O AUMENTO DA VIOLÊNCIA DOMICILIAR NO CONTEXTO DE PANDEMIA DA COVID-19: UMA ANÁLISE SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E INTRAFAMILIAR
DIAS, Emanuelly Terra
Discente do Curso de Graduação de Bacharelado em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC-Campus Bom Jesus);
emanuelly@gmail.com;
MELLO, Márcio Caldas dias
Pós-Graduado pela Faculdade Candido Mendes. professormcaldas@gmail.com;
FERREIRA. Oswaldo Moreira
Mestre em Cognição e Linguagem na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro UENF;
oswaldomf@gmail.com;
MOREIRA, Gisele Aparecida Martins
Discente do Curso de Graduação de Bacharelado em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC-Campus Bom Jesus);
giselemartins0311@gmail.com;
CAPUA, Valdeci Ataíde
Mestre em Relações Privadas e Constituição pela Faculdade de Direito de Goytacazes.
valdeci_adv@hotmail.com.
INTRODUÇÃO
Com a pandemia da Covid-19, casos de violência em ambiente domiciliar atingiram um aumento notável resultante do isolamento social como medida de combate ao novo corona vírus. Conforme leciona Maciel, et al. (2019, p.142) um crescimento de 9% em relação a violência contra a mulher foi registrado somente na primeira quinzena de isolamento, enquanto a violência contra crianças e adolescentes não tem dados registrados devido à redução no registro de denúncia durante a pandemia. A crise econômica e social, o estresse gerado pelo aumento do convívio familiar, o confinamento e a desigualdade socioeconômica exposta em situações como essa, são apresentadas como justificativa para tal crescimento.
A violência no âmbito doméstico pode-se desmembrar em violência doméstica de gênero ou a violência intrafamiliar. Assim, mulheres, crianças e adolescentes em período de quarentena, ficam mais vulneráveis a abusos e situações de violência. Perante o exposto, o presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre o aumento da violência doméstica e intrafamiliar em tempos de pandemia, através de uma análise teórica sobre o conceito de violência e suas manifestações contra mulheres, crianças e adolescentes e em seguida, examinar o impacto da pandemia no crescimento da violência domiciliar.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa adotada neste trabalho, elaborado nos moldes ensaísticos, é de natureza básica, com caráter exploratório, tendo como procedimento aplicado a pesquisa bibliográfica, com base em leituras de artigos e sites da internet que discorriam sobre o tema abordado.
DESENVOLVIMENTO
A violência é algo intrínseco da natureza humana, sendo compreendida de acordo com suas configurações e a percepção que a sociedade tem sobre ela. Segundo relata Almeida e Lourenço (2012, p.14), a Organização Mundial da Saúde entende que a violência pode se manifestar em três situações distintas: aquela destinada ao próprio indivíduo, à coletividade (âmbito macrossocial) e a que atinge as relações interpessoais.
Além disso, é possível que a violência ocorra tanto em local público quanto nas relações intrafamiliares. Na primeira hipótese, os indivíduos tendem a não ter envolvimento íntimo e os atos violentos são praticados, geralmente, fora de casa; de maneira diversa, a violência intrafamiliar é praticada por parceiros íntimos, predominantemente no âmbito doméstico (ALMEIDA, LOURENÇO, 2012, p.14).
Conforme descreve Day, et al (2003, p.10), a violência intrafamiliar é definida como:
Toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também as pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue. (DAY, 2003, p.10)
Contudo, a concepção de violência doméstica, embora carregue semelhanças com a definição anterior, se distingue por abranger um contingente maior de pessoas, não considerando apenas a família, mas todos aqueles envolvidos naquele ambiente, como os empregados e agregados. Ocorre, porém, que as principais vítimas de tais atos são as mulheres, crianças/adolescentes e idosos, além de afetar direta ou indiretamente os demais indivíduos (ALMEIDA, LOURENÇO, 2012, p.15).
Vale mencionar, que o tipo de agressão ou omissão pode caracterizar a violência doméstica em: violência física, sexual, psicológica, patrimonial, moral e a negligência. Esta dar-se pela omissão de dever com aqueles que precisam de ajuda em razão de sua condição (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007, p.96). As demais formas de violência estão definidas no art. 7° da Lei n° 11.340/2006.
