PRISÃO DOMICILIAR DO DEVEDOR DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE FRENTE À PANDEMIA PROVOCADA PELO NOVO CORONAVÍRUS
LOPES, Sara Faria
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana, 6º Período
sarinhafarialopes@hotmail.com
PREPÉTA, Thais da Silva
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana, 6º Período
thaisprepetabj@gmail.com
MELO, Bruno Cleuder de. Professor Orientador.
Delegado de Polícia Civil do RJ. Especialista em Direito Público pela Faculdade Metropolitana São Carlos - FAMESC (2014).
brunocleuder@yahoo.com.br
PAULISTA, Bárbara Rangel. Professora Orientadora.
Advogada. Especialista em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (2018).
drabarbarapaulista@gmail.com
ALTOÉ, Maria Izabel Azevedo. Professora Orientadora.
Magistrada. Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (PPGDIR/UFES).
mialtoe2010@hotmail.com
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar, de maneira sucinta, a necessidade da aplicação da norma disposta na Lei 14010/2020 que faz com que a prisão do devedor de alimentos, durante o período da pandemia do novo Coronavírus, ocorra na modalidade domiciliar.
A relevância do trabalho reside na necessidade de encontrar mecanismos que busquem prevenir a rápida disseminação doença, especialmente no sistema carcerário brasileiro que encontra-se superlotado, tendo por base a recomendação das autoridades sanitárias de que seja feito isolamento social e higienização constante das pessoas e dos ambientes onde se encontram.
A determinação de cumprimento da prisão civil exclusivamente na modalidade domiciliar está disposta no artigo 15 do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), norma excepcional e transitória que disciplina questões do Direito Privado, em virtude da atual situação epidemiológica enfrentada a nível mundial.
MATERIAL E MÉTODOS
O método científico utilizado para a elaboração do presente pautou-se no emprego do método qualitativo de revisão bibliográfica. Como técnicas de pesquisa, optou-se pela revisão bibliográfica, no formato sistemático, com a utilização de doutrina, legislação e artigos na internet.
DESENVOLVIMENTO
A pandemia do novo Coronavírus (Covid-19) exigiu a tomada de diversas medidas para seu enfrentamento em todos os âmbitos da sociedade. Nesse contexto, a Lei nº14.010 de 10 de junho de 2020 denominada Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET), fora criada para regular as relações durante este período (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020, p.5-6).
O artigo 1º da mencionada norma, dispõe que esta tem caráter emergencial e transitório, cabe destacar que a RJET não tem como objetivo modificar ou revogar dispositivos da legislação civil (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020, p.5-6). Com base em Didier (2017, p. 65), no estudo da norma processual civil no tempo, destaca que a lei nova deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, bem como aos processos que serão iniciados, todavia, deve-se respeitar os atos processuais já praticados, bem como as situações jurídicas consolidadas, como o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, com o distanciamento social necessário para conter a rápida disseminação do novo Coronavírus, objetivando evitar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) e consequente aumento do número do óbitos, a Lei nº14.010/20 determinou que o cumprimento da prisão civil em virtude da não prestação de alimentos deveria ser exclusivamente domiciliar (GONZAGA, 2020, s.p.).
O art. 15 da Lei 14.010 de 2020 diz:
Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações” (Lei 14.010/20)
Barroso (2018, s.p.) salienta que, no Brasil há diferentes tipos de prisão como por exemplo a prisão temporária, preventiva, para extradição e etc. O inciso LXVII do art.5° da Constituição Federal trata que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário.” Não sendo, portanto, essa uma prisão criminal, mas sim em decorrência do não pagamento de alimentos ao alimentando, sendo essa portanto uma medida excepcional (BARROSO, 2018, s.p.).
Desde a Constituição de 1967, firmou-se o entendimento de que a prisão civil deveria ser um exceção, somente aplicada nos casos mencionados anteriormente. Todavia, a Súmula Vinculante nº 25 declarou ilícita a prisão civil do depositário infiel, dessa forma, no Brasil, atualmente, a única hipótese de privação do direito de liberdade do indivíduo decorrente de dívida é o inadimplemento de alimentos (GAGLIANO; PLAMPONA, 2019, p. 350-351).
