O PRINCÍPIO DO “CONTRA NON VALENTEM AGERE NON CURRIT PRAESCRIPTIO” E A LEI DA PANDEMIA

  • Autor
  • Junia Bareli Féres
  • Co-autores
  • Bruno Cleuder de Melo , Bárbara Rangel Paulista , Maria Izabel Azevedo Altoé
  • Resumo
  •  

     

    O PRINCÍPIO DO

    “CONTRA NON VALENTEM AGERE NON CURRIT PRAESCRIPTIO” E A LEI DA PANDEMIA

     

    FÉRES, Júnia Bareli

    Graduanda do 6° período de Direito

    na Faculdade Metropolitana São Carlos

    juniabareli@hotmail.com

     

    MELO, Bruno Cleuder de. Professor Orientador.

    Delegado de Polícia Civil do RJ. Especialista em Direito Público pela Faculdade Metropolitana São Carlos - FAMESC (2014).

    brunocleuder@yahoo.com.br

     

    PAULISTA, Bárbara Rangel. Professora Orientadora.

    Advogada. Especialista em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (2018).

    drabarbarapaulista@gmail.com

     

    ALTOÉ, Maria Izabel Azevedo. Professora Orientadora.

    Magistrada. Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (PPGDIR/UFES).

    mialtoe2010@hotmail.com

     

    INTRODUÇÃO

     

                No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou o início da pandemia do novo Coronavírus. Dois dias após essa data, o Ministério da Saúde passou a regulamentar os critérios de isolamento e quarentena para aqueles com suspeita de estar com o vírus no organismo e logo após, o distanciamento social como forma de evitar o contágio (SANAR SAÚDE, 2020).

                De acordo com o art. 22, I da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito comercial, direito civil, dentre outros. Assim, pelas mãos do Senador Antônio Anastasia, foi feita a apresentação do Projeto de Lei n°1.179/20, posteriormente convertido na Lei n°14010/20, também conhecida como “Lei da Pandemia”, que trata sobre a instauração do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado – RJET (GAMA, 2020).

    O presente trabalho tem o intuito de discutir pontualmente sobre a incidência do princípio “contra non valentem agere non currit praescriptio” na suspensão dos prazos para aquisição da propriedade por meio de usucapião tratados na Lei da Pandemia (lei n° 14.010/20).

               

     

    MATERIAL E MÉTODOS

     

    O método utilizado para a elaboração do presente trabalho foi a revisão bibliográfica com base em leituras de alguns sites selecionados da internet que discorriam sobre o tema abordado.

     

     

    DESENVOLVIMENTO

     

                O princípio contra non valentem agere non currit preaescriptio tem origem no direito romano, fundamentando-se em questões éticas. Aplica-se às situações nas quais a pessoa, impossibilitada de exercer o seu direito, tem em seu favor a não fluência dos prazos de prescrição. Essa foi a regra geral até o ano de 1804 no Code de France, o que gerava insegurança jurídica. Foi banida no Código Napoleônico, onde foi estabelecido um sistema taxativo. No Brasil, tanto o Código Civil de 1916 quanto o de 2002, seguiram o último caminho, estabelecendo taxativamente as causas que suspendem e interrompem a prescrição. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2020)

                Contudo, a teoria que embasa esse princípio começou a ser utilizada como fundamento no ordenamento jurídico pátrio no advento no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Isso porque o Estatuto retirou do conceito de absolutamente incapazes aquelas pessoas que possuem alguma deficiência física ou mental, no objetivo de conferir maior autonomia a elas e combater a discriminação. Porém, pelas regras civis, contra os absolutamente incapazes não corre a prescrição o que fez com que essas pessoas perdessem essa proteção legal, justificando a incidência do contra non valentem. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2020)

                Com o intuito de demonstrar maior segurança jurídica às partes durante a pandemia, resguardando o exercício dos direitos e a pretensão a eles, uma vez que medidas restritivas foram tomadas para evitar aglomerações, o princípio contra non valentem agere non currit praescriptio, que em nosso vernáculo se traduz para “contra aquele que não pode agir, não corre a prescrição”, se torna a justificativa tanto para o art, 3°, caput, quanto para o art. 10 da Lei 14.010/2020. Embora o termo não seja mais utilizado, o instituto da usucapião costumava ser denominado como prescrição aquisitiva, enquanto o instituto geral de prescrição do código vigente era denominado prescrição extintiva (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020).

    A ideia originária da prescrição aquisitiva se dava pela aquisição de um direito por meio do decurso do tempo, entretanto, o instituto da usucapião, pautado pelo código civil vigente, possui também como requisito o exercício da posse com animus domini, ou seja, vontade de se tornar dono. Caso o possuidor esteja nessa posição em virtude de relação jurídica com o proprietário, como no caso de comodato ou locação, a usucapião não se enquadra, assim como no caso de mera detenção (NETO, 2011).