Entende-se, portanto, que a questão da violência doméstica e intrafamiliar violam claramente os direitos humanos. Com relação às mulheres, os índices apontam distinções de acordo com os grupos sociais que pertencem, ou seja, a baixa escolaridade, a alta desigualdade social, o uso indevido de substâncias ilícitas, dentre outros fatores, permitem a maior vulnerabilidade de ocorrência da violência (MOURA, et al., 2009, p. 946).
No que tange as crianças e adolescentes, devido ao sistema de relações assimétricas e hierárquicas, a violência acontece, por vezes, em razão do processo de disciplinamento. Dessa forma, muitas crianças e adolescentes aprendem que a violência, como forma de punição, é um revolvedor de conflitos, gerando problemas nas escolas e demais locais quando se veem frente a adversidades (GOMES, et al., 2007, p. 505).
À vista disso, estudos comprovam que crianças do gênero feminino são submetidas com mais frequência à violência em relação ao gênero masculino. A respeito do tipo de violência no qual são submetidos, há certa paridade quando se trata de agressões físicas e psicológicas, contudo, crianças do sexo feminino são mais comumente sujeitadas à violência sexual, enquanto as do gênero masculino enfrentam a negligência (BRITO, et. al., 2005, p.145).
RESULTADOS E DISCUSSÔES
O isolamento social decretado em março pelo poder público no Brasil como consequência do vírus Sars-Cov-2, que resulta a COVID-19, contribuiu para o aumento de violência doméstica no país. (LOBO, 2020, p.22) A pandemia da COVID-19 inseriu fatores de estresse para a população. O temor de ser infectado ou infectar algum familiar, a redução da renda familiar, a falta de estratégia para sair dessa crise global e em especial, o confinamento, são fatores que ocasionaram uma maior propensão para conflitos sociais violentos em período de isolamento (IPEA, 2020, p.7-8).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, uma das estratégias mais efetivas ao combate a pandemia para reduzir os riscos de novas contaminações é o isolamento social. Todavia, o isolamento como forma de proteção a doença, pode significar adversidades no meio familiar, principalmente em famílias com casos de violência doméstica, que pode atingir mulheres, crianças, adolescentes e idosos (MACIEL, et al., 2019, p.141).
Neste cenário, no qual a saúde está em um período emergencial, é reverberado as desigualdades socioeconômicas e de gênero, que provocam o crescimento da violência contra a mulher. Diante do isolamento, as mulheres são mais vigiadas por causa da redução do contato com amigos e familiares, sendo, portanto, mais controladas por seus parceiros. A restrição de tal contato contribui para a fragilização e manipulação psicológica da mulher, deixando-a mais vulnerável a situações de violência devido à dificuldade ao acesso de mecanismos para obter ajuda (MARTINS, et al., 2020, s.p).
No Brasil, um aumento de 9% no registro de casos de violência doméstica pelo Ligue 180 foram notificados durante o período de isolamento social na segunda quinzena de março. No entanto, deve-se atentar para um número de casos maior do que o registrado, em razão da subnotificação de denúncias devido à restrição ao acesso de serviços presenciais e eletrônicos dos órgãos responsáveis (MACIEL, et al., 2019, p.142).
Segundo IPEA (2020, p.11) o convívio integral com os familiares e as condições precárias de habitualidade, além do consumo de bebidas alcoólicas e outras drogas, motivado pelo estresse do confinamento, contribui para a exacerbação do conflito doméstico, constituindo um risco também, para crianças e adolescentes. Logo, o prosseguimento de instrumentos que assegurem direitos, como o conselho tutelar, delegacias e varas especializadas, constituem medidas essenciais para a proteção durante o período de pandemia.
Conforme dispõe a coordenadora Luciana Phebo do UNICEF no Rio de Janeiro, é necessário que no decurso do isolamento social haja esforços para cuidar das crianças e adolescentes, evitando também as agressões e outras formas de violência. Destarte, é de suma importância a presença e apoio dos pais, mães e responsáveis para reduzir o nível de estresse, criando laços e segurança com os filhos em tempos de pandemia, onde a quarentena é indispensável. (ONU BRASIL, 2020).
