FÁRMACO UTILIZADO NA PRÁTICA CLÍNICA E SUA RELAÇÃO COM O HIPOTIREOIDISMO: A AMIODARONA E O EFEITO WOLFF-CHAIKOFF
RODRIGUES, Bárbara Garcia Carmo
Graduanda em Medicina pela Faculdade Metropolitana São Carlos, campus Bom Jesus do Itabapoana – 2º período - turma IV
E-mail: barbararodrigues97.BR@gmail.com
OLIVEIRA, Julia Batista de
Graduanda em Medicina pela Faculdade Metropolitana São Carlos, campus Bom Jesus do Itabapoana – 2º período - turma IV
E-mail: juhboliveira.jb@gmail.com
AMARAL, Joana Evangelista
Graduanda em Medicina pela Faculdade Metropolitana São Carlos, campus Bom Jesus do Itabapoana – 2º período - turma IV
E-mail: joanaeamaral1@gmail.com
ISTOE, Carolina Crespo
Docente da Faculdade Metropolitana São Carlos, campus Bom Jesus do Itabapoana
E-mail: carolinacistoe@yahoo.com.br
ANDRADE, Claudia Caixeta Franco
Docente da Faculdade Metropolitana São Carlos, campus Bom Jesus do Itabapoana
E-mail: claudiacfa@yahoo.com.br
INTRODUÇÃO
O hipotiroidismo é uma doença diretamente associada a uma disfunção da Tireóide, podendo ter diversas causas. Atualmente, a prevalência varia entre 1% a 2% na população brasileira, podendo chegar a porcentagens maiores entre indivíduos de idades mais avançadas. A doença ocorre com mais frequência nas mulheres, devido a fatores hormonais, e possui maior incidência em regiões com insuficiência de iodo (ZANINELLI, 2018).
Os fatores geralmente associados ao desenvolvimento de um quadro de hipoatividade da tireóide e que compõem as principais causas para a ocorrência dessa patologia são: doença de Hashimoto, hipotireoidismo congênito, cirurgia para remoção de nódulos na tireóide, tratamentos de câncer com radioterapia, tireoidite pós-parto, entre outras razões (FASETE, 2018).
Dentre as explicações existentes, é possível também traçar o desencadeamento de um quadro de hipotireoidismo a partir do tratamento de outras patologias, cujo medicamento utilizado está associado à interferência no correto funcionamento da glândula em questão (FONSECA e MELEK, 2014).
Nesse sentido, entender o processo de interferência causado pela Amiodarona no funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide se torna imprescindível, a fim de evitar a ocorrência de hipotireoidismo a partir do uso deste fármaco em futuros pacientes.
Ademais, a partir da compreensão dos mecanismos de atuação desse medicamento na fisiologia humana, bem como a alta concentração de iodo presente em sua composição, têm-se como objetivo deste estudo entender as interferências que a Amiodarona pode provocar no organismo, desencadeando, como parte do processo, o efeito de Wolff-Chaikoff e, consequentemente, a manifestação de um quadro de hipotiroidismo induzido por Amiodarona (HIA).
METODOLOGIA
O presente estudo foi construído a partir da revisão bibliográfica das literaturas pré-existentes sobre as funções da tireóide e a sua disfunção ocasionada pelo uso da Amiodarona, bem como sobre o hipotireoidismo, tendo como base plataformas online de veiculação de artigos, estudos e pesquisas acadêmicos sobre os temas, como os sites Mayo Clinic, SciELO, PubMed, de instituições de ensino superior como Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e as Diretrizes da Associação Europeia de Tireoide (ETA) de 2018. Fundamentado na ampla pesquisa desenvolvida nas plataformas supracitadas, foram selecionados os materiais com maior pertinência ao assunto abordado por esse trabalho, dando-se preferência aos artigos mais recentes, dentro de um período de 12 anos, nos idiomas inglês e português. As pesquisas nas literaturas citadas foram feitas adotando termos como: tireóide, hipotireoidismo, fármacos, Efeito Wolff-Chaikoff, Amiodarona, iodo, efeito medicamentoso e Doença de Hashimoto. Nesse ínterim, os trabalhos foram analisados, escolhidos sob critérios determinados e categorizados de acordo com a abordagem do fármaco em questão e sua relação com o hipotireoidismo.