     

     

    RESULTADOS E DISCUSSÃO

     

                Mesmo diante das controvérsias existentes sobre a usucapião sob a denominação prescrição aquisitiva, no art. 1.244 do Código Civil de 2002, de certa forma há aplicação das regras inerentes as causas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição também à usucapião:

     

    Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião (BRASIL, 2002)

               

                Está descrito na lei 14010/20:

     

    Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.

    (...)

    Art. 10. Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020 (BRASIL, 2020).

     

    .           A intenção é favorecer a pessoa contra quem o prazo está correndo e, por meio de uma interpretação restritiva do art. 10, não ajudar os proprietários negligentes, ou seja, aqueles que, independentemente da situação atual, se manteriam inertes (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020).

               É válido ressaltar que, de acordo com o § 1º do art. 3° da Lei 14.010/2020, essa suspensão possui caráter subsidiário:

     

    § 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional (BRASIL, 2020).

     

                Em linhas gerais, de acordo com o CC/02, a usucapião é o instituto na qual se adquire bem móvel ou imóvel, desde que obedeça aos requisitos previstos em lei para a espécie de usucapião em questão. Já o instituto da prescrição se baseia na perda de um direito que não foi exercido pelo lapso temporal previsto em lei (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020).

              Com a suspensão dos prazos para usucapião é necessário que se quebre a prática em três situações diferentes. Os prazos da usucapião que não tiveram a contagem iniciada só poderão começar a fluir após o fim da suspensão, ou seja, após 30 de outubro de 2020. No que tange aos prazos da usucapião que já completaram a contagem, não há interferência com essa lei, visto que não poderá afetar direitos adquiridos (CARVALHO GOMES, 2020)

              É necessário frisar que, caso os requisitos já tenham sido preenchidos, a lei não impede o ingresso, tanto pela via administrativa, que seria a usucapião extrajudicial, quando pelo Judiciário, na forma da usucapião judicial, visto que a lei só prevê a suspensão do decorrer do prazo. Já o prazo que ainda estava em andamento para preencher o requisito da usucapião, no que tange ao tempo já conquistado, este não será perdido, visto que o efeito é suspensivo, ou seja, voltará o prazo a correr de onde parou a partir de 30 de outubro de 2020 (CARVALHO GOMES, 2020).

              A respeito da lei da pandemia, e com base no princípio supramencionado, era de se esperar que o legislador também estipulasse a suspensão do prazo de outros direitos reais que podem ser adquiridos por meio da usucapião, como por exemplo o direito de superfície e servidão (GAGLIANO; OLIVEIRA 2020).

     

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

     

                Em virtude da pandemia provocada pelo novo Coronavírus, as relações sociais e jurídicas foram alteradas. Com o necessário distanciamento social para evitar a proliferação do vírus e colapso do sistema de saúde, institutos tiveram que ser adaptados para garantir a segurança jurídica das relações de direito privado. Nesse contexto surgiu a Lei 14.010/2020 que, dentre outras matérias, suspendeu os prazos para aquisição da propriedade por meio de usucapião.

                Apesar da doutrina nacional entender que as causas que interrompem e suspendem a prescrição são taxativamente expostas na parte geral do Código Civil, fato é que, estamos diante de uma situação totalmente atípica. Nesse sentido, para preservar o direito de algum proprietário que possa vir a ser prejudicado, a Lei 14.010/2020, com resquícios do princípio contra non valentem agere non currit praescriptio, suspende de forma emergencial e transitória também os prazos para aquisição da propriedade por meio de usucapião, mesmo esta sendo matéria inerente ao Direito das Coisas, diferente da prescrição.

     A Lei da Pandemia trouxe diretrizes a serem seguidas até o dia 30 de outubro de 2020. A ideia é trazer estabilidade social e segurança jurídica para as pessoas, visto que há dificuldades de por em prática direito próprio ou alheio na situação atual.

               

     

    REFERÊNCIAS

     

    BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 20 set. 2020.

     

    BRASIL. Lei n° 14.010 de 10 de junho de 2020. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14010.htm>.  Acesso em 20 set. 2020.

     

    CARVALHO GOMES. Prazos da usucapião e o COVID-19, 2020. Disponível em: <https://carvalhogomes.adv.br/covid-19-e-o-prazo-da-usucapiao-senado-envia-para-a-camara-dos-deputados-projeto-de-lei-que-suspende-prazos-da-usucapiao/#>. Acesso em 20 set. 2020.

     

    FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

     

    GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Comentários à Lei da Pandemia (Lei. 14.010/20), 2020. Disponível em: < https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/859582362/comentarios-a-lei-da-pandemia-lei-14010-2020>. Acesso em: 20 set. 2020.

     

    GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. COVID-19 e Direito das Coisas, Família e Sucessões, 2020. Disponível em: < http://genjuridico.com.br/2020/04/22/covid-19-direito-das-coisas-familia/>. Acesso em: 19 set. 2020.

