INSTITUTO DA USUCAPIÃO NA LEI Nº14.010/2020
OLIVEIRA, Letícia Lugão Pacheco de
Graduanda do VI período do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana
lelugao@hotmail.com
GOMES, Luiza Cordeiro
Graduanda do VI período do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana
luiza.cordgomes@hotmail.com
MELO, Bruno Cleuder de. Professor Orientador.
Delegado de Polícia Civil do RJ. Especialista em Direito Público pela Faculdade Metropolitana São Carlos - FAMESC (2014).
brunocleuder@yahoo.com.br
PAULISTA, Bárbara Rangel. Professora Orientadora.
Advogada. Especialista em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (2018).
drabarbarapaulista@gmail.com
ALTOÉ, Maria Izabel Azevedo. Professora Orientadora.
Magistrada. Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (PPGDIR/UFES).
mialtoe2010@hotmail.com
INTRODUÇÃO
O presente trabalho possui como objetivo uma breve análise do impacto promovido pela Lei 14.014/2020, aprovada pelo Congresso Nacional, no instituto da usucapião.
A referida lei surgiu no cenário da pandemia causada pela COVID-19, tratando do Regime Jurídico Emergencial e Transitório aplicável às relações jurídicas de Direito Privado. Diante do distanciamento social necessário para a contenção do contágio pelo vírus, as relações jurídicas sofreram alterações, sendo necessário, portanto, a edicação de uma lei emergencial para regular e adaptar situações jurídicas.
Dessa forma, a Lei 14.010/2020, trouxe regras excepcionais, de caráter transitório e emergencial, conforme dicção de seu artigo 1º, dentre elas a que é objeto deste estudo, a afetação sobre o instituto da usucapião.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho será realizado com base no método qualitativo e a técnica escolhida foi a revisão bibliográfica. A pesquisa utilizada através do estudo do tema, teve como base em doutrinas, legislação, sites selecionados da internet, em especial sites jurídicos, com conteúdo atual, bem como artigos publicados em plataformas governamentais oficiais e de Instituições Públicas de ensino.
DESENVOLVIMENTO
De acordo com Magalhães (s.d., p. 64), a partir do século XVIII, houve um avanço na economia como colônia brasileira, com a descoberta das Minas Gerais e a reinvindicação desta terra, principalmente pela questão de ocupação territorial delimitada pela Lei de Sesmarias. Assim, com a chegada do século XIX, “[...] a questão da posse de terra tinha alcançado uma situação caótica, pois não existia ordenamento jurídico que possibilitasse qualificar quem era ou não proprietário de terras no país.” (MAGALHÃES, s.d., p. 64).
Contudo, foi na Carta Magna de 1988 que veio consignada expressamente a função da propriedade no art. 5º, inciso XXXIII, segundo Magalhães (s.d, p. 65), “[...] incluindo posteriormente o direito à moradia no rol dos direitos fundamentais [...], regulamentada pela Lei 10.257/01 denominada Estatuto da Cidade e, então, em 2002, surge entre nós a Lei 10.406/02 [...]” instaurando, assim, o Código Civil e o tema em questão no artigo 1.196. (VENOSA, 2003, p.154).
Como consectário da função social da propriedade e atendendo ao apelo constitucional de conferir o direito à moradia a todos os cidadãos, os olhos se voltam ao instituto da usucapião. Antes mesmo do Código Civil de 1916, a usucapião era matéria de prescrição aquisitiva, o que de forma genérica, consiste na aquisição de um direito real sobre um bem pelo decurso do prazo (OLIVEIRA, 2010, s.p).
Para que a propriedade seja adquirida por meio da usucapião, é necessário o exercício de posse justa com animus domini, de forma contínua e duradoura, mansa e pacificamente. O lapso temporal será aplicado conforme a modalidade de usucapião que incida sobre a realidade fática (COURA, 2015, s.p).
Com o advento da Lei 14.010/2020, que trata do também chamado Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19) - RJET, é percebido que o legislador deu atenção, em especial, para as liminares concedidas em ações de despejo nas relações locatícias, para a usucapião e para as regras das assembleias condominiais (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020, p.20.).
Assim, uma legislação pautada neste momento vivenciado pela sociedade foi necessária, em razão da adequação ao novo contexto (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020, p.4). Dessa forma, a Lei 14.010/20, trouxe alterações pertinentes ao Direito das coisas (SILVA; LOPES, 2020, s.p.).