DESENVOLVIMENTO
O HIPOTIREOIDISMO INDUZIDO POR AMIODARONA (HIA)
A Amiodarona é um antiarrítmico classe III que atua como coibidor dos canais de potássio do miocárdio e possui uma função betabloqueadora (TAVARES et al., 2010). Seu armazenamento se dá no tecido adiposo e, por isso, é detentor de uma longa meia-vida, podendo variar de 26 a 107 dias, e seu mecanismo de ação consiste na liberação contínua de iodo, o que expõe periodicamente o organismo a quantidades cerca de 20 vezes maiores às suas necessidades diárias (VIEIRA, 2019).
O iodo é, sobretudo, um importante elemento na fisiologia humana, sendo fundamental na síntese dos hormônios tireoidianos: triiodotironina (T3) e tiroxina (T4). Por essa razão, localidades carentes dessa substância estão sujeitas à maior incidência de hipoatividade glandular e ao surgimento, consequentemente, de quadros de hipotireoidismo. No entanto, o excesso desse componente também pode impactar na saúde do indivíduo. Estudos mostraram que esse excesso está presente em 44,6% da população brasileira (VIEIRA, 2019).
Mediante a liberação excessiva de iodo durante o metabolismo da Amiodarona, é possível identificar um fenômeno de ajuste da Tireóide e uma readequação hormonal baseada na redução da produção das substâncias endógenas por ela secretada. Verifica-se então o Efeito Wolff-Chaikoff, levando o corpo ao respectivo quadro de hipotireoidismo (VIEIRA, 2019).
O Efeito Wolff-Chaikoff ocorre a partir da disponibilização de grandes quantidades de iodo no corpo, o que resulta na diminuição da síntese dos hormônios tireoidianos e da organificação do iodo, em decorrência do aumento intratireoidiano de iodeto inorgânico (FONSECA e MELEK, 2014). O que se observa nesses casos é a variação nas concentrações de TSH (hormônio estimulador da tireoide), T4 total e livre, T3 total e livre e T3 reverso (rT3) (VIEIRA, 2019).
Os exames laboratoriais apresentam, em sua maioria, redução das concentrações séricas de T4 livre e aumento do TSH (BIANCATELLI et al., 2019), variando a presença dos hormônios no sangue e nos tecidos durante todo o desenvolvimento da patologia. Inicialmente, o efeito de Wolff-Chaikoff inviabiliza o processo de organificação do iodo, o que implica a diminuição da produção dos hormônios tireoidianos. Dessa maneira, ocorre o aumento da concentração de TSH no sangue como mecanismo de compensação fomentado pelo hipotálamo. Depois de algum tempo, a glândula pode escapar desse efeito e normalizar os níveis de T4 e a concentração sérica do hormônio estimulador da tireoide (BARTALENA et al., 2018).
O hipotireoidismo induzido por Amiodarona (HIA) pode se apresentar tanto em indivíduos eutireoidianos, que apresentam glândulas e funcionamento tireoidiano normais, quanto em sujeitos que possuam alterações glandulares pré-existentes (BARTALENA et al., 2018). A presença de tireoidite autoimune crônica subjacente, também conhecida como Doença de Hashimoto, por exemplo, é uma anormalidade autoimune considerada um fator de risco para o desenvolvimento de hipotireoidismo a partir do tratamento com Amiodarona, considerada, nesse caso, uma antecipadora do processo natural de desenvolvimento da tireoidite (BIANCATELLi et al., 2019).
Isso se dá, sobretudo, em razão da dificuldade encontrada pela tireoide de “escapar” do efeito de Wolff-Chaikoff nos pacientes que possuem diagnóstico da Doença de Hashimoto (BIANCATELLi et al., 2019). O escape mencionado consiste na normalização dos níveis séricos de T4 e da concentração de TSH e normalmente ocorre de 2 a 3 meses após o desenvolvimento do quadro de HIA, havendo remissão em até 50% dos casos, sobretudo entre indivíduos com ausência de qualquer anormalidade (BARTALENA et al., 2018).
