O IMPACTO CAUSADO PELO COVID-19 NOS DIREITOS DOS DETENTOS
MOTTA, Taylor Dellatorre
Discente do Curso de Graduação de Bacharelado em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC-Campus Bom Jesus);
taylor_dellatorre@hotmail.com
MELLO, Márcio Caldas Dias
Pós-Graduado pela Faculdade Candido Mendes. MBA em Segurança Pública pela FGV.
professormcaldas@gmail.com;
FERREIRA. Oswaldo Moreira
Mestre em Cognição e Linguagem na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro UENF;
oswaldomf@gmail.com.
CAPUA, Valdeci Ataíde
Mestre em Relações Privadas e Constituição pela Faculdade de Direito de Goytacazes.
valdeci_adv@hotmail.com
INTRODUÇÃO
O presente resumo expandido busca tratar sobre os impactos causados pelo Covid19 (corona vírus) nas cadeias e no sistema prisional brasileiro, afetando diretamente nos direitos inerentes aos detentos que se encontram enclausurados em celas abarrotadas com condições desumanas.
As normas jurídicas que disciplinam as relações ocorridas no âmbito penal carcerária se encontra positivada pela Constituição Federal de 1988 e a Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84) que garantem a estes presos que seus direitos sejam assegurados, sendo vedado tratamento desumanos ou degradantes e penas cruéis. Assim, com base na legislação vigente, tem se em favor destes presos os direitos a banho de sol, visitas, alimentação e outras, desta forma, tem fixada uma maneira de assegurar a integridade física e psicológica do preso.
Notório se faz a necessidade de compreender a complexidade das relações vivenciadas atualmente devido à alta taxa de contaminação do vírus (covid-19) nas cadeias brasileiras para assim destacar os acontecimentos ocorridos diante dos fatos.
MATERIAL E MÉTODOS
Em razão do modelo de trabalho adotado e dada sua característica sui generis, o material empregado será a análise de bibliografia, por meio de artigos Científicos e sites eletrônicos da web, comparando-a com a legislação nacional, principalmente com a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 e a Lei de Execução Penal (Lei n. 7210/84). Dada sua característica, por evidente que esse trabalho não pretende, de forma alguma, esgotar o tema, ao contrário, essa será apenas uma breve explanação do assunto que guarda consigo uma gama de vertentes passíveis de maiores análises e discussões.
DESENVOLVIMENTO
Em um primeiro momento, destaca-se que somente com o advento da Lei de Execução Penal (Lei n. 721/84) os detentos passaram a ser sujeitos de direitos e deveres nas penitenciarias brasileiras, anteriormente, aos encarcerados só eram impostos deveres, muitas das vezes em total desarmonia com sua integridade física e moral.
O autor Adeildo Nunes (2016) aduz o seguinte a respeito de como os presos eram tratados antigamente:
O preso era um animal irracional, equiparado ao doente mental e ao menor de 18 anos de idade (inimputabilidade), pois a legislação brasileira não lhe conferia o direito de pleitear, por sua iniciativa, a tutela jurisdicional ou administrativa. Assim, pois, necessitasse o detento de um atendimento médico fora da prisão, por exemplo, caberia à administração do presídio requisitar ao juiz a remoção do recluso a um hospital, pois o preso não tinha capacidade civil para peticionar aos órgãos públicos (NUNES, 2016, p.77).
A positivação da Constituição Federal e da Lei de Execução Penal (Lei n. 7210/84), precisamente no Art. 40 que aduz que: “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios (BRASIL, 1984), em sequência ao dispositivo apresentado, o artigo 41 do mesmo diploma é mais especifico ao assegurar em seu inciso “X” que o preso tem direito a visita do cônjuge, companheira, parentes e amigos em dias determinados.
Outra modalidade a ser disponibilizada em favor do detento é a visita intima, esta que, não se encontra regulamentada, mas, foi criada dos costumes e é permitida há muitos anos nos presídios do país, entretanto, não basta somente o mero desejo do preso, as penitenciarias do Estado de Pernambuco exigem entre o casal a comprovação de laços afetivos, apurados por laudo social elaborado dentro da prisão e em conformidade com a situação fática e jurídica de cada detento, onde é realizado testes de HIV pelo casal.
Para Adeildo Nunes (2016):
Essas visitas, com evidência, surgiram com a intenção de contribuir com a recuperação do criminoso, até porque, notoriamente, a presença da família junto ao preso é absolutamente necessária para objetivar a ressocialização do presidiário. Sem que a família do preso participe ativamente do processo de recuperação será muito mais difícil recuperar todos aqueles que cometeram crimes e que um dia retornarão ao convívio social. Nesse prisma, a convivência familiar com o criminoso é primordial para um retorno harmonioso do criminoso ao seio social no final do cumprimento da pena de prisão. A autorização ao detento de manter contato com familiares e pessoas próximas a ele, dentro do presídio, tem o intuito de amenizar a solidão carcerária e, principalmente, o fim de contribuir para a sua ressocialização (NUNES, 2016, p.78).