O RJET trouxe o impedimento e a suspensão dos prazos prescricionais no Direito Privado, sem, contudo, se falar em exclusão do direito de usucapião (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020, p.6). E é nesse contexto, que o art. 10 do RJET dispõe sobre o impedimento e suspensão dos prazos para usucapião, nos seguintes moldes: “suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da vigência desta Lei até 30 de outubro de 2020.” (BRASIL, 2020).
Há de se convir que considerando o atual contexto de pandemia, o fundamento do arts.10 é o princípio contra non valentem agere non currit praescriptio, que significa dizer que “não se deve fluir contra quem não pode agir.” Na prática, isso quer dizer, por exemplo, que se uma pessoa exercia a posse mansa e contínua preenchendo os requisitos da usucapião ordinária há oito anos, este, em razão do RJET, terá a prescrição aquisitiva suspensa, dentro do tempo de vigência da nova lei, que é até dia 30 de outubro de 2020. Só após o término da “janela” de vigência que o prazo voltará a correr, para fins de usucapião ordinária (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020, p.11).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com a Lei 14.010/2020 em vigor, as previsões acerca dos Direitos Reais sofreram alterações, como já explanado. Dessa forma, a “Lei da Pandemia”, instituiu no Direito Privado particularidades decorrentes do momento histórico vivido, aqui trazendo mais especificadamente em relação ao instituto da usucapião (MORAIS, 2020, s.p.).
Cumpre dizer no Código Civil de 1916, a usucapião era uma prescrição aquisitiva. Já no Código Civil de 2002, no art. 1244, o legislador estendeu as causas que impedem, suspendem e interrompem a prescrição também à usucapião. Atualmente, o artigo 10 da Lei emergencial dispõe sobre a suspensão do prazo prescricional relativos à usucapião. (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020, p.19). Ainda, lembra-se que apenas se suspende os prazos de aquisição da propriedade por meio da usucapião, sendo que a posse em si não é suspensa, ou seja, o que foi suspenso são os efeitos da posse ad usucapionem. Dessa forma, a prescrição a qual a lei se destina, diz respeito à pretensão a ser exercida em juízo. (MORAIS, 2020, s.p.).
Muitos brasileiros, nesse momento de pandemia, acabam se perguntando o porquê promover a suspensão dos prazos prescricionais para usucapião. Nesse sentido, ÁVILA (2020, s.p) esclarece que é uma lei que beneficiou os proprietários, que, em razão da necessidade de isolamento e restrição de locomoção, acabam por não conseguir se deslocar até seus imóveis com frequência, afim de verificar se há posse ilegal através da invasão.
O mesmo autor ainda destaca que a mudança do Instituto da usucapião em razão da COVID-19, se justifica também pela dificuldade na produção de provas documentais, em razão dos cartórios de imóveis não estarem funcionando com toda sua capacidade, e, consequentemente, no acionamento da justiça. Dessa forma, há por parte do legislador, uma tentativa de resguardar o direito de defesa do proprietário (ÁVILA, 2020, s.p).
Percebe-se, com isso, que o proprietário diante este lapso de prazo está favorecido, haja vista o decurso do prazo prescricional. Ainda, é preciso dizer que o legislador “[...] deveria ter previsto essa hipótese de suspensão para a aquisição, por usucapião, de todo e qualquer direito real, uma vez que outros direitos podem ser adquiridos por usucapião, a exemplo da servidão, da laje [...].” (GAGLIANO; OLIVEIRA, 2020, p.19). Sendo assim, “resta favorecido o proprietário contra o qual corre o prazo em virtude de paralisação do decurso temporal do prazo do possuidor ou prescribente” (LEITE, 2020, s.p).
Além disso, muito se discute quanto ao prazo inicial e final imposto pelo legislador em razão da confusão existente com o Artigo 3º e o Art.10° da referida lei emergencial. O artigo 3º faz menção ao dia 12 de março como início da suspensão e 30 de outubro com o final. Contudo, mesmo em período anterior à aludida data, é possível discutir a não fluência do prazo prescricional ou decadencial, sobretudo em virtude de seu artigo 1º, que fixa seus efeitos a partir de 20 de março. Entretanto, para o instituto da Usucapião, deve-se fazer uma interpretação restritiva do Art.10 da referida lei (MAGNANI, 2020, s.p).
