A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL E O CENÁRIO PANDÊMICO
SILVA, Fátima Cristina Souza da
Graduanda do 6º período do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.
E-mail: fatymasjc@hotmail.com;
FARIA, Kenedy Oliveira
Graduando do 5º período do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.
E-mail: faria.kenedy@gmail.com;
MELO, Bruno Cleuder de. Professor Orientador.
Delegado de Polícia Civil do RJ. Especialista em Direito Público pela Faculdade Metropolitana São Carlos - FAMESC (2014).
brunocleuder@yahoo.com.br
PAULISTA, Bárbara Rangel. Professora Orientadora.
Advogada. Especialista em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (2018).
drabarbarapaulista@gmail.com
ALTOÉ, Maria Izabel Azevedo. Professora Orientadora.
Magistrada. Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (PPGDIR/UFES).
mialtoe2010@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A pandemia causada pelo Novo Coronavírus (COVID-19) tem deixado reflexos na saúde, nas relações sociais e na economia em todo o mundo. No Brasil, os impactos provocados na atividade econômica estão sendo avaliados e mensurados, dentre eles a diminuição na renda dos trabalhadores e empresas, com elevação do número de desemprego. Nesse contexto, os contratos que envolvem direitos reais também são afetados.
O presente resumo possui o objetivo de analisar a alienação fiduciária de bem imóvel enquanto direito real de garantia e os impactos que a pandemia provocou sobre esse instituto e as partes envolvidas.
A importância desse estudo reside na ampla utilização desse direito real atualmente, em especial, no programa do Sistema Financeiro Imobiliário, de acordo com os ditames da Lei 9.514/1997. A Alienação fiduciária possui como base a resolução de evento futuro e incerto e, nesse aspecto, o momento de instabilidade na economia afeta inúmeros contratos e negócios jurídicos, cabendo aos operadores do direito buscar métodos alternativos para resolver as demandas e dar uma melhor solução frente ao cenário de pandemia.
MATERIAL E MÉTODOS
Para a elaboração do presente estudo será adotado o método qualitativo, com a realização de revisão bibliográfica, consultas em sites acadêmicos e livros que abordam a importância do assunto discutido.
DESENVOLVIMENTO
Inicialmente, cabe destacar que a doutrina apresenta alguns conceitos para definir a alienação fiduciária. Nesse sentido, fidúcia é uma garantia dada pelo fiduciante-devedor ao credor fiduciário, com o qual é celebrado um contrato de mútuo (BENATTI, s.d).
A lei 9.514 de 20 de novembro de 1997 apresenta em seu artigo 22, caput, o conceito de alienação fiduciária sobre coisa imóvel:
A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel (BRASIL, 1997).
Trata-se de condição resolutiva, qual seja, o evento futuro e incerto do pagamento total da dívida. Após cumprida a obrigação principal, a propriedade passa a ser do consumidor-fiduciante. Desta forma, o banco-fiduciário é o titular de um direito real de propriedade com uma condição resolutiva e o consumidor-fiduciante tem a efetiva titularidade de um direito real de aquisição. Logo, a propriedade fiduciária tem natureza de direito real e oponível erga omnes (OLIVEIRA, 2019, p. 4).
Ainda faz-se necessário um conceito doutrinário a respeito do instituto em estudo. Nas palavras de Maria Helena Diniz:
“A” pretende comprar “X”, mas, como não possui dinheiro disponível, “B” (financeira) fornece-lhe o quantum necessário, mas recebe a propriedade fiduciária de “X”, como garantia de que “A” (fiduciante), possuidor direto, far-lhe-á o pagamento. “B” (fiduciário) é, portanto, proprietário e possuidor indireto (OLIVEIRA, 2016, s.p, apud DINIZ, 2014, s.p).
Assim, pode-se entender que na alienação fiduciária, a propriedade fiduciária é uma forma de propriedade resolúvel para garantir o cumprimento de uma obrigação principal (contrato de mútuo). Em síntese, ocorre a transferência da propriedade resolúvel ao credor-fiduciário, ao passo que o devedor-fiduciante tem a posse direta do bem até que o contrato se finde. Desta forma, se houver o adimplemento total da dívida, o bem imóvel retornará para a propriedade do devedor-fiduciante (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO; 2020, p. 114).
