DIREITO DE ARREPENDIMENTO DE COMPRA E A APLICABILIDADE DA LEI Nº 14.010, DE 10 DE JUNHO DE 2020 NO PERÍODO DA PANDEMIA DO COVID-19
RAPOSO, Dayane Bartolazzi
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana
E-mail: dayanebartolazzi@gmail.com
CRESPO, Pândhia Milani
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos
(FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana,
E-mail: pandhiac@gmail.com
BERNARDES, Yanka do Carmo Dias
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos
(FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana,
E-mail: yankabernardes@gmail.com
SILVA, Geovana Santana da
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF. Professora da Faculdade Metropolitana São Carlos
E-mail: gesantana@gmail.com
CASTRO, Filipe Matos Monteiro de
Especialista em Direito Público pela Faculdade Metropolitana São Carlos
Professor da Faculdade Metropolitana São Carlos
E-mail: filipemcastro@gmail.com
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo discorrer acerca do direito de arrependimento de compra do consumidor trazido pela Lei nº 14.010/2020, enquanto viger a pandemia do covid-19, fazendo um adendo as cláusulas estabelecidas por lei. O Direito de arrependimento descrito no Código de Defesa do Consumidor é uma maneira de garantir à segurança jurídica da parte hipossuficiente na relação consumerista, visto que, o consumidor é a parte mais frágil desta relação jurídica.
O Primeiro Vice-presidente do Senado Federal, no exercício da Presidência, promulgou o Decreto Legislativo nº 06/2020 onde instituiu o estado de calamidade pública no Brasil, para ajudar no combate a propagação do novo coronavírus (covid-19), esse decreto de calamidade pública trouxe no seu texto a determinação do fechamento de estabelecimentos comerciais, exceto aqueles denominados essenciais pelo Governo. Nesse diapasão, viu-se um aumento por serviços prestados de estabelecimentos de gênero alimentício por meio de delivery em relação ao período obrigatório de isolamento social.
Partindo dessa premissa, será abordada a Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020, e sua aplicabilidade no período da pandemia do covid-19 diante da suspensão da aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho utiliza o método indutivo visto que parte de um entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o direito de arrependimento de compra de produtos para se chegar a uma resposta sobre a aplicabilidade da Lei nº 14.010/2020.
Utilizou-se uma revisão de literatura com a finalidade de trazer os conceitos necessários sobre a temática em questão. Será realizada uma confrontação dos materiais colhidos com a Lei nº 14.010/2020, com a finalidade de realizar uma breve e sucinta análise do tema.
DESENVOLVIMENTO
O desejo de arrepender-se está ligado diretamente ao direito do consumidor, trata-se de uma mudança de opinião sobre algum serviço contratado ou produto adquirido, que no momento da aquisição, parecia útil e logo após não era mais necessário. Segundo o dicionário online de português, arrependimento seria “a ação de mudar de opinião ou de comportamento em relação ao que já aconteceu, ex: o arrependimento de não ter viajado” (DÍCIO, s.d, s.p.).
O CDC, em seu artigo 49, aduz que se o consumidor quiser devolver o produto ou serviço adquirido fora do estabelecimento comercial, pode o fazer no prazo máximo de sete dias, tendo o valor restituído e atualizado, entretanto, o direito ao arrependimento aqui mencionado é puro e simples, não se tratando de vício do produto adquirido. Nesse sentido é o que preconiza Flávio Tartuce:
O fundamento do direito de arrependimento do art. 49 do CDC ("ratio essendi”) é o de que o consumidor, nos contratos a distância, não vê o produto nem amostras do serviço contratado, além de, notadamente em compras pela internet, não haver tido um auxílio técnico na realização da contratação e sequer acesso a todas as informações do serviço e do produto (TARTUCE, 2020, s.p.).
É mister salientar que a relação de consumo é norteada alguns princípios, a saber, o da boa-fé, da transparência e da informação, sendo assim, o art. 4°, III, do CDC estabelece um pacto de lealdade entre as partes para evitar qualquer cláusula que se torne abusiva. Declara ainda em seu caput o princípio da transparência, segundo o qual, deve haver uma clareza sobre o que as partes contraentes naquele contrato estão adquirindo, evitando assim qualquer dúvida (PISETE; COUTINHO, 2009, s.p.).
