BERIBÉRI: UM RECORTE HISTÓRICO BRASILEIRO E SUAS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS NO SÉCULO ATUAL
GOMES, Iris Leite
Graduanda do curso de medicina da Faculdade Metropolitana
São Carlos (FAMESC)- Unidade Bom Jesus do Itabapoana irisgomes15.ig@gmail.com
MIRANDA, Marcela Lima
Graduanda do curso de medicina da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC)- Unidade Bom Jesus do Itabapoana marcela_limamiranda@hotmail.com
SANGLARD, Thielle Pimentel
Graduanda do curso de medicina da Faculdade Metropolitana
São Carlos (FAMESC) - Unidade Bom Jesus do Itabapoana
MARTINS, Lívia Mattos
Docente do curso de medicina na Faculdade Metropolitana
São Carlos (FAMESC) - Unidade Bom Jesus do Itabapoana
ANDRADE, Claudia Caixeta Franco
Docente do curso de medicina na Faculdade Metropolitana
São Carlos (FAMESC) - Unidade Bom Jesus do Itabapoana
INTRODUÇÃO
Ao longo dos estudos elaborados, acerca da origem humana, foram percebidas diversas patologias que afligiam a saúde do indivíduo, principalmente, após a época da colonização. Nesse contexto, a presente obra tem como objetivo realizar um recorte histórico sobre as primeiras análises de uma enfermidade que, até então, era desconhecida, mas que, após anos de estudos, foi estabelecida como Beribéri. Além disso, o vigente trabalho também irá explorar as manifestações clínicas da doença de forma detalhada. (GOLDENBERG et. al, 2003).
Nesse contexto, a beribéri pode estar presente nos pacientes nas mais variadas idades, podendo se apresentar com variações também, como citado anteriormente. Entende-se que sua incidência relaciona-se, muitas vezes, com a carência de ingestão da vitamina B1 e devido a isso, a questão do hábito alimentar deve ser observada durante a análise do quadro clínico que estiver sendo analisado. Nesse viés, apesar de estar relacionado às manifestações clínicas graves, como complicações hemodinâmicas, neurológicas e respiratórias, o tratamento é de baixa complexidade, consiste na administração e manutenção dos níveis séricos de tiamina, sendo este o tratamento capaz de fazer grande parte dos sintomas regredirem. (BRASIL, 2012)
MATERIAL E MÉTODOS
No desenvolvimento deste trabalho foram realizadas diversas revisões bibliográficas encontradas através da base ‘’Scielo’’ e Guias do Governo, variando as datas de publicação do ano de 2003 até 2016, utilizando referências de cunho científico acerca da Beribéri para subsequente elaboração da obra, através da leitura de artigos, livros e guias de consulta elaborados pelo Ministério da Saúde. Cabe ressaltar que não houve, durante a elaboração do resumo, uma única amostragem populacional avaliada, sendo caracterizado como um estudo abrangente no que tange à variedade populacional.
DESENVOLVIMENTO
Desde meados do séculos XIX, estuda-se a etiologia da doença Beribéri, visto que nesse tempo surgem as primeiras manifestações clínicas da patologia. Com o passar dos anos e das evoluções no ramo das ciências biológicas, os estudos sobre a doença e seus subsequentes acometimentos ao ser humano foram expandidos pelo mundo. Nesse viés, em 1872, comunicações sobre casos da doença, feitas por João Francisco da Silva Lima, foram reunidas em um clássico livro sobre o assunto, intitulado de ‘’Ensaio sobre o Beribéri no Brazil’’, onde o autor reuniu os seus conhecimentos, as informações de outros médicos, as anotações sobre relatos de caso e as subsequentes manifestações clínicas durante o século, apesar de, até então, não haver uma convicção clara da relação entre a enfermidade e a ingesta alimentar de vitaminas. (LIMA, 1872)
Durante a obra, o autor cita as mais variadas hipóteses sobre as causas da enfermidade e inicialmente, como relatado, acreditava-se que a Beribéri poderia ser contagiosa, sendo considerada uma epidemia na época, havendo associações com miasma, malária, escavações feitas na cidade e meteorologia. Os casos clínicos e os sintomas abordados eram diversos, com pacientes de idades diferentes e em épocas distintas sendo uma grande contribuição para a construção do conhecimento constituído nos dias de hoje. (LIMA, 1872)
Hodiernamente, através de embasamentos científicos, entende-se a importância da vitamina B1 a regulação metabólica corporal, seus sintomas e como sua deficiência reflete na saúde do paciente, uma vez que ela está envolvida em diversas reações químicas de oxidação-redução, sendo atuantes também como cofator. É importante ressaltar a multicausalidade que está associada à sua deficiência no organismo humano e suas subsequentes manifestações clínicas, que podem estar relacionadas a alterações nervosas, alterações cerebrais e prejuízos de função cardíaca, vertentes que serão explanadas no presente resumo expandido. (BRASIL, 2012)
A tiamina consiste em um micronutriente essencial para o organismo humano, ou seja, ele só é adquirido por meio da ingestão exógena, não sendo produzido pelo corpo. A tiamina, ou vitamina B1, participa de diversos processos no organismo, dentre eles estão o metabolismo de carboidratos e aminoácidos, produção de neurotransmissores, mielina e ácidos nucléicos, além de desempenhar funções nos processos imunológicos, anti-inflamatórios e de regulação gênica. (HIFLER et. al, 2016)
