AS GARANTIAS PROCESSUAIS E CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA PRISIONAL FEMININO EM PERÍODO DE PANDEMIA
INTRODUÇÃO
No universo das relações jurídicas e sociais, um instrumento de tamanha importância e complexidade como o processo e, pontualmente, o processo penal, seguir os tantos preceitos necessários para sua configuração, de forma que siga a linha tênue disposta na Constituição Federal, não é tarefa simples.
Decorre até hoje o debate sobre o papel do direito penal e do direito processual penal na obtenção e manutenção das relações sociais, envolvendo a garantia da segurança pública e da paz social. É de conhecimento aos atuantes e militantes da área que sempre houve e sempre haverá os que sustentam ser necessário maior rigor das normas penais, e menor amplitude dos direitos previstos tanto aos investigados, quanto acusados.
Vive-se uma crise de saúde pública no Brasil e no mundo, decorrentes da pandemia do novo coronavírus. Há de se analisar os aspectos penais envolvidos neste cenário partindo dos relevantes bens jurídicos constitucionalmente tutelados. Nota-se que a pandemia restou por intensificar os diversos tipos de vulnerabilidades sociais, contudo, há uma população específica que sofre profundamente seus impactos, e devido a outros fatores, também não recebe a atenção necessária, mas não é de hoje.
Ao decorrer do presente dispositivo serão apresentadas as garantias processuais e constitucionais da população prisional feminina, de forma imprescindível a reafirmar que o único meio o qual dispõe o Estado para exercer o direito de punir, é o processo penal.
MATERIAL E MÉTODOS
Com o objetivo de atender a demanda proposta pelo tema acima, a metodologia do dispositivo utilizou-se da pesquisa qualitativa, de natureza aplicada e descritiva. Utilizada da pesquisa bibliográfica, ou seja, partir de material já publicado, como livros, artigos e periódicos.
DESENVOLVIMENTO
Segundo Macêdo (2005, online) “os princípios constitucionais são considerados os pilares de todo o ordenamento jurídico, pois orientam o intérprete de como agir diante das normas jurídicas, e das situações concretas a ele apresentadas no cotidiano.” Princípios do próprio processo penal caminham na linha tênue das garantias propostas em Constituição Federal, junto de alguns dos seus princípios, sendo alguns deles, os mais importantes, referenciados no corpo deste trabalho: o princípio da legalidade, da igualdade, da humanidade, do devido processo legal, do contraditório, do juiz natural e do estado de inocência.
O constituinte de 1988, conforme o artigo 5ª, LIV, determina que ninguém seja privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Trata-se de uma cláusula inserida em nosso ordenamento jurídico, abarcando a esfera nacional e internacional (artigo 5º, § 2ª da CF), na qual se abrigam direitos, garantias, princípios, regras, deveres e proibições. (FAVARIN, 2018, online)
Valendo-se destas premissas, de forma a encarar e presente pandemia, vale-se também estabelecer alguns conceitos para tal. Ressalva a teoria de Nucci (2020, online) que “a mais leve lesão à saúde pública é o surto (aumento repentino e inesperado de determinada doença abrangendo um local determinado, como, por exemplo, um bairro ou região de certa cidade); segue-se para a epidemia (contaminação de várias pessoas, em curto espaço de tempo e em vários lugares, muito acima da expectativa, “como, por exemplo, envolvendo toda uma cidade, um estado ou um país); após, atinge-se a pandemia (contágio e infecção de várias pessoas por uma doença, acima do esperado, abrangendo inúmeros locais e extrapolando as fronteiras de vários países; enfim, uma epidemia de caráter global, nos termos hoje usados pela Organização Mundial da Saúde)”.
