach et al. (2003) investigaram doenças infecciosas da pele na favela Vicente Pinzón II, no município de Fortaleza, estado do Ceará, Brasil. A prevalência total de escabiose foi de 8,8%, com a faixa etária de 0 a 4 anos sendo a mais afetada. Os autores comentaram que apenas 28 dos 54 pacientes com escabiose receberam assistência médica prévia, e que os médicos dos centros de atenção primária à saúde somente diagnosticaram as doenças parasitárias da pele quando apontadas pelos próprios pacientes. Os resultados mostraram que as doenças parasitárias da pele, incluindo a escabiose, são negligenciadas tanto pela população como pelos médicos, e que os registros do centro de atenção primária à saúde não refletem a prevalência real dessa doença na comunidade. Nesse sentido, investigações como as realizadas por Heukelbach et al. (2003) e em Bom Jesus do Itabapoana têm o propósito de estimar a incidência da escabiose na população a fim de estabelecer estratégias de controle e erradicação da escabiose na população afetada.
O estudo da epidemiologia e morbidade da escabiose na favela Morro do Sandra’s em Fortaleza, e na comunidade Balbino, cidade de Cascavel, ambas no Ceará, foi estudada por Heukelbach et al. (2005). A escabiose apresentou uma taxa de prevalência de 8,8% na comunidade do Morro do Sandra’s e 3,8% na comunidade Balbino. Os autores não encontraram padrão consistente de distribuição da infestação por faixa etária ou gênero. A prevalência da escabiose entre pacientes atendidos no PSF Orbílio Machado situa-se na média entre as duas regiões estudadas por Heukelbach et al. (2005).
Em uma pesquisa com 196 pacientes com patologias dermatológicas atendidos no bairro Boa Esperança, na cidade de Sinop, estado de Mato Grosso, Brasil, foi verificado que a escabiose ocorria em 8,2% do público estudado (AGOSTINHO et al., 2013). A incidência da infestação por Sarcoptes scabiei no município de Sinop aproxima-se daquela encontrada em nossa pesquisa em Bom Jesus do Itabapoana.
O perfil epidemiológico dos pacientes atendidos no serviço de dermatologia da instituição de saúde da faculdade BWS, em São Paulo, Brasil, foi traçado por Sena et al. (2020). A análise retrospectiva de 855 pacientes revelou que apenas 7 (0,82%) foram diagnosticados com escabiose. A taxa de incidência entre o total de pacientes atendidos em Bom Jesus do Itabapoana foi superior à verificada no serviço de saúde da faculdade BWS.
A prevalência da escabiose em crianças da comunidade São Francisco de Assis, na cidade de Manhuaçu, estado de Minas Gerais, Brasil, foi determinada por Norberg et al. (2020). De um total de 154 crianças, 14 foram diagnosticadas com escabiose, correspondendo a um coeficiente de prevalência de 9,09%. A faixa etária mais afetada foi compreendida entre 4 e 6 anos de idade. A faixa etária mais afetada coincide com a encontrada em nosso estudo, cuja análise da moda aponta a idade de 5 anos como a que mais registrou casos es escabiose entre pacientes atendidos no ano de 2019.
O exame de doenças dermatológicas entre 180 pacientes de uma comunidade de pescadores no município de Picinguaba, estado de São Paulo, Brasil, revelou que a escabiose representou apenas 4,4% das dermatoses que incidem nessa população. Oito casos de escabiose foram diagnosticados exclusivamente na população infantil (HADDAD-JÚNIOR, 2019). Em Bom Jesus do Itabapoana, crianças representaram 30,77% do total de casos, e a população infantil, assim como em Picinguaba, parece ser a mais afetada pela escabiose.
Andrade et al. (2018) estudaram as afecções dermatológicas mais prevalentes nas internações hospitalares pediátricas do Hospital Escola Luis Gioseffi Jannuzzi, na cidade de Valença, estado do Rio de Janeiro, Brasil. Esses autores realizaram uma revisão de 39 prontuários de pacientes internados na enfermaria pediátrica do hospital no período entre julho de 2016 e julho de 2017, e selecionaram aqueles cujos motivos da internação foram as afecções dermatológicas. As causas mais frequentes foram infecções de pele, como impetigo, celulite e abscesso. Entre as infecções de pele, registraram a ocorrência de 3 (1,17%) de dermatite causada por Sarcoptes scabiei. As taxas verificadas entre os 211 pacientes atendidos em nossa pesquisa no PSF Orbílio Machado (6,16%) apontam para índices de infestação mais altos do que os encontrados na cidade de Valença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escabiose é uma dermatose incidente na população da cidade de Bom Jesus do Itabapoana, estado do Rio de Janeiro, Brasil, e foi diagnosticada em 13 pacientes atendidos no PSF Orbílio Machado (13/211) no ano de 2019, configurando uma incidência de 6,16%. A repetição de casos entre pacientes com cinco anos de idade (30,77% do total de diagnosticados) indica que o início da idade escolar configura um fator de risco para a infestação, e este grupo deve ser alvo de maior atenção no combate ao Sarcoptes scabiei na região.
REFERÊNCIAS
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CHAUDHRY, F. R.; HAMEED, K.; NAZ, S.; MIN, D. A.; RIZVI, A. P.; ROSSI, L. Scabies prevalence and risk factors in Pakistan: a hospital-based survey. Biomedical Journal of Science and Technology Research, v. 2, n. 2, e000726, 2018.
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