A absorção da vitamina B1 ocorre por meio de transportadores saturáveis, para baixas concentrações, ou por difusão, para altas concentrações, na região proximal do intestino delgado. Dentro da célula intestinal, o transporte da tiamina ocorre por meio da ThTr1 e ThTr2 (transportadores humanos específicos de tiamina). A tiamina é fosforilada dentro do enterócito pela tiamina pirofosfoquinase (TPK), mas para sair da célula, pela membrana basolateral, e ir em direção a corrente sanguínea, a tiamina fosforilada sofre hidrólise. A tiamina chega ao sangue portal, onde vai para o fígado e outros tecidos, caindo, posteriormente, na corrente sanguínea sistêmica. Nessa corrente sistêmica, a tiamina é transportada em forma livre ou pelos eritrócitos e é encaminhada aos tecidos que mais utilizam a glicose para obtenção de energia. (HIFLER et. al, 2016)
Nos tecidos esplênicos, os principais alvos são o fígado e o pâncreas. Nos tecidos nervosos, astrócitos e nervos periféricos são os mais afetados por estarem relacionados com a biosíntese de neurotransmissores. O cérebro é o último alvo da tiamina e para alcançá-lo, ela atravessa a barreira hematoencefálica por meio de proteínas carreadoras. A forma da difosfato de tiamina (ThDP) é a mais encontrada nos neurônios, mas a forma trifosfato de tiamina (ThTP) atua como modulador da permeabilidade dos canais de cloreto e de sódio, interferindo na excitabilidade e condutibilidade nervosa. (HIFLER et. al, 2016)
A tiamina atua como cofator de diversas enzimas sendo a mais importante, o complexo piruvato desidrogenase (PDH) responsável pela transformação de piruvato em AcetilCoA para a entrada no ciclo de krebs, de modo que qualquer defeito no complexo da piruvato desidrogenase pode levar ao acúmulo de lactato e piruvato no organismo. Além do PDH, a tiamina também atua como cofator da transcetolase citosólica, enzima que atua na via não oxidativa das pentoses fosfatos. (HIFLER et. al, 2016)
A Beribéri é uma doença de natureza carencial causada pela deficiência de vitamina B1, que é normalmente encontrada em cereais, grãos, legumes, leveduras, nozes e carnes (especialmente vísceras, carne de porco e de vaca). Tendo em vista que a tiamina não é armazenada por longos períodos e sua meia-vida não chega a dez dias, faz-se necessária a ingestão contínua desse micronutriente. Sendo assim, é importante salientar, também, que essa vitamina é altamente instável, podendo ser danificada pelo preparo dos alimentos. Por ser hidrossolúvel e termolábil, a maior parte da tiamina é perdida, por exemplo, quando o arroz é lavado antes do cozimento, no próprio processo de cozimento e quando a água de cozimento é descartada. (WILSON, 2020)
Ademais, a deficiência de tiamina pode ser correlacionada a situações graves de insegurança alimentar e nutricional, a situações que aumentem a demanda metabólica - como gravidez, dieta rica em carboidratos e a atividades físicas intensas - bem como a situações que interfiram na biodisponibilidade desse nutriente - metabolismo prejudicado, absorção reduzida ou aumento da eliminação da tiamina pela diálise ou uso de diuréticos de alça. (BRASIL, 2012)
Indivíduos em situação de desnutrição estão mais vulneráveis a desenvolver o beribéri, todavia, pessoas com sobrepeso ou obesidade também podem apresentar a doença. É necessário atentar para etilistas crônicos, os quais ingerem calorias pobres em nutrientes. Além disso, o álcool aumenta a demanda metabólica por vitaminas do complexo B, e pode alterar o metabolismo e a absorção da tiamina.
Inicialmente, indivíduos com deficiência de tiamina manifestam sinais e sintomas leves como insônia, nervosismo, irritação, fadiga, mal estar geral, anorexia, perda de apetite e energia, podendo ocorrer edemas discretos e palpitações. O quadro clínico pode persistir no estado crônico ou evoluir para uma condição aguda caracterizada por sintomas cardiovasculares, neuropatia periférica, como parestesia, edema de membros inferiores e dificuldade respiratória. (PADILHA et al, 2011)
Existem alguns tipos de beribéri, os quais são diferenciados pelas manifestações clínicas características de cada um. O beribéri seco é uma neuropatia sensitivo-motora bilateral e simétrica que afeta principalmente os membros inferiores, mas, caso não tratado, pode afetar os membros superiores e causar disfonia pela paralisia dos músculos laríngeos. Já o beribéri úmido é uma insuficiência cardíaca de alto débito devido à retenção de sódio e água, vasodilatação periférica e insuficiência biventricular. O beribéri Shoshin, por sua vez, é uma insuficiência cardíaca fulminante, de início súbito, com acidose lática e insuficiência biventricular. A Síndrome de Wernicke-Korsakoff é uma variação da beribéri que costuma ocorrer em etilistas, e combina a encefalopatia de Wernicke com a amnésia de Korsakoff, sendo caracterizada por lesões da base do cérebro, hipotálamo, tálamo e corpos mamilares, com proliferação glial, dilatação capilar e hemorragia perivascular. (WILSON, 2020)
É necessário atentar para gestantes e lactentes, visto que fetos e recém-natos obtém tiamina através da placenta e do leite materno. Sendo assim, quando a quantidade de tiamina materna não é suficiente, crianças menores de 12 meses podem desenvolver beribéri infantil. (BRASIL, 2012).