No âmbito do sistema de garantias processuais penais pátrias, o art. 5º, LV, da CR/88 contempla o princípio da ampla defesa, que se desdobra em autodefesa e defesa técnica. Esta última derivação da garantia constitucional consiste no direito indisponível de o acusado constituir advogado de sua confiança ou – nas hipóteses de hipossuficiência – de ser assistido por defensor público (arts. 261 e 263, do CPP). (MILANEZ, 2015, online)
Ao exemplo do Brasil, observa-se que as mulheres encarceradas, independente de forma já condenada ou em regime provisório, são alocadas em unidades diferentes, que variam do local de prisão, das vagadas dispostas e das características do presídio a qual se destinam. “As mães que habitam o cárcere estão, portanto, em diversos locais: algumas em unidades prisionais mistas, algumas em presídios exclusivamente femininos, e outras em unidades materno-infantis (prisões que abrigam gestantes, puérperas, e mães de crianças que estão, no mínimo, em fase obrigatória de amamentação)”. (ARAÚJO, 2020, online)
Algumas sofrem revistas invasivas, são obrigadas a ficar nuas, recebem ameaça de estupro e são até estupradas em alguns casos. A especialista contou que as prisioneiras são alvo de insultos e humilhações de natureza sexual e algumas passam pelo chamado “teste de virgindade”. (ONU, 2020, online)
Atenção a seguinte afirmação de artigo publicado por Araújo (2020, online): “as mulheres compõem o grupo mais vulnerável da população no controle da pandemia: a população carcerária – que, em contexto de extrema precariedade e superlotação, sofre com um maior risco de morte.” Agora, considera-se o cenário de rápida propagação do coronavírus. Um vírus com a propagação desta magnitude presente em um ambiente tão precário, é fatal, visto que, tratando-se de população carcerária, apenas 37% dos detentos(as) encontram-se em estabelecimentos capazes de segurança sanitária.
No cenário do coronavírus, identificado inicialmente como uma epidemia, localizada na China (primeiro país a expor a enfermidade), chega-se, hoje, à classificação de pandemia, por ter atingido inúmeros países do mundo. O Código Penal possui, basicamente, três crimes, que podem ser aplicados na atual situação: epidemia (art. 267), infração de medida sanitária preventiva (art. 268) e lesão corporal (art. 129). (NUCCI, 2020, online)
Como medida de contenção do vírus, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) rapidamente soltou a Recomendação nº62. O documento, datado do final de março, sugere que dentre outros grupos, mulheres gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por criança de até doze anos possam ser beneficiadas da prisão domiciliar, em caso de cumprimento de prisão provisória. Também se refere àquelas que são responsáveis por pessoa com deficiência, idosos, indígenas ou que se enquadrem no grupo de risco. Tendo em vista que o perfil majoritário da população carcerária feminina é de mulheres jovens, com filhos pequenos, e presas por crimes relativos à lei de drogas, a recomendação do CNJ alcança uma grande parte do sistema prisional e pode ter efeitos consideráveis no controle da pandemia. (ARAÚJO, 2020, online)
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em regra, o direito maior, junto a vida, é a liberdade, que somente pode ser suprimida com observância do devido processo legal, garantido também constitucionalmente em seu art. 5º. Contudo, existe a hipótese da chamada prisão chamada processual, que ocorre de forma provisória ou preventiva. “Em ambos os casos, a lei impõe pressupostos e requisitos, mas a experiência mostra que a privação da liberdade tem sido imposta sem que se observem as exigências legais, até porque essa prisão tem servido ao propósito de impor castigo antecipadamente e obter prova dos fatos apurados, por meio da quebra da resistência psicológica – e às vezes, física – dos encarcerados sem julgamento.” (CARNELÓS, 2016, p. 5)
Diante disso, em 2018 o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) enviou ao Supremo Tribunal Federal o pedido de Habeas Corpus Coletivo nº143.461, pedindo que mulheres gestantes, recém mães e mães de crianças até 12 anos de idade que estavam sob a custódia do Estado provisoriamente, tivessem a pena de privação de liberdade substituída pela prisão domiciliar. Ou seja, solicitando o cumprimento da Lei Federal já existente. Entre as justificativas ressaltadas no documento estavam: a existência do Marco Legal da Primeira Infância, o aumento considerável das prisões provisórias, e o não acesso à saúde, principalmente em relação às mulheres grávidas e puérperas. O Habeas Corpus foi aprovado, mas ainda hoje não há estimativas de quantas mulheres foram beneficiadas por ele, e qual foi o seu real impacto na realidade dessas mães. (ARAÚJO, 2020, online)
Há também de se observar a transição dos funcionários que transitam nesses ambientes para cumprir suas obrigações, e o quanto uma epidemia dentro de determinado ambiente (neste caso, as prisões) pode afetar diretamente a vida fora deste. “Todos os dias, servidores penitenciários vão e voltam desses ambientes e podem, portanto, se tornar vetores do vírus em suas casas, no transporte público e no comércio local.” (TINOCO, 2020, online)
Entende-se então que um princípio pode ser aplicado em um caso concreto em maior ou menor grau enquanto as regras ou são aplicadas ou descartadas. Qualquer ordenamento jurídico composto unicamente por regras não conseguiria acompanhar a mutação da sociedade, ficando preso a certas situações que tendem a mudar com o tempo. E já por outro lado uma sociedade baseada unicamente em princípios colocaria em risco todas as relações, tanto entre os cidadãos quanto entre o estado para com esses. (SOARES, 2019, online)
Conclui-se então que, encontraremos o fundamento da validade do jus puniendi, bem como suas limitações, somente neste Estado Democrático de Direito. Conforme Greco (2015, p. 26), neste modelo de Estado “os direitos humanos deverão ser preservados a qualquer custo. Como diz precisamente Norberto Bobbio, o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas”.