Outro ponto a se destacar no que se refere a direito dos detentos é a concessão que o preso tem ao ser exposto a luz do sol, embora não se encontre previsto no rol dos direitos elencados pelos artigos 40 e 41 da LEP, o banho de sol é encarado como uma das formas de garantir a manutenção da integridade psicológica do preso, pois estes são transferidos para uma dependência externa da cela onde possua circulação de ar livre, provendo tambem uma melhor saúde física ao preso, visto que a falta de exposição ao sol ocasiona doenças e proliferação de bactérias, provocando uma baixa imunidade aos detentos que muitas das vezes se encontram enclausurados em espaços altamente superlotados.
A LEP em seu artigo 52, inciso IV, elenca que o preso em regime disciplinar diferenciado tem “direito à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso”.
Deste modo, o Superior Tribunal Federal, por meio do Ministro Celso de Mello, concedeu HC coletivo em favor dos detentos de uma unidade prisional localizado no interior do Estado de São Paulo para que o direito ao banho de sol fosse assegurado, uma vez que a administração da penitenciaria havia restringido este direito, segue ementa:
EMENTA: 1. O caso em julgamento: formulação de tutela cautelar. 2. A questão do “habeas corpus” coletivo como instrumento constitucional de defesa de direitos individuais homogêneos. 3. O sistema penitenciário brasileiro: expressão visível (e lamentável) de um anômalo “estado de coisas inconstitucional”. 4. Democracia constitucional, proteção dos grupos vulneráveis (integrados, no caso, por pessoas que compõem o universo penitenciário) e função contra majoritária do Supremo Tribunal Federal no exercício de sua jurisdição constitucional. 5. Legitimidade do controle jurisdicional das políticas públicas, inclusive em matéria penitenciária, e a reserva do possível. 6. Escassez de recursos e a questão das “escolhas trágicas”: um dilema que se resolve pela preponderância do “mínimo existencial”. 7. O direito à saída da cela por 02 (duas) horas diárias para banho de sol como prerrogativa inafastável de todos aqueles que compõem o universo penitenciário brasileiro, mesmo em favor daqueles sujeitos ao regime disciplinar diferenciado (LEP, art. 52, IV). 8. Conclusão: concessão de medida cautelar (STF, HC 172136 MC/SP, Julg: 18/08/2020. Min. CELSO DE MELLO).
O Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Rogério Sanches Cunha, corrobora o entendimento ao direito de banho de sol aos detentos e afirma ainda que: “(...) Se o benefício é garantido até mesmo a autores de crime doloso que ocasione subversão da ordem e da disciplina internas, com mais razão o deve ser aos demais indivíduos recolhidos no estabelecimento prisional” (CUNHA, 2019, s.p.).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Devido ao surto de Corona vírus (Covid19) e com a decretação de pandemia em todo o território global, muitos dos direitos inerentes aos cidadãos de modo geral foram atingidos, como exemplo o direito de ir e vir, este, suprimido pela decretação de lockdown, devido a este efeito, medidas alternativas tiveram de serem tomadas a fim de garantir uma certa eficiência e prudência no que se refere aos direitos dos detentos encarcerados nas penitenciarias brasileiras.
O direito elencado pelo artigo 41, inciso X, fora suprimido e consequentemente violado, fato este, devido ao momento vivido durante a pandemia, com a decretação de lockdown, os presos ficaram impedidos de receberem suas visitas nas dependências da penitenciária. Entretanto, uma medida alternativa foi criada a fim de manter o convívio do preso com sua família, fora implantado o sistema de visitas virtuais, projeto criado pelo Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Instituto Humanitas 360 (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020, s,p).
Alguns familiares têm demonstrado total insatisfação com o sistema apresentado e com o resultado obtido, alguns relatos mostram a falta de certeza quanto ao devido processo estabelecido:
G.* comenta que esse tem sido um obstáculo para falar com seu irmão e com o pai de seu filho. “Os negócios que a SAP (Secretária de Administração Penitenciária) está proporcionando, nem todo mundo tem meios de acesso. Tem família que não tem. Se para mim já está difícil retorno na comunicação, imagine para eles” (PONTE.ORG, 2020, s.p.).