Além da doença de Hashimoto, ainda se investiga a existência de outros preditores como o gênero feminino e a existência de anticorpos anti-peroxidase tireoidiana (BARTALENA et al., 2018). Estima-se que presença desses dois fatores contribuam para o aumento de 13,5% das chances de se desenvolver HIA (BIANCATELLI et al., 2019).
O uso crônico de Amiodarona acarreta anormalidades na tireoide em cerca de 16% dos usuários deste medicamento (BARTALENA, 2018). Já quando usada ocasionalmente ou em doses menores, a frequência de casos é reduzida, afetando aproximadamente 3,7% dos pacientes (BIANCATELLI et al., 2019).
DIAGNÓSTICO
Dentre os sintomas inespecíficos do hipotireoidismo pôde-se constatar alteração de peso, cansaço, constipação intestinal, diminuição de memória, fadiga, intolerância ao frio, irregularidade menstrual, queda de cabelos e outros. Em adição, alguns sintomas como bócio, bradicardia, hiporreflexia, mixedema, pele ressecada, rouquidão e unhas quebradiças, em conjunto com os sintomas gerais, sugerem um quadro de hipotireoidismo e podem auxiliar no levantamento dessa hipótese diagnóstica (VALENTE e VALENTE, 2009).
Contudo, para que o diagnóstico clínico de hipotireoidismo seja confirmado, é necessário que o paciente seja submetido a um exame de dosagem sérica de T4 livre (T4L) e de TSH. Desse modo, de acordo com os números obtidos e a comparação com seu valor normal, o médico será capaz de descartar ou confirmar, por critério laboratorial, o hipotireoidismo tanto induzido por medicamentos, quanto os demais tipos (VALENTE e VALENTE, 2009).
Nesse sentido, o exame do paciente que desenvolveu hipotireoidismo a partir do uso de Amiodarona, constará níveis elevados de TSH sérico e níveis baixos de T4 livre (FONSECA e MELEK, 2014).
TRATAMENTO
Apesar dos efeitos adversos da Amiodarona, o médico deve levar em consideração as especificidades do quadro de cada paciente, e assim sendo, a melhor opção não é a interrupção abrupta do tratamento, visto que o uso desse fármaco é de extrema importância para o tratamento de arritmias cardíacas, mas sim prescrever junto a ele a levotiroxina, usada na terapêutica do hipotireoidismo (FONSECA e MELEK, 2014).
Caso o médico opte pela administração conjunta da Amiodarona com a levotiroxina, composto de T4 sintético, a reposição contínua do hormônio tireoidiano por esse fármaco deve ser feita pelo paciente em jejum, 30 minutos antes da primeira refeição, pois sua ingestão simultânea à alimentação diminui 40% da sua absorção e, consequentemente, sua concentração reposta de T3 e T4 para os hipotireoideos em tratamento é afetada (VALENTE e VALENTE, 2009).
Todavia, a posologia deste fármaco é variável, não havendo um modelo universal estipulado para os casos de hipotireoidismo induzido por drogas. Desse modo, a dose ideal será proporcional ao peso do paciente: cerca de 1,6 µg/kg/dia. E nesse âmbito, é imprescindível o acompanhamento dos níveis de TSH sérico e T4 livre, entre 6 a 12 meses após o início do tratamento, para a manutenção da homeostase corporal, já que doses elevadas desse HT podem ocasionar na perda de massa óssea e em disfunções cardíacas (BRENTA et al., 2013).
À vista disso, afirma-se que por mais que a levotiroxina ajude a controlar os efeitos negativos do hipotireoidismo, essa disfunção tireoidiana não tem cura, sendo necessário o uso crônico do fármaco (PEREIRA, SILVA, ALMEIDA, 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo relaciona a Amiodarona, um fármaco amplamente utilizado na prática clínica para o tratamento de arritmias cardíacas, ao desenvolvimento da disfunção de hipoatividade tireoidiana. A pesquisa evidencia a interação metabólica responsável por gerar esse quadro patológico, a partir da terapêutica com o respectivo medicamento.
Nesse ínterim, pela análise das informações estudadas, observa-se o papel fundamental do médico tanto na prescrição precisa da Amiodarona, quanto no acompanhamento da evolução do tratamento, a partir de manifestações clínicas observadas durante a anamnese, além do imprescindível atentamento aos pacientes que podem vir a sofrer efeitos adversos da medicação.
