INTRODUÇÃO
Os alimentos podem ser contaminados com microrganismos nas etapas da cadeia de produção ou ainda pelos próprios manipuladores em locais de preparação, armazenamento, transporte, exposição e venda dos produtos destinados ao consumo. Alimentos contaminados com Staphylococcus aureus representam uma das causas mais frequentes de toxinfecção. As doenças causadas pelo consumo de alimentos contaminados com bactérias e suas toxinas são uma causa importante de morbidade e mortalidade em nível mundial (DARODDA et al., 2018).
Entre os microrganismos causadores de doenças transmitidas pelo queijo fresco, estima-se que os patógenos mais prevalentes sejam Staphylococcus aureus (43,71%) e Escherichia coli (18,51%). A alta taxa de contaminação de queijos frescos faz com que este produto represente a principal causa de notificação de casos de enfermidades transmitidas por alimentos nas Américas (MERCHÁN-CASTELLANOS et al., 2019). As características fisicoquímicas do queijo frescal - um queijo fresco, não-maturado, com taxa elevada de umidade – torna-o susceptível à contaminação por agentes microbianos, dentre estes Staphylococcus aureus e Escherichia coli.
Staphylococcus aureus possui grande resiliência e adaptação a diversas condições ambientais e é reconhecido como é um dos principais causadores de toxinfecção causada por ingestão de queijos frescos contaminados (CASTRO et al., 2020), além da capacidade de infectar diretamente o organismo através da produção de uma toxina termorresistente. A toxinfecção tem início abrupto, com sinais clínicos como náusea, vômitos, cólicas e diarreia, podendo ocasionar desidratação, dor de cabeça, dores musculares, alterações transitórias na pressão sanguínea e na frequência cardíaca (DARODDA, 2018). Na contaminação de queijos, os seres humanos são considerados reservatórios e fontes de contaminação em quase todos os casos. Outra fonte de contaminação importante são as vacas portadoras de mastite causada por elementos bacterianos, sendo S. aureus o mais frequente. Nesses casos, é possível que um número significativo de estafilococos isolados de queijos tenha origem no leite de vacas com mastite (SOSA E GIMENEZ, 2016).
Escherichia coli é uma bactéria termotolerante pertencente ao grupo dos coliformes fecais. E. coli é o principal causador de infecção hospitalar, infecções urinárias e intestinais em muitos países, com uma densidade patogênica capaz de causar infecção intestinal por diferentes mecanismos, porém é uma bactéria que também constitui a microbiota normal do intestino humano, e considerado um indicador de contaminação fecal de alimentos (SALEH et al., 2019). Diversos surtos envolvendo E. coli foram associados a produtos de consumo diário, incluindo queijos frescos (DINIZ-SILVA et al., 2020).
Essa pesquisa teve como objetivo avaliar a contaminação por S. aureus e E. coli em queijos minas frescal de produção artesanal produzidos na zona rural da Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro, Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2017 com a coleta de 10 amostras de queijos minas frescal de diferentes origens produzidos de forma artesanal. As amostras foram adquiridas assim que o produto estivesse pronto para o consumo diretamente do produtor rural, com peso médio de 500 gramas. Após a aquisição, as amostras foram mantidas em refrigeração e analisadas por técnicas microbiológicas no laboratório de bacteriologia do Centro Universitário UNIABEU.
Para a contagem de Unidades Formadoras de Colônias (UFC) foi utilizado o soro liberado pelo queijo diluído em solução salina estéril. Para cada unidade amostral foi utilizado um tubo de ensaio com tampa de rosca contendo 9 mL de solução salina estéril, em que foi adicionado 1 mL de soro da amostra do queijo. Em seguida foi feita a homogeneização da mistura por agitação. A partir da diluição de 1:10, foram preparadas diluições múltiplas de 10 (1:100, 1:1000 e 1:10000). Uma alíquota de 0,1 mL de cada diluição para cada unidade amostral foi semeada em placas de Petri com superfícies de ágar hipertônico manitol, ágar Teague (EMB) e ágar Mueller-Hinton. As placas semeadas com alça de Drigalski foram incubadas em estufa bacteriológica a 37oC por 48 horas. As colônias idênticas foram reconhecidas em ágar hipertônico manitol como Staphylococcus aureus por suas características morfotintoriais (cocos Gram positivos aglomerados), fermentadores de manitol, provas de catalase, coagulase em tubo e desoxirribonuclease positivas. Escherichia coli foi identificada por caracteres culturais nas placas contendo o meio de cultura de Teague pela observação de colônias negras com brilho metálico e confirmadas por provas bioquímicas pelo sistema BioMerieux Vitek. Para calcular o número de UFC por mL de cada amostra, a contagem foi efetuada na diluição semeada na placa que apresentasse um número de UFC entre 30 e 50 colônias. Para o cálculo final, multiplicou-se o número de colônias pelo título da diluição vezes 10 e expressou-se o número de UFC por mL de cada amostra de queijo minas frescal artesanal.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre as 10 amostras analisadas, todas estavam contaminadas com S. aureus e, em cinco dessas amostras, o número de UFC estava acima dos limites tolerados pela legislação brasileira. Para os coliformes termotolerantes, representados por E. coli, todas as 10 amostras apresentavam uma contagem de UFC por mL acima dos limites aceitáveis pela legislação brasileira.