A esposa de um detento do presídio de Parelheiros foi informada que presos com faltas médias ou graves nos últimos seis meses não teriam direito a videochamada - algo que não impede visitas presenciais, vetadas apenas àqueles que estão na ala disciplinar, a "solitária". Restivo afirmou que as visitas virtuais seguem a mesma regra, e só os presos em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) são barrados (GZH GERAL, 2020, s.p.).
Com a ineficiência do serviço de videoconferência entre o familiar e o preso, outra medida que é adotada para amenizar o impacto causado pelo Coronavírus com a proibição da visita presencial é o envio de e-mail/carta para o presídio. Muito embora seja uma medida de fácil manuseio e controle as mesmas dificuldades são encontradas neste método, segue o relato de outras pessoas:
Já que não conseguiu marcar uma visita online, G. usa o e-mail. “Eu já mandei três e não tive retorno ainda. Às vezes liga para perguntar e não falam nada, não dão informação de como o preso está. Também não consigo agendar a chamada então é só por carta” (PONTE.ORG, 2020, s.p.).
“Eles começaram a liberar esse contato por e-mail e é uma burocracia para você mandar e vir o retorno na mesma semana. Às vezes passa mais de uma semana para vir. A última vez que falei com ele [familiar preso] foi a duas semanas atrás” (GZH GERAL, 2020, s.p.).
Outros meios ao qual estão passando os presos durante a pandemia se refere a falta de banho de sol e a precariedade das unidades carcerárias, a respeito disso segue relato:
Segundo inspeção feita pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Nesc) no dia 20 de agosto, os detentos estão em celas superlotadas, não têm o direito ao banho de sol respeitado e receberam apenas duas máscaras da unidade desde o início do isolamento (BRASIL DE FATO, 2020, s.p.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o momento vivenciado devido ao avanço do Coronavírus, a incerteza de uma vacina eficaz e alta taxa de contaminação já existente nas unidades carcerárias, a positivação dos direitos dos presos tem sofrido impacto relevante com a falta das visitas presenciais e banho de sol em determinadas unidades.
Atualmente, segundo os dados do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) 26.038 (vinte e seis mil e trinta e oito) presos estão contaminados com a Covid-19, número este, elevado, mesmo com as restrições impostas e com as medidas preventivas realizadas, o número de óbitos nas cadeias devido ao surto da doença já ultrapassa os 100. Portanto, as medidas cautelares devem ser cada vez mais firmes em relação aos presos e consequentemente as visitas presenciais devem continuar impedidas por tempo indeterminado a fim de se evitar uma maior proliferação da doença.
REFERÊNCIAS
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 set. 2020.
BRASIL. LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. Lei de Execução Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em 29 set. 2020.
BRASIL DE FATO. Superlotação e corte de água expõem presos em centro de detenção de Osasco à covid-19. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/09/04/superlotacao-e-corte-de-agua-expoem-presos-do-cdp-ii-de-osasco-a-covid-19. Acesso em: 29 set. 2020.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Coronavírus: Visitas virtuais amenizam impacto de fechamento de presídios. 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/visitas-virtuais-amenizam-impacto-de-fechamento-total-de-presidios/. Acesso em: 29 set. 2020.
CUNHA, Rogério Sanches. STF: Presos têm direito a no mínimo duas horas diárias de banho de sol. 2019. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/07/22/stf-presos-tem-direito-no-minimo-duas-horas-diarias-de-banho-de-sol/#:~:text=01%2F07%2F2019%20impetrado%20pela,ao%20menos%20duas%20horas%20di%C3%A1rias. Acesso em: 29 set. 2020.
DEPEN – DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYThhMjk5YjgtZWQwYS00ODlkLTg4NDgtZTFhMTgzYmQ2MGVlIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em: 29 set. 2020.
GZH GERAL. Sem visitas, presos de SP fazem videochamada de cinco minutos e evitam falar sobre Covid-19. 2020. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2020/08/sem-visitas-presos-de-sp-fazem-videochamada-de-cinco-minutos-e-evitam-falar-sobre-covid-19-ckdi006ap003j01h8g059onu3.html. Acesso em: 29 set. 2020.
NUNES, Adeildo. Comentários à lei de execução penal. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2016. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530973476/epubcfi/6/10%5B%3Bvnd.vst.idref%3Dhtml05%5D!/4/4%400:88.8. Acesso em: 29 set. 2020.
PONTE.ORG. ‘Preso em isolamento’: familiares temem pela vida de detentos durante a pandemia. 2020. Disponível em: https://ponte.org/preso-em-isolamento-familiares-temem-pela-vida-de-detentos-durante-a-pandemia/. Acesso em: 29 set. 2020.
SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus. Min. Celso de Mello. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1133086/false. Acesso em: 29 set. 2020.
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