Saliente-se, ainda que, enquanto o crescimento da violência doméstica contra a mulher é notificado através de registros no 190, redes sociais e em veículos oficiais para denúncia, o mesmo não ocorre em casos com crianças e adolescentes. A interpretação que pode ser feita diante de tais informações, é que há uma diminuição na detecção e denúncia de violência, e não a redução da ocorrência dos casos. Ainda em exame, a paralisação das aulas presenciais e o fechamento de outras organizações da comunidade tem restringido a faculdade dos principais meios de denunciar os abusos. (FIOCRUZ, 2020, s.p).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, portanto, que a violência intrafamiliar e doméstica sempre existiu nas relações privadas devido ao sistema hierárquico e patriarcal. No entanto, com a pandemia da COVID-19, houve um crescimento exorbitante da violência nas relações domésticas, vários fatores contribuíram para isso, dentre eles, o temor de contrair e de infectar outras pessoas, o estresse do isolamento, a crise financeira, econômica, social e até mesmo no ramo alimentício.
O grande dilema desse tema, então, paira sobre o óbice de que as principais vítimas, mulheres, crianças/adolescentes e idosos, não conseguem solicitar ajuda, nem chegar às autoridades, pois os agressores são pessoas próximas e que se mantem atentos ao comportamento das vítimas, principalmente, no que tange as redes sociais. Dessa forma, é de suma importância que familiares, amigos, vizinhos e conhecidos estejam dispostos a ajudarem e apoiarem pessoas que se encontram nessa situação de risco e coação.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A.; LOURENÇO, L. M. Como a violência doméstica/intrafamiliar foi vista ao longo do tempo no Brasil: breve contextualização. Perspectivas en Psicología: Revista de Psicología y Ciencias Afines, vol. 9, núm. 3, nov. 2012, pp. 14-23. Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/4835/483549016003.pdf> Acesso em: 22 set. 2020.
Brito, A. M. M. et al. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: estudo de um programa de intervenção. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, vol.10, no.1, Jan./Mar. 2005. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000100021&lang=pt> Acesso em: 22 set. 2020.
DAY, V. P. et al. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. Revista de Psiquiatria do RS. Rio Gd. Sul, 2003, vol.25, suppl.1, pp.9-21. ISSN 0101-8108. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-81082003000400003&script=sci_arttext> Acesso em: 22 set. 2020.
FIOCRUZ. Saúde Mental e Atenção Psicossocial: Violência doméstica e familiar na pandemia de Covid-19. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/saude-mental-e-atencao-psicossocial-na-pandemia-covid-19-violencia-domestica-e-familiar-na-covid-19.pdf> Acesso em: 22 set.2020.
Gomes, N. P et al. Compreendendo a violência doméstica a partir das categorias gênero e geração: Acta paul. enferm. vol.20 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2007. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002007000400020> Acesso em: 22 set. 2020.
IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Nota Técnica n. 27 (Diest): Prevenindo conflitos sociais violentos em tempos de pandemia: garantia da renda, manutenção da saúde mental e comunicação efetiva. In: Repositório do Conhecimento do IPEA. Brasília: Ipea, abr. 2020. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9836> Acesso em:22 set.2020.
IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Nota Técnica n. 70 (Disoc): Proteção de crianças e adolescentes no contexto da pandemia da Covid-19: consequências e medidas necessárias para o enfrentamento. In: Repositório do Conhecimento do IPEA. Brasília: Ipea, mai. 2020. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10041> Acesso em:22 set.2020
LOBO, J. C. L. Uma outra pandemia no Brasil: as vítimas da violência doméstica no isolamento social e a “incomunicabilidade da dor”. Tessituras – Revista de Antropologia e Arqueologia. V8 S1. Jan-jun, 2020. Pelotas-RS. Disponível em: < https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/tessituras/article/view/18901> Acesso em: 21 set.2020.
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MARTINS, A. M. E de B. L. et al. Violência contra a mulher em tempos de pandemia da COVID-19 no Brasil. Revista Enfermagem Atual In Derme, v. 93, p. e020009, 18 ago. 2020. Disponível em:<http://www.revistaenfermagematual.com/index.php/revista/article/view/828> Acesso em: 22 set.2020.
Moura, L. B. et al. Violências contra mulheres por parceiro íntimo em área urbana economicamente vulnerável. Brasília, DF. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 43, n. 6, p. 944-953, dez. 2009. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000600005> Acesso em: 22 set. 2020.
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