Consoante Gonzaga (2020, s.p.), é obrigação dos pais ou responsáveis o pagamento de verba alimentícia aos filhos. O grande impacto econômico provocado pela pandemia e o isolamento social não tiram do devedor essa obrigação, pois as despesas não podem recair somente para aquele que detém a guarda do menor. Com isso, as obrigações devem ser cumpridas ou negociadas para que o alimentando não seja prejudicado.
Nos casos em que há o débito dos alimentos, cabe ao representante legal ajuizar ação de execução de alimentos, podendo esta seguir o rito de penhora ou o rito de prisão, observando, entretanto, as regras contidas no Código de Processo Civil de 2015 (GAGLIANO; PLAMPONA, 2019, p.352). No que tange a execução sob o rito de prisão, o Supremo Tribunal Federal entendeu, com a edição da Súmula 309, que para haver a prisão civil é necessário a não quitação dos três meses anteriores à citação, bem como as prestações que vierem a vencer no curso do processo (GAGLIANO; PLAMPONA, 2019, p.356).
A prisão civil não tem por objetivo punir o inadimplemento, mas coagir o alimentante para que este efetue o pagamento. Caso não quite o débito o magistrado decretará a prisão, que seria em regime fechado. Todavia, o devedor, ora alimentante, ficaria separado dos presos comuns, por não se tratar de uma pena, e sim uma medida pedagógica e coercitiva (AGUIAR, 2020 p.8).
De toda forma, como já dito, a RJET determinou que as prisões que vierem a ser decretadas até o dia 30 de outubro de 2020 deverão ser cumpridas, exclusivamente, sob a modalidade domiciliar.
De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público, a ocupação dos presídios, em 2019, chegava a 733.460 (setecentos e trinta e três mil quatrocentos e sessenta) indivíduos cumprindo medidas restritivas de liberdade, sendo quase o dobro da capacidade da população carcerária que era de 441.147 (quatrocentos e quarenta e um mil cento e quarenta e sete pessoas). Nota-se que é inviável manter o distanciamento social determinado pelas autoridades de saúde para a prevenção do novo Coronavírus em uma unidade penitenciária, o que reforça a aplicabilidade da prisão domiciliar do alimentante inadimplente (AGUIAR, 2020, p.10).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em junho de 2020 o Plenário do Conselho Nacional de Justiça, renovou a recomendação 62 que trata das orientações ao Poder Judiciário para evitar a contaminação em massa do novo Coronavirus no sistema prisional e socioeducativo. A recomendação dilatou o prazo para mais 90 dias em virtude da permanência do contexto trazido pela pandemia (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2020, s.p.).
Ainda de acordo com a Revista Consultor Jurídico (2020, s.p), ocorreu um aumento de 800% nas taxas de contaminação nos presídios desde maio, chegando a mais de 2,2 mil casos em junho. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) desde o começo da pandemia, vem trazendo canais junto aos tribunais para dar suporte técnico e monitorar a adesão voluntaria a Recomendação 62. Uma das premissas da normativa que induz o magistrado a rever prisões de pessoas de grupo de risco e em final de pena que não tenha praticado crime violento ou com grave ameaça (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2020, s.p.).
Um levantamento traz que 32,5 mil pessoas, saíram das unidades prisionais em três meses decorrente da Recomendação 62, adaptando-se, portanto, a outro formato como prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico. Dessa forma, trata-se de um total de 4,78% de indivíduos em privação de liberdade, cumprindo em regime aberto e presos em delegacias (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2020, s.p.). A organização Human Rights Watch traz que em média, 5% das pessoas privadas de liberdades no mundo saíram das prisões em decorrência da pandemia do Covid-19.
De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 15.569 pessoas presas já foram contaminadas pelo Coronavírus no Brasil. Somando-se os casos de contaminação entre os servidores, a quantidade de indivíduos infectados pelo Coronavirus no sistema carcerário totaliza a 22.477 (SUDRÉ, 2020, s.p).