Diante desse contexto, fica evidenciado que o consumidor precisa se prevenir e saber quais são seus direitos e obrigações, dessa forma, foi sancionada a Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) a ser adotado durante o período da pandemia do covid-19, que basicamente trata de uma lei transitória para disciplinar as relações jurídicas de Direito Privado, nesse período de crise econômica advinda da pandemia do covid-19 (BRASIL, 2020a).
Em contrapartida, embora o cliente possa desistir da compra por vontade pura e simples, a doutrina vem interpretando de forma extensiva o afastamento do art. 49 do CDC em relação ao direito de arrependimento, um exemplo é a compra via delivery por um cardápio virtual, o mesmo cardápio se apresentaria ao cliente caso ele estivesse no estabelecimento, porém, não teria direito a uma prévia do que está comprando, nesse caso não pode se arrepender da compra após consumir o produto, pois se trata de algo perecível, salvo na hipótese de vício do produto (TARTUCE, 2020, s.d.).
Assim, considerando a origem e o contexto histórico do instituto em discussão, não deve ser garantido o direito de reflexão a todo e qualquer ato de consumo realizado fora do estabelecimento físico, mas apenas nas hipóteses de assegurar ao consumidor a aquisição consciente (CAPUTTI, 2015, s.p.).
Nesse contexto, apresenta-se um julgado recente sobre o direito de arrependimento de compra a distância por uma consumidora que adquiriu um serviço de fotografia que foi negado como se vê no referido julgado:
PROCESSO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FOTOGRÁFICOS. ÁLBUM DE FORMATURA. VENDA EM DOMICÍLIO. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. ART. 49 DO CDC. INAPLICABILIDADE. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO INADIMPLIDA. MORA EX RE. SENTENÇA MANTIDA. 1. O direito de arrependimento assegurado pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor não pode ser interpretado isoladamente, mostrando-se necessário o cotejo com as demais normas do regramento jurídico. 2. O inequívoco conhecimento do tipo, quantidade e qualidade dos produtos adquiridos e a disponibilização do material em dispositivo digital (pen drive), que facilita sua reprodução, obstam o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor, ante as peculiaridades do caso concreto. 3. Nas ações monitórias baseadas em contrato de prestação de serviços, em que a obrigação é positiva, líquida e com termo certo de vencimento, os juros de mora incidem a partir do vencimento de cada parcela inadimplida, nos termos do art. 397 do Código Civil (mora ex re). 4. Apelação conhecida, mas não provida. Unânime (BRASIL, 2020b).
Entretanto, o objeto de análise do presente trabalho está voltado para o artigo 8º da Lei nº 14.010/2020, tendo sido determinado que até o dia 30 de outubro de 2020, não será aplicado o artigo 49 do CDC a algumas relações de consumo, a saber, o delivery de produtos perecíveis ou de consumo imediatos e de medicamentos, deixando uma margem de segurança para o fornecedor quanto ao direito de arrependimento de compra fora do estabelecimento comercial (BRASIL, 2020a).
Neste diapasão, o consumo por meio eletrônico vem crescendo grandemente, devido às medidas de contenção do covid-19, sendo assim, a proteção ao consumidor que adquire produtos pela internet deve ser mais assecuratória para evitar que o consumidor compre por forte pressão de propagandas sobre um produto desconhecido ou por impulso, haja vista, a facilidade de compra. Com isso o direito de arrependimento previsto o art. 49 do CDC está intrinsecamente ligado a proteção da parte hipossuficiente, de forma que “o direito de arrependimento serve para contrapor a força econômica dominante do fornecedor em detrimento da vulnerabilidade absoluta do consumidor” (BARROS; SILVEIRA, 2020, s.p.).