Logo, cabe ao profissional considerar as especificidades fisiológicas de cada paciente, bem como o aspecto hereditário do indivíduo, além de monitorá-lo ao longo do tratamento, sendo necessária a realização de exames periódicos e acompanhamento dos sinais clínicos que indiquem alterações no funcionamento da tireóide.
REFERÊNCIAS
BARTALENA, L. et al. 2018 European Thyroid Association (ETA) Guidelines for the Management of Amiodarone-Associated Thyroid Dysfunction. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1159/000486957 Acesso em: 23 set. 2020.
BIANCATELLI, R. M. C. at al. Adverse reactions of Amiodarone. Journal of Geriatric Cardiology. 28 jul. 2019. DOI: 10.11909/j.issn.1671-5411.2019.07.007. Disponível em: http://www.jgc301.com/ch/reader/view_abstract.aspx?file_no=20190430001&flag=1 Acesso em: 20 set. 2020.
BRENTA, Gabriela; VAISMAN, Mario; SGARBI, José Augusto; BERGOGLIO, Liliana Maria; ANDRADA, Nathalia Carvalho de; BRAVO, Pedro Pineda; ORLANDI, Ana Maria; GRAF, Hans. Diretrizes clínicas práticas para o manejo do hipotiroidismo. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, [S.L.], v. 57, n. 4, p. 265-291, jun. 2013. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0004-27302013000400003. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/abem/v57n4/pt_03.pdf. Acesso em: 10 set. 2020.
FONSECA, Caroline Walger da; MELEK, Flora Eli. Fármacos de amplo uso na prática clínica que interagem com os hormônios tireoidianos. Revista Sociedade Brasileira Clínica Médica. 2014 out-dez;12(4). Disponível em: http://files.bvs.br/upload/S/1679-1010/2014/v12n4/a4381.pdf. Acesso em: 10 set. 2020
MIGUEL, José Antônio. Muito além do ganho de peso. Entenda o hipotireoidismo. Hospital Sírio Libanês, 2017. Disponível em: https://www.hospitalsiriolibanes.org.br/sua-saude/Paginas/muito-alem-ganho-peso-hipotireoidismo.aspx. Acesso em: 10 set. 2020
PEREIRA, Margarete Carlos. Principais interações farmacológicas na prática clínica em testes de função tireoidiana: uma revisão clássica de literatura. Revista Científica da FASETE, 2018. Disponível em: https://www.unirios.edu.br/revistarios/media/revistas/2018/16/principais_interacoes_farmacologicas_na_pratica_clinica_em_testes_de_funcao_tireoidiana.pdf. Acesso em: 10 set. 2020
VALENTE, Orsine; VALENTE, Flávia de Oliveira Facuri. Tratamento do hipotiroidismo baseado em evidência. Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-Epm) e Faculdade de Medicina do Abc: Diagn Tratamento, 2009; 14(1):5-8. Disponível em: http://files.bvs.br/upload/S/1413-9979/2009/v14n1/a0002.pdf. Acesso em: 10 set. 2020
VIEIRA, Suzana. Amiodarona e tireoide – hipotireoidismo: efeito da amiodarona e do excesso de iodo sobre o funcionamento da tireoide. 2019. Disponível em: https://drasuzanavieira.med.br/2019/01/15/amiodarona-e-tireoide-parte-i/. Acesso em: 27 set. 2020.
ZANINELLI, Daniele. Disfunções tireoidianas: epidemiologia, causas e fatores de risco. 2018. Disponível em: https://pebmed.com.br/disfuncoes-tireoidianas-epidemiologia-causas-e-fatores-de-risco/. Acesso em: 10 set. 2020.
COMISSÃO ORGANIZADORA E CIENTÍFICA
FACULDADE METROPOLITANA SÃO CARLOS
Avenida Governador Roberto Silveira, nº 910
Bom Jesus do Itabapoana-RJ CEP: 28.360-000
Site: www.famescbji.edu.br
Telefone: (22) 3831-5001
O conteúdo de cada trabalho é de responsabilidade exclusiva dos autores.
A reprodução dos textos é autorizada mediante citação da fonte.