     

    NETO, SEBASTIÃO. Direito Civil – Reais. Escola Superior da Magistratura do Estado do Goiás, 2011. Disponível em:< http://www.esmeg.org.br/pdfMural/dr._sebastiao_neto_-_dir._civil_reais_08-10-2011.pdf>. Acesso em 27 set. 2020.

     

    SANAR SAÚDE. Linha do Tempo do Coronavírus no Brasil, 2020. Disponível em: <https://www.sanarmed.com/linha-do-tempo-do-coronavirus-no-brasil>.  Acesso em: 20 set. 2020.

  • Palavras-chave
  • pandemia; princípio; prescrição
  • Modalidade
  • Vídeos
  • Área Temática
  • Ciências Sociais e Aplicadas
Voltar Download

Essa publicação reúne as produções científicas de discentes, docentes e pesquisadores dos cursos de graduação da Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC, unidade de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, participantes da V Expociência Universitária do Noroeste Fluminense, com a temática: Os impactos da pandemia nas relações sociais, jurídicas e de saúde, realizada entre 21 e 23 de outubro de 2020.

Em sua 5º edição, o evento se destina, fundamentalmente, o propósito de se criar, na Instituição, um lugar de intercâmbio científico e cultural entre os pares, privilegiando-se uma discussão sobre as teorias interdisciplinares que ganham expressão no debate acadêmico contemporâneo.

Nessa edição os trabalhos apresentados envolvem àreas das Ciências Humanas e Sociais, Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e Estudos Interdisciplinares. Tal fator resultou na apresentação de 204 (duzentos e quatro) trabalhos de pesquisa apresentados a seguir. Acreditamos que a discussão ampliada, que inclua os diversos atores envolvidos nas diversas áreas, e, entendendo que existe uma abordagem interdisciplinar, esperamos contribuir para o fomento do saber acadêmico científico, viabilizando um espaço à divulgação de resultados de pesquisas relevantes para a formação do licenciando, bacharel, e do pesquisador da área e de áreas afins.

Por outro lado, queremos destacar que foi imprescindível a atuação coletiva na organização deste evento, que contou com a participação do corpo diretivo, das coordenações de curso, docentes e discentes. Sem o interesse de todos, a dedicação e a responsabilidade principalmente dos funcionários técnicos administrativos envolvidos, não seriam atingidas a forma e a qualidade necessárias ao sucesso da atividade. 

A Expociência representa um espaço significativo e verdadeiro de troca de experiências e de oportunidade de conhecer a produção científica de forma interdisciplinar e coletiva.

Boa leitura a todos!

 

 

Profª. Mª. Neuza Maria da Siqueira Nunes

Coordenadora da Extensão Universitária da Faculdade Metropolitana São Carlos

COMISSÃO ORGANIZADORA E CIENTÍFICA 

Direção Geral
Dr. Carlos Oliveira Abreu

Direção Acadêmica
Dra. Fernanda Castro Manhães

Direção Administrativa
Sr. Carlos Luciano Bieli Henriques

Assessoria Acadêmica
Me. Edyala de Oliveira Brandão Veiga

Coordenação de Extensão Universitária
Ma. Neuza Maria de Siqueira Nunes

Coordenação de Monitoria, Pesquisa e TCC
Dr. Tauã Lima Verdan Rangel

Coordenação do Curso de Administração
Me. Sérgio Elias Istoé

Coordenação do Curso de Direito
Ma. Geovana Santana da Silva

Coordenação do Curso de Enfermagem
Me. Roberta Silva Nascimento

Coordenação do Curso Medicina
Dr. Antônio Neres Norberg
Dra. Bianca M. Mangiavacchi (Ciclo Básico)
Dra. Lígia C. Matos Faial (Ciclo Clínico)

Coordenação do Curso de Gestão em Recurso Humanos
Me. Fernando Xavier de Almeida

Coordenação do Curso de Gestão Hospitalar
Me. Sérgio Elias Istoé

Secretaria Acadêmica
Espa. Danila Ferreira Cardoso

Setor Financeiro
Sra. Bruna de Souza Vieira

Núcleo de Apoio Psicopedagógico
Ma. Vânia Márcia Silva do Carmo Brito

Setor de Recursos Humanos
Espa. Edimara Bizerra da Silva

 

ORGANIZAÇÃO E EDITORAÇÃO
Dra Bianca Magnelli Mangiavacchi
Ma. Neuza Maria de Siqueira Nunes
Srta. Amanda Passalini de Almeida

FACULDADE METROPOLITANA SÃO CARLOS

Avenida Governador Roberto Silveira, nº 910

Bom Jesus do Itabapoana-RJ CEP: 28.360-000

Site: www.famescbji.edu.br

Telefone: (22) 3831-5001

 

 

O conteúdo de cada trabalho é de responsabilidade exclusiva dos autores.

A reprodução dos textos é autorizada mediante citação da fonte.