POSSIBILIDADE DE TRANSMISSÃO VERTICAL DO NOVO VÍRUS SARS-COV-2: UMA BREVE REVISÃO
INTRODUÇÃO
Em dezembro de 2019, a cidade chinesa de Wuhan notificou diversos casos de síndrome respiratória grave provocada por um vírus altamente infecioso e até então desconhecido. O número de contaminados cresceu exponencialmente e rompeu com as barreias do território chinês em 2020, o que levou a WHO (Health World Organization) a decretar um estado de pandemia em março do mesmo ano. Tal vírus, foi nomeado SARS-CoV-2 (Coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2) pelo Internacional Committee on Taxonomy of Viruses, e a WHO denominou a doença infecciosa como Coronavírus Diease-2019 (COVID 19) (WHO, 2020).
O vírus SARS-CoV-2 pertence à família Coronaviridae e infecta as células de revestimento do trato respiratório através da sua interação com o receptor de ECA2 (enzima conversora de angiotensina 2) (BAHADUR et al., 2020). Esse é transmitido principalmente através do contato com secreções das vias aéreas das pessoas contaminadas e, gera manifestações clínicas que vão desde mialgias e febre até insuficiência respiratória grave e pneumonia (SOARES E GAUDARD, 2020). Devido a sua alta infectividade há preocupações quanto ao risco de transmissão vertical, visto que essa pode comprometer a saúde materna e fetal (CARROSO et al., 2020).
A gestação é definida pelo Ministério da Saúde como o desenvolvimento do embrião no interior do útero materno, a partir da fecundação. Sabe-se que mudanças imunológicas ocorrem para que o feto, apesar de possuir antígenos originados do genótipo paterno, não seja rejeitado pelo organismo da mãe (FUIZA E MORAIS, 2017). Devido a isso, tais alterações tornam as gestantes vulneráreis as doenças infectocontagiosas, as quais podem ser transmitidas ao embrião por via placentária, no parto ou através da amamentação, caracterizando a transmissão vertical (DA COSTA et al., 2020).
Dessa forma, este trabalho objetiva explicar a possibilidade da transmissão materno-fetal da COVID-19, por meio da reunião dos conhecimentos disponíveis até o vigente momento, apontando as prováveis vias de disseminação, bem como as principais evidências favoráveis e contrárias a esse acontecimento.
MATERIAIS E MÉTODOS
O presente estudo é de caráter explicativo, pois pretende esclarecer os questionamentos acerca da capacidade de transmissão vertical do vírus SARS-CoV-2. Trata-se de uma revisão de literatura, em que foram utilizadas as seguintes etapas para a sua elaboração: escolha do tema, coleta de dados segundo critérios de inclusão e de exclusão, avaliação dos artigos coletados, análise e tabelamento dos resultados.
Foi realizada uma busca de artigos nas bases de dados: Portal Regional da BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e Google Scholar. Para tal seleção, utilizou-se como critérios de inclusão: artigos disponíveis gratuitamente em texto completo, títulos que indicam associação com o tema e escritos nos idiomas português e inglês. Foram excluídos os seguintes estudos encontrados: pesquisas inconclusivas ou sem relação com o tema, monografias, dissertações, teses, editoriais, cartas ao leitor e diretrizes governamentais.
Os descritores de busca aplicados foram “COVID-19”, “transmissão vertical” e “gestação”, acrescentando os filtros “texto completo”, “transmissão vertical de doença contagiosa” e “Coronavírus”, totalizando 415 artigos, contudo, 28 foram eleitos, visto que os demais não contemplaram os critérios de inclusão. No entanto, após a leitura inicial dos materiais coletados, somente 15 artigos permaneceram no estudo, tendo em consideração os respectivos parâmetros: a qualidade do artigo e a relevância das informações apresentadas.
Os dados alcançados foram analisados de modo qualitativo, em razão do intuito de entender a hipótese de ocorrência dessa transmissão. Além disto, os resultados obtidos foram ordenados em uma tabela formulada com o programa Microsoft Excel Office 2019.
DESENVOLVIMENTO
O SARS-CoV-2 possui alta infectividade e afeta predominantemente o sistema respiratório dos indivíduos afetados. As gestantes constituem parte do grupo de risco da COVID-19, devido tanto as adaptações imunossupressoras do organismo dessas mulheres, quanto aos possíveis malefícios à viabilidade fetal (SOARES E GAUDARD, 2020). As principais manifestações clínicas relatadas nessas pacientes são: febres, dores de garganta, tosses, falta de ar, mialgia e linfopenia. Já, as complicações fetais mais relatadas são: cardiopatias, danos renais, alterações hepáticas, hipoxemia materno-fetal e o risco à prematuridade (DA COSTA et al., 2020). Os estudos acerca da relação entre gravidez e COVID-19 são limitados, em consequência da escassa participação das gestantes, haja vista o risco de propagação (MULLINS et al., 2020).
As gestantes consideradas positivas para a COVID-19 nos artigos examinados por este trabalho foram diagnosticadas através do RT-PCR (Reverse Transcriptase Polymerase Chain Reaction), considerado padrão-ouro, esse detecta o RNA viral por meio da reação em cadeia da polimerase. Previamente ao exame, realiza-se a coleta de esfregaços nasofaríngeos, vaginais, anorretais e placentário. Diversas pesquisas confirmam a presença do vírus nesses sítios. Tais achados, revelam as possíveis vias de transmissão vertical, sendo elas: intrauterina e fecal-oral, o que sugere múltiplas formas possíveis de propagação do SARS-CoV-2, semelhante aos outros betacoronavírus SARS-CoV e MERS-CoV (SISMAN et al., 2020).
Os receptores de ECA-2, local de interação viral, estão presentes nos tecidos placentários (BAHADUR et al., 2020). Os pacientes com COVID-19 produzem IgG aproximadamente partir da segunda semana após o início dos sintomas e, essas proteínas são capazes de ultrapassar a barreira placentária (LAMOUROUX et al., 2020). Alguns exames histopatológicos da placenta indicaram a contaminação por SARS-CoV-2 e a imuno-histoquímica e a microscopia eletrônica exibiram partículas virais (SISMAN et al., 2020). Em sua pesquisa, Marzollo et al. (2020) descrevem uma provável infecção transplacentária em um neonato, de mãe positiva, com aspiração traqueal e swab nasofaríngeo positivos para COVID-19, coletados 36 horas pós-parto. Entretanto, a placenta possui mecanismos de defesa que reduzem significativamente a viabilidade dessa transmissão, como um concentrado de células imunológicas, Receptores de Reconhecimento Padrão (RRP), síntese de citocinas, presença dos mediadores inflamatórios e dos peptídeos antimicrobianos, portanto, tal fisiologia torna rara a ocorrência desse contágio (KREIS et al., 2020).
Carroso et al. (2020) confirmam em seu estudo a presença do vírus no trato digestivo com base na examinação do swab anorretal, mesmo em pacientes com ausência dos sintomas gastrointestinais. Durante o parto vaginal o neonato entra em contato com a microbiota vaginal e anal, o que favorece a sua contaminação por meio da aspiração do SARS-CoV-2 presente nessas secreções (CARROSO et al., 2020). Logo, analisa-se uma possibilidade de transmissão vertical via oro-fecal, em razão da exposição às fezes maternas no parto vaginal, tendo o RT-PCR fecal materno positivo (