Por conseguinte, as grandes empresas virtuais caminham a passos largos para se tornarem as pioneiras em vendas pela internet, a pandemia veio consolidar esse pensamento e se tratando de uma relação de consumo, o RJET veio para afastar, em algumas situações, a aplicabilidade temporariamente do art. 49 do CDC, dando proteção aos fornecedores, limitando apenas as compras por meio de delivery de produtos perecíveis ou de consumo imediatos e medicamentos fora do estabelecimento comercial (TARTUCE, 2020, s.p.).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O direito desde a sua criação vem mudando de acordo com a evolução social e política. Nota-se que a relação consumerista vem sofrendo grandes mudanças com o passar dos anos, a todo o momento o mundo é acometido por uma crise global, ora política, ora educacional, ora na área da saúde pública e tratando-se de um acontecimento não planejado pelo mundo, viu-se a necessidade de mais uma transformação no direito consumerista. Nesse sentido, “o direito pode e deve ser protagonista de uma verdadeira revolução, capaz de vencer o determinismo econômico e de produzir um impacto estrutural na sociedade brasileira” (GALVÃO, 2015, p. 8, apud, SALOMÃO FILHO, 2003, s.p.).
É cediço que, o mundo não estava preparado para uma pandemia que vivemos hoje, atingindo todas as classes econômicas do nosso país, os que possuem mais recursos conseguem retardar os efeitos econômicos, os que não possuem, são os primeiros a sofrerem o impacto.
Diante de todo o exposto, fica evidente que o legislador deu uma interpretação extensiva ao artigo 49 do CDC, com o art. 8º do RJET, nas hipóteses mencionadas no referido artigo e que ficará em vigor até 30 de outubro de 2020, porém, ainda existem muitas controvérsias sobre o tema, mas inicialmente o desejo do legislador foi trazer mais segurança jurídica durante o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus (TARTUCE,2020, s.p.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desse contexto, fica evidenciado que o consumidor precisa se prevenir e saber quais são seus direitos e obrigações, pensando nisso, diante desse cenário foi sancionada a Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020, que basicamente trata-se de uma lei transitória para disciplinar as relações jurídicas de Direito Privado nesse período de crise econômica do covid-19. O que nos interessa é o que está descrito no artigo 8º da referida lei, ao se tratar do direito do consumidor, ficou estabelecido que até o dia 30 de outubro de 2020, não será aplicado o artigo 49 do CDC a algumas relações de consumo, a saber, delivery de produtos perecíveis de consumo imediatos e medicamentos.
A Lei nº 14.010/2020 traz em seu artigo 8º interpretação extensiva do art. 49 do CDC, isso em relação a produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos, que são fornecidos por meio de delivery, a intenção é resguardar o fornecedor nesse período de crise do direito de arrependimento de compra do consumidor até 30 de outubro de 2020. Portanto, isso não significa que o consumidor perdeu seu direito garantido no Código de Defesa do Consumidor, pelo contrário, foi uma maneira de exercer o que coaduna o artigo 4º do CDC, sobre a boa-fé e o equilíbrio nas relações consumeristas.
REFERÊNCIAS
BARROS, João Pedro Leite; SILVEIRA, Marcelo Matos Amaro da. O direito de arrependimento do consumidor e o RJET: Impactos diretos e indiretos da lei 14.010/2020 no art. 49 do CDC. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/329823/o-direito-de-arrependimento-do-consumidor-e-o-rjet--impactos-diretos-e-indiretos-da-lei-14-010-2020-no-art--49-do-cdc. Acesso em: 28 de set. 2020.
BRASIL. Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). 2020a.Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.010-de-10-de-junho-de-2020-261279456. Acesso em: 24 de set. 2020.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Processo nº 0714915-77.2019.8.07.0001, Relatora Desembargadora Fátima Rafael, 3ª Turma Cível, Data da publicação: 20/03/2020. 2020b. Disponível em: https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/825655617/7149157720198070001-df-0714915-7720198070001?ref=serp. Acesso em 28 de set. de 2020.
GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. Direito e transformação social Contributos teóricos para a reconstrução de uma teoria jurídica emancipatória. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/ Acesso em: 28 set. 2020.
NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao código de defesa do consumidor. Saraiva Educação SA, 2017.
PISETE, Alessandra de A. B. S; COUTINHO, Sally Anne Bowner Beça. Princípio da informação e transparência nas relações de consumo em telefonia fixa. In âmbito Jurídico. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-61/. Acesso em: 29 de set. 2020.
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