Ressalta-se que se vencida a dívida e não paga, o credor fica obrigado a alienar o bem imóvel, de forma extrajudicial ou judicial, e aplicará o valor recebido da alienação para o pagamento de seu crédito e das demais despesas. Logo, a cláusula que autorizar o proprietário fiduciário a ficar com o bem alienado em garantia do pagamento da dívida será declarada nula. Não obstante, nada impede que ocorra dação em pagamento, desde que com anuência do credor (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO; 2020, p. 116).
A alienação fiduciária pode ser contratada por pessoa física ou jurídica, por meio de um contrato unilateral e deverá conter os seguintes elementos: o total da dívida ou sua estimativa; o local, a data e a forma de pagamento; a taxa de juros; e a identificação dos direitos creditórios objeto da cessão fiduciária (BRASIL, 1997).
Na vivência do contexto da pandemia, o Governo Federal editou a Medida Provisória 992 de 16 de julho de 2020, que versa, dentre outros assuntos, sobre o compartilhamento de alienação fiduciária. Essa medida chama a atenção uma vez que amplia o potencial da garantia fiduciária sobre bens imóveis, visando o fomento da atividade econômica (CHALHUB, 2020).
A possibilidade trazida pela Medida Provisória de compartilhar a garantia, pode vir a contribuir para que sejam abertas novas linhas de crédito bancário, o que pode gerar o aumento da atividade produtiva (CHALHUB, 2020).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com o advento da pandemia ocasionada pelo Novo Coronavírus desde 26 de fevereiro de 2020, toda a dinâmica global e também a dinâmica brasileira foram afetadas, deixando diversos setores paralisados por ordem de decretos municipais, estaduais e federais, voltados à contenção do vírus e somente com funcionamento de atividades consideradas fundamentais para a contenção viral (SANTOS, 2020).
Em decorrência da Pandemia, é sabido que a economia foi severamente afetada, muitos perderam seus empregos, negócios foram fechados por não conseguirem se manter, entre outros prejuízos econômicos (JÚNIOR, 2020).
Com toda esta nova conjectura, o mercado imobiliário sofreu grandes impactos, uma vez que inúmeras discussões sobre a aplicação da teoria da imprevisão e da força maior foram elucidadas nos contratos, inclusive na alienação fiduciária (SANTOS, 2020).
Na alienação fiduciária de bens imóveis, Almeida (2019) salienta que, após a leitura do art. 22 da Lei n° 9.514/97, verifica-se que o objetivo da transmissão de domínio é garantir que a adimplência principal seja mantida, ou seja, unificar em dinheiro ou sob forma de mútuo.
Junqueira (1998) e Dantzguer (2007) afirmam que no negócio fiduciário o fator confiança precisa prevalecer, ou seja, dois elementos essenciais devem ser mantidos. O primeiro elemento é o de natureza real e o segundo de natureza obrigacional. A natureza real consiste na transmissão de propriedade, e a natureza obrigacional, consiste na devolução do bem, quando esgotado o alvo presente no contrato.
Com a paralisação, os devedores que também são chamados fiduciários, sofreram e sofrem com a redução monetária, gerando desequilíbrio na relação contratual (SANTOS, 2020).
No entanto, todo contrato gera uma responsabilidade, que corresponde às consequências em caso de descumprimento das obrigações no caso com fonte contratual (JÚNIOR, 2020).
A pandemia em si não pode ser considerada apta a gerar direito a inadimplência ou à moratória, caso tenha a redução no poder do pagamento (SANTOS, 2020).
Embora não possa ser considerada regra geral, quando atingido pela paralisação ocasionada pela pandemia, o devedor/fiduciário que demonstrar, em cada caso específico, que não possui capacidade de pagamento, não sofrerá as consequências da mora, uma vez que não haverá mora por ausência do elemento subjetivo. Com isto, estará isento do pagamento dos juros de mora e das perdas e danos que possam ser previstas na cláusula penal, durante o tempo que durar a causa que afasta a mora (JÚNIOR, 2020).