Em relação ao diagnóstico, é fundamentalmente clínico, podendo iniciar o tratamento com tiamina frente a todo caso suspeito, de maneira que a regressão do quadro clínico serve como prova terapêutica para o diagnóstico. O risco de toxicidade relacionado à administração de tiamina é considerado raro, sendo o excesso excretado pela urina. Portanto, recomenda-se utilizar tiamina via oral (VO), uma vez ao dia, sendo a dose recomendada de 300 mg/dia (1 comprimido) para adultos ou crianças acima de 40 kg. Para crianças abaixo de 40 kg recomenda-se diluir o comprimido de 300mg em 10ml de água, dando à criança apenas 1ml, ou seja, 25mg. A reposição oral de tiamina deve ser mantida por pelo menos seis semanas ou, a critério médico, de acordo com a resposta clínica e as consultas médicas de retorno devem ser mensais durante 6 meses. (BRASIL, 2012)
RESULTADO E DISCUSSÃO
Analisando o material supracitado, percebeu-se que a necessidade diária da vitamina B1 é de cerca de 1,2mg/dia para adolescentes e adultos de ambos os sexos, podendo ser aumentada em gestantes e nutrizes. O organismo humano não consegue manter reservas duradouras de tiamina e, assim, sua deficiência pode ser desenvolvida em um período de dois a três meses de ingestão insuficiente de tal vitamina. Sendo assim, a escassez de tiamina pode trazer danos irreversíveis aos tecidos nervosos, músculo liso, esquelético e cardíaco por conta da inibição de funções metabólicas em áreas que demandam grande quantidade energética. (BRASIL, 2012)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história do desenvolvimento científico, percebe-se que a concepção acerca da deficiência de tiamina no organismo humano foi aprimorada e melhor estudada pelos mais diversos pesquisadores. Nesse resumo, compreende- se não só o aprimoramento dos estudos acerca da beribéri como a importância da manutenção da tiamina para a regulação da homeostase corporal, posto que ela é um composto participante de diversos processos químicos a nível molecular, influenciando diretamente na regulação e no bom funcionamento das vias metabólicas, de uma forma geral. Além de ser necessário entender a atuação da tiamina, também deve-se atentar para a apresentação clínica da deficiência dessa vitamina, pois assim a Beribéri poderá ser reconhecida da forma correta dentre suas variações, visto que a patologia não é tão frequente entre a população brasileira, no que diz respeito à incidência. Apesar disso, a doença não deve ser negligenciada pois pode causar diversos malefícios ao paciente, sendo necessário que, quando percebida, seja traçado um tratamento para regulação dos seus níveis.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria Especial de Saúde Indígena. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Consulta para Vigilância Epidemiológica, Assistência e Atenção Nutricional dos casos de Beribéri. Brasília: MS, 2012. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_consulta_beriberi.pdf Acesso: 21 set. 2020.
GOLDENBERG, P., MARSIGLIA, RMG and GOMES, MHA., orgs. O Clássico e o Novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais e saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003. 444 p. ISBN 85-7541-025-3. Available from SciELO Books
HIFFLER L, Rakotoambinina B, Lafferty N, Martinez Garcia D. Thiamine Deficiency in Tropical Pediatrics: New Insights into a Neglected but Vital Metabolic Challenge. Front Nutr. 2016;3:16. Published 2016 Jun 14. doi:10.3389/fnut.2016.00016
LIMA, J.F d. S; Ensaio sobre o beribéri no Brazil. Bahia: Livraria de J.B. Martin Catilina e C. e viúva Lemos,1872.
PADILHA, Estela Maura et al . Perfil epidemiológico do beribéri notificado de 2006 a 2008 no Estado do Maranhão, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 27, n. 3, p. 449-459, Mar. 2011 .
Wilson RB. Pathophysiology, prevention, and treatment of beriberi after gastric surgery. Nutr Rev. 2020 May 10:nuaa004. doi: 10.1093/nutrit/nuaa004. Epub ahead of print. PMID: 32388553.
COMISSÃO ORGANIZADORA E CIENTÍFICA
FACULDADE METROPOLITANA SÃO CARLOS
Avenida Governador Roberto Silveira, nº 910
Bom Jesus do Itabapoana-RJ CEP: 28.360-000
Site: www.famescbji.edu.br
Telefone: (22) 3831-5001
O conteúdo de cada trabalho é de responsabilidade exclusiva dos autores.
A reprodução dos textos é autorizada mediante citação da fonte.