Consoante ao autor supracitado, o número de pessoas no sistema prisional que perderam a vida em decorrência da COVID-19 chega a 89 presos e 73 servidores registrados desde o começo da pandemia, até o presente momento. O CNJ focaliza ainda que as regiões Sudeste e Centro-Oeste centralizam a maior porcentagem de diagnósticos positivos entre os encarcerados.
De acordo com Sudré (2020, s.p), as medidas determinadas pela sociedade como o distanciamento social e a própria higienização são questões impossíveis em unidades superlotadas, pois no sistema prisional não garantem o mínimo em relação a água e itens de higienização pessoal. Havendo, portanto, uma contaminação desenfreada, quase metade dos indivíduos nas unidades prisionais já testados foram ou estão contaminados.
A melhor medida a ser tomada seria o desencarceramento principalmente nas condutas que não são realizadas com grave ameaça ou violência. O STF já declarou há alguns anos a inconstitucionalidade de algumas situações que ocorrem dentro do sistema prisional brasileiro que não garante os direitos inerentes às pessoas, ou seja, estas existem à margem da legalidade (SUDRÉ, 2020, s.p).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, analisando o assunto abordado, conclui-se que a medida trazida na Lei 14.010/2020, com a suspensão do encarceramento em regime fechado do devedor de alimentos, optando pela prisão domiciliar nesse período, se apresenta como a maneira mais adequada para conter o rápido avanço da doença, em especial, no sistema prisional. Dessa forma, é possível garantir que este cidadão cumpra o isolamento social, sem deixar de assegurar ao alimentado seu direito constitucionalmente previsto, uma vez que, a despeito dos desafios econômicos enfrentados, a responsabilidade do alimentante não se exime.
Entretanto, mesmo sendo aplicado o disposto na RJET, o sistema prisional brasileiro é precário e a superlotação dos presídios tornou-se uma realidade que deve ser enfrentada pelos governantes, pois nota-se que é inviável o cumprimento das medidas de distanciamento social e de higienização para não propagação do novo Coronavírus.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Wesley Mello. SUSPENSÃO DA PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA ALIMENTAR EM TEMPOS DE PANDEMIA: ANÁLISE DO HABEAS CORPUS N. 580.261/MG DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/134/100> Acesso em: 25 set. 2020.
BARROSO, Henrique Gabriel. “Como funciona a prisão por pensão alimentícia? Qual o entendimento do STJ sobre o assunto?” Disponível em: <https://henriquebarroso.jusbrasil.com.br/artigos/561236489/como-funciona-a-prisao-por-pensao-alimenticia-qual-o-entendimento-do-stj-sobre-o-assunto> Acesso em: 19 de set. de 2020.
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, “CNJ renova recomendação para que se evite contaminação em massa nos presídios.” Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jun-12/cnj-renova-recomendacao-contaminacao-massa-presidios> Acesso em 26 de set. 2020
DIDIER, Fredie Jr. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento - 19. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil 2 – obrigações. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553617685/cfi/5!/4/4@0.00:0.00> Acesso em: 22 set. 2020.
GONZAGA, Daniele de Faria Ribeiro. “STJ decide pela prisão domiciliar para devedores de pensão alimentícia, em razão da pandemia de covid-19”. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/323757/stj-decide-pela-prisao-domiciliar-para-devedores-de-pensao-alimenticia--em-razao-da-pandemia-de-covid-19> Acesso em: 19 de set. de 2020.
PLANALTO, LEI Nº 14.010, DE 10 DE JUNHO DE 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019 2022/2020/Lei/L14010.htm#:~:text=Art.%201%C2%BA%20Esta%20Lei%20institui,coronav%C3%ADrus%20(Covid%2D19).> Acesso em: 18 set. 2020.
SUDRÉ, Lu, “Casos de covid-19 no sistema carcerário aumentam 72,4% em um mês.” Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/08/12/casos-de-covid-19-no-sistema-carcerario-aumentam-72-4-em-um-mes> Acesso em 26 de set. 2020.
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