Tabela 1: Análise bacteriológica em 10 amostras de queijo minas frescal artesanal produzido na região da Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro, Brasil, no período de agosto a dezembro de 2017, de acordo com o número de Unidades Formadoras de Colônias (UFC).
Amostra | Staphylococcus aureus UFC/mL | Escherichia coli UFC/mL |
1 | >5X102 | >5X102 |
2 | >5X102 | >5X102 |
3 | >5X102 | >5X102 |
4 | <5X102 | >5X102 |
5 | <5X102 | >5X102 |
6 | <5X102 | >5X102 |
7 | <5X102 | >5X102 |
8 | >5X102 | >5X102 |
9 | >5X102 | >5X102 |
10 | <5X102 | >5X102 |
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA, delimitou os níveis de contaminação microbiológica em alimentos para consumo humano de acordo com a RDC 12/2001. Nesta resolução são especificados os limites toleráveis de microrganismos, obedecendo aos padrões individuais e a variedade de cada produto. Em queijos de alta umidade, como o queijo minas frescal, os parâmetros toleráveis obedecem aos seguintes valores: ? 5x102 para coliformes termotolerantes, enquanto para Staphylococcus aureus o valor máximo aceitável é ?5x102 (BRASIL, 2001). Os resultados de nossa pesquisa demonstram que nenhuma amostra foi considerada satisfatória para o consumo humano, e 50% das amostras superaram o limite tolerável estabelecido pela norma nacional para Staphylococcus aureus e Escherichia coli simultaneamente.
Uma investigação sobre a contaminação de queijo fresco comercializado na cidade de San Lorenzo, Paraguay, foi realizada por Sosa e Giménez (2016). Esses pesquisadores examinaram 130 amostras de queijos correspondentes a 26 lotes que representavam 26 postos de venda. O resultado dessa pesquisa evidenciou positividade de 79,23% para Staphylococcus spp., dos quais 83,5% foram identificados como Staphylococcus aureus. Os autores comentaram que 38,46% dos lotes de queijos apresentaram valores superiores aos limites estabelecidos pelas normas do Paraguay para a quantidade de S. aureus tolerados em queijos. Em nossa pesquisa, 100% das amostras estavam contaminadas com Staphylococcus aureus, e 50% apresentavam níveis superiores ao permitido pelas normas sanitárias do Brasil, valor superior ao encontrado por Sosa e Giménez (2016) na cidade de San Lorenzo, Paraguay.
Loguércio e Aleixo (2001) investigaram a qualidade microbiológica em amostras de queijo frescal artesanal na cidade de Cuiabá. Entre as 30 amostras examinadas, 28 (96,67%) estavam contaminadas com Staphylococcus aureus. Nossos resultados apresentaram taxas semelhantes às encontradas por Loguércio e Aleixo (2001).
Os pesquisadores Darodda et al. (2018) analisaram 50 amostras de queijos minas frescal adquiridos em 25 cidades da região do norte do estado do Paraná, Brasil. O resultado revelou 86% de positividade para Staphylococcus spp, sendo que 74% dos isolados foram identificados como Staphylococcus aureus, e os testes de sensibilidade aos antimicrobianos revelaram que 11% apresentavam resistência à meticilina (MRSA). Embora nosso estudo não tenha contemplado a resistência a antibióticos das cepas encontradas, o risco de toxinfecção alimentar por toxina estafilocócica já é fator suficiente para a verificação do risco alimentar do produto.
Os pesquisadores Ferreira et al. (2011) estudaram a contaminação por bactérias em amostras de queijos minas frescal artesanais comercializados em feiras livres de Uberlândia, região do Triângulo Mineiro, estado de Minas Gerais, Brasil, e encontraram a presença de coliformes totais em valores mínimos e máximos de < 3x101 e ? 1,1x104 por grama, respectivamente. Os valores máximos encontrados por esses autores estão acima do padrão estabelecido pela legislação brasileira como produto aceitável para o consumo humano. Das 20 amostras analisadas, 16 amostras (80%), apresentaram um número de coliformes termotolerantes superior ao limite permitido pela ANVISA. Os valores de coliformes termotolerantes, representados por Escherichia coli, são inferiores aos encontrados em todas as amostras de nossa pesquisa.