Mesmo não estando, a princípio, liberado de cumprir a obrigação, o fiduciário não ficará isento da sanção habitual que se dá pelo seu descumprimento relacionado à mora, no que diz respeito ao tempo do pagamento (SANTOS, 2020).
Ademais, valendo-se do instituto de compartilhamento da alienação fiduciária trazido pelo advento da MP 992/2020, é possível que, por meio de uma nova negociação, o direito real de garantia seja novamente inserido no contexto para garantir os direitos do credor. Em uma primeira análise, seria benéfico ao devedor-fiduciante e também ao credor-fiduciário, uma vez que verificado o inadimplemento da obrigação objeto de garantia, de pronto é operacionalizada a consolidação da propriedade no patrimônio do credor (CHALHUB, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir este trabalho, entende-se que alienação fiduciária de bem imóvel consiste em um negócio jurídico por meio do qual o devedor/fiduciante, contrata com o credor/fiduciário, com o designo de garantir a principal obrigação, que é a transferência de bem imóvel como meio de propriedade fiduciária.
Decerto a pandemia gerou grandes questionamentos e incertezas a respeito dos efeitos previstos pelo inadimplemento da obrigação existente na transação que envolve a alienação fiduciária de bem imóvel, uma vez que a perda de renda do fiduciante (e do fiduciário), pode provocar um abalo na relação contratual. Vozes se levantam na utilização da teoria da imprevisão nessa hipótese, porém, conforme visto, essa situação deve ser vista com reservas, em virtude da natureza jurídica de direito real que permeia a alienação fiduciária.
Nesse sentido, a pandemia por si só não configura direito a inadimplência ou à moratória, porém, surge como alternativa para solucionar o desequilíbrio provado pela pandemia, a possibilidade de compartilhamento da alienação fiduciária, atendidos os requisitos insculpidos na Medida Provisória nº992/2020.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alexandre Marchioni Leite. Aspectos Gerais do Contrato de Alienação Fiduciária em Garantia de Coisa Imóvel. Revista Direito Civil, v. 1, n. 2, p. 3-22, 2019.
BRASIL. Lei nº 9.514 de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9514.htm >. Acesso em: 20 set. 2020.
CHALHUB, Melhim. A garantia fiduciária como elemento catalisador da reativação da economia. Disponível em: < https://civileimobiliario.com.br/a-garantia-fiduciaria-como-elemento-catalisador-da-reativacao-da-economia/ >. Acesso em 28 de set. de 2020.
DANTZGER, Afranio Carlos Camargo. Alienac?a?o Fiducia?ria de Bens Imo?veis. 3. ed. Sa?o Paulo: ME?TODO, 2010.
FIGUEIREDO, Luciano L.; FIGUEIREDO, Roberto L. Direito civil: Direitos reais. In: Coleção sinopses para concursos. 6. Ed. Rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2020.
JÚNIOR, Luiz Antônio Scavone. Imprevisão, multa e juros em razão da pandemia. Disponível em: < http://genjuridico.com.br/2020/03/30/contratos-de-locacao-pandemia/>. Acesso em 24 de set de 2020.
JUNQUEIRA, José de Mello. Alienação fiduciária de coisa imóvel – Lei 9.514/1997. Porto Alegre: Fabris, 1998.
OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Cobrança judicial de dívida garantidas por alienação fiduciária de imóvel: um diálogo do direito civil com o processo civil. Disponível em: < https://www.anoreg.org.br/site/wp-content/uploads/2019/09/2019-9-Alienac%CC%A7a%CC%83o-Fiducia%CC%81ria-e-judicial-PDF.pdf >. Acesso em: 24 de set. 2020.
OLIVEIRA, Mônica Azevedo Torres de. Alienação fiduciária. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/45661/alienacao-fiduciaria#:~:text=O%20direito%20civil%20possui%20uma,para%20garantir%20um%20determinado%20d%C3%A9bito%2C >. Acesso em: 24 de set. 2020.
SANTOS, Igor. COVID-19 e seus efeitos na Alienação Fiduciária de Bem Imóvel. Disponível em: < https://igorsantos15.jusbrasil.com.br/artigos/832675630/covid-19-e-seus-efeitos-na-alienacao-fiduciaria-de-bem-imovel?ref=feed>. Acesso em 24 de set de 2020.
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