Além disso, em 3 de fevereiro foi declarada, pelo Ministério da Saúde, Emergência em Saúde Pública (Portaria nº 188, publicada no DOU de 4 de fevereiro). Sendo assim, há uma crítica aos marcos iniciais anteriormente citados, pois, seguindo a lógica de que a Lei da Pandemia veio para garantir a não imposição do credor a inércia caracterizadora da prescrição, deve-se considerar o prazo prescricional a partir de 3 de fevereiro de 2020 (MENEZES, 2020, s.p). Leite (2020, s.p) complementa a respeito disso, dizendo que, “é possível sustentar a paralisação do prazo de usucapião com base no princípio que não deve fluir contra quem não pode agir, contando-se desde de 3 fevereiro do corrente ano, data da Portaria GM/MS 188/2020”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei 14.010/2020, acrescentou no ordenamento jurídico uma série de dispositivos emergenciais sobre o direito privado, e o presente trabalho visou uma análise acerca da alteração implementada no instituto da usucapião. Dessa forma, o art. 10 da lei emergencial, determinou a suspensão dos prazos da usucapião, dando uma maior segurança jurídica ao proprietário.
Ainda, há de se falar que as mudanças sofridas são de caráter emergencial e temporário, não ocasionando danos à primeira vista, pois, o legislador trouxe de forma pontual, sem que comprometesse realmente o instituto, em razão, de como já dito, a lei possui caráter provisório, visando atender as necessidades do contexto de pandemia.
Além disso, existem críticas e dúvidas quanto ao início da contagem do prazo de suspensão dos prazos prescricionais, tendo por base o início da pandemia. De toda forma, a lei emergencial, em seu artigo 10, apresenta interpretação específica quanto à usucapião, compreendendo para fins de suspensão a data da entrada em vigor da lei, qual seja, 10 de junho de 2020.
REFERÊNCIAS
GALIANO, Pablo; OLIVEIRA, Carlos E. Comentários à “Lei da Pandemia” (Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020 - RJET): Análise Detalhada das Questões de Direito Civil e Direito Processual Civil. Disponível em: http://conhecimento.tjrj.jus.br/documents/5736540/7186707/ComentAriosLeidaPandemiaADQD.pdf. Acesso em 06 de out. 2020.
LEITE, Gisela. Esclarecimentos sobre a Lei 14.010/2020 (Lei da Pandemia). In: Jornal Jurid. 2020.Disponível em: <https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/esclarecimentos-sobre-a-lei-140102020-lei-da-pandemia>. Acesso em 27 de set.2020.
MAGALHÃES, Lúcia Regina Esteves de. Direitos Reais na Atualidade. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/16/direitosreais_63.pdf>. Acesso em 21 de set. 2020.
MAGNANI, Andréa. Prescrição e decadência em tempos de Covid-19: comentários à Lei nº 14.010/2020. In: Conjur, portal eletrônico de informações. 2020. Disponível em<https://www.conjur.com.br/2020-jul-13/andrea-magnani-prescricao-decadencia-covid-19> Acesso em 26 de set.2020.
MENEZES, Mauro. Prescrição e Decadência em tempos de COVID-19: Comentários à Lei nº 14.010/2020. 2020. Disponível em: <https://www.mauromenezes.adv.br/prescricao-e-decadencia-em-tempos-de-covid-19-comentarios-a-lei-no-14-010-2020/>. Acesso em 26 de set.2020.
MORAIS, Vanessa. Impactos da pandemia nas regras da usucapião. In: Mega jurídico, portal eletrônico de informações, 2020. Disponível em: <https://www.megajuridico.com. Acesso em 26 de set.2020.
OLIVEIRA, Rodrigo Marques de. O que se entende por prescrição aquisitiva?. In: Jusbrasil, portal eletrônico de informações. 2010. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2140520/o-que-se-entende-por-prescricao-aquisitiva-rodrigo-marques-de-oliveira#:~:text=Prescri%C3%A7%C3%A3o%20aquisitiva%20%C3%A9%20aquela%20que,sejam%20elas%20m%C3%B3veis%20ou%20im%C3%B3veis.>. Acesso em 25 de set. 2020.
SILVA, Abrahan Lincoln Dorea Silva; LOPES, Isabela Maria Pereira. A pandemia e o tempo: impactos da Covid na prescrição, decadência e usucapião. In: Consultor jurídico. 2020. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-abr-30/direito-civil-atual-impactos-covid-regras-prescricao-decadencia-usucapiao>. Acesso em: 23 de set. 2020.
SOUZA, Fiama. Usucapião: conceito, espécies e requisitos. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/63442/usucapiao-conceito-especies-e-requisitos> Acesso em 25 de set.2020.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil comentado, v.12. Direito das coisas, posse, direitos reais, propriedade, artigos 1.196 a 1.368. São Paulo Atlas 2003 1 recurso online ISBN 9788522477036.
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