A avaliação microbiológica de queijos minas frescal comercializados em supermercados no município de Duque de Caixas, no estado do Rio de Janeiro, Brasil, foi estudada por Saleh et al. (2019). Esses autores analisaram 19 amostras deste produto para a detecção de coliformes totais termotolerantes e contagem de Staphylococcus coagulase positiva. Dentre as 19 amostras analisadas, em 10 (52,6%) foram detectadas coliformes fecais termotolerantes, representados por Escherichia coli, com taxa acima do estabelecido pela legislação vigente. Nas 19 amostras (100%) foram detectadas contagens de Staphylococcus coagulase positiva superiores ao permitido pela legislação brasileira vigente. Os padrões de contaminação diferentes dos de nossa pesquisa podem refletir as condições diferentes de armazenagem e exigências sanitárias mais rígidas por parte dos supermercados de onde foram amostrados os queijos examinados por Saleh et al. (2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da análise dos resultados concluiu-se que todas as 10 amostras de queijo minas frescal artesanal estavam contaminadas com Staphylococcus aureus e bactérias termotolerantes representadas por Escherichia coli. As taxas encontradas estavam acima do limite autorizado pela legislação brasileira. Os queijos produzidos na zona rural da Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro, por terem sido produzidos artesanalmente, provavelmente sem seguir as práticas adequadas de produção, além do armazenamento incorreto, apresentaram deficiências na qualidade higiênico-sanitária, com altos índices de bactérias, não cumprindo os padrões aceitáveis. Esses queijos são potenciais fontes de infecções ou intoxicação alimentar aos consumidores, principalmente crianças, gestantes, idosos e imunocomprometidos. Faz-se necessária a adoção de práticas que visem a melhoria da qualidade microbiológica dos alimentos, além de maior fiscalização a fim de impedir a comercialização de produtos que constituam um risco à saúde da população.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução no 12 de 02 de janeiro de 2001. Regulamento Técnico sobre padrões microbiológicos para alimentos. Brasília, 2001.
CASTRO, R. D.; PEDROSO, S. H. S. P.; SANDES, S. H. C.; SILVA, G. O.; LUIZ, K. C. M.; DIAS, R. S. Virulence factors and antimicrobial of Staphylococcus aureus isolated from the production process of Minas artisanal cheese from the region of Campo das Vertentes, Brazil. Journal of Diary Science, v. 20, n. 22, e30050-3, 2020.
DARODDA, S. M.; SILVA, V. C.; SILVA, L. C. Detecção de genes associados a enterotoxigenicidade em Staphylococcus spp. isolados de queijos tipo frescal de feiras de município do norte do estado do Paraná, Brasil. In: SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA. UNIVERSIDADE DO NORTE DO PARANÁ – UNOPAR, 2018.
DINIZ-SILVA, H. T.; BRANDÃO, L. R.; GALVÃO, M. S.; MADRUGA, M. S.; MACIEL, J. F.; SOUZA, E. L.; MAGNANI, M. Survival of Lactobacillus acidophilus LA-5 and Escherichia coli O157:H7 in Minas Frescal cheese made with oregano and rosemary essential oils. Food Microbiology, v. 86, e103348,2020.
FERREIRA, R. M.; SPINI. J.; CARRAZZA. L. G.; SANTANA, D. S.; OLIVEIRA, M. T.; ALVES. L. R. Quantificação de coliformes totais e termotolerantes em queijos minas frescal artesanal. PUBVET, v. 5, n. 5, p 15-20, 2011.
LOGUÉRCIO, A. P.; ALEIXO, J. A. Microbiologia de queijo tipo Minas Frescal produzido artesanalmente. Ciência Rural, v. 31, n. 6, p. 1063-1067, 2001.
MERCHÁN-CASTELLANOS, N. A.; PINEDA-GÓMEZ, L. M.; PARRA, A. K. C.; GONZÁLEZ-NEIZA, N. C.; RODRÍGUEZ, M. C. O.; NEIRA, Y. S. Microorganismos comúnmente reportados como causantes de enfermedades transmitidas por el queso fresco en las Américas, 2007-2016. Revista Cubana de Higiene y Epidemiología, v. 56, n. 1; e171, 2019.
SALEH, M. M.; VARGAS, D. F. N.; BASTOS, I. S.; BAPTISTA, R. F.; COSTA, A. P.; KASNOWSKI, M. C. Avaliação microbiológica de queijo minas frescal comercializado no município de Duque de Caxias/RJ. Revista Brasileira de Higiene e Saúde Animal v. 13, n. 1, p. 78-88, 2019.
SOSA, L.; GIMÉNEZ, G. Recuento de Staphylococcus coagulasa positiva en el queso Paraguay comercializado en el Mercado Municipal de la ciudad de San Lorenzo y su sensibilidade a tras antimicrobianos, año 2014. Compendio de Ciencias Veterinarias, v. 6, n. 1, p. 24-30, 2016.
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