CONCLUSÃO
A infeliz continuidade dos atos governamentais, que persistem em afastar-se da linha tênue das garantias constitucionais em matéria penal é um fato, revoltante, de fato totalmente aceitável realizar a equiparação dos direitos do acusado no processo penal ao fomento da impunidade, de forma a compreendê-los como obstáculos à efetivação da justiça, e encarar como um fato relevante.
Este dispositivo buscou analisar os princípios constitucionais em matéria processual penal aplicada a população carcerária feminina, tema este relevante para todos os acadêmicos da área jurídica, de forma a despertar um posicionamento crítico diante da realidade do processo penal e de como ela deve ser entendida à luz da Constituição Federal.
Em consonância com o Direito Penal, a primazia do princípio da dignidade da pessoa humana assegura que sejam afastadas práticas que desprezam este princípio em matéria processual, e garantem que ao indivíduo seja aplicado o princípio do devido processo legal, de forma a processá-lo, e consequentemente puni-lo se houver lei anterior, que defina o fato imputado, além de caracterizar como intolerável todas as acusações sem provas, penas vexatórias, degradantes ou torturantes, de forma a respeitar tudo o já expressamente garantido no texto constitucional.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Isabela; HORDONES, Luana. Mães invisíveis e maternidades encarceradas. 2020. Disponível em: <https://www.justificando.com/2020/05/28/maes-invisiveis-e-maternidades-encarceradas/>. Acesso em: 29 set. 2020
CARNELÓS, Eduardo Pizarro. Garantias constitucionais, direito penal e processo penal: considerações sobre uma época sombria. 2016. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RBA_n.02.08.PDF>. Acesso em: 29 set. 2020.
FAVARIN, Ana Paula. O delineamento do processo penal de garantias na CADH e na Constituição. 2018. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/processo-penal-garantias-cadh/>. Acesso em: 29 set. 2020.
MACEDO, Tahiana Fernandes de. Os princípios constitucionais no processo penal e limite ao poder punitivo do Estado. 2005. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2337/Os-principios-constitucionais-no-processo-penal-e-limite-ao-poder-punitivo-do-Estado#:~:text=Muitos%20s%C3%A3o%20os%20princ%C3%ADpios%20do,e%20do%20estado%20de%20inoc%C3%AAncia.>. Acesso em: 29 set. 2020.
MILANEZ, Bruno. Garantias processuais penais e o exercício da defesa técnica. 2015. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/garantias-processuais-penais-e-o-exercicio-da-defesa-tecnica/>. Acesso em: 29 set. 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. A pandemia do coronavírus e a aplicação da lei penal. 2020. Disponível em: <https://guilhermedesouzanucci.jusbrasil.com.br/artigos/823696891/a-pandemia-do-coronavirus-e-a-aplicacao-da-lei-penal>. Acesso em: 29 set. 2020
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pandemia agravou situação de mais de 700 mil prisioneiras no mundo. 2020. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2020/07/1720391>. Acesso em: 29 set. 2020
SOARES, Felipe Mota. Princípios constitucionais no processo penal. 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/71314/principios-constitucionais-no-processo-penal>. Acesso em: 29 set. 2020
TINOCO, Dandara. Os impactos ignorados da covid-19 para presas e egressas. 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Os-impactos-ignorados-da-covid-19-para-presas-e-egressas>. Acesso em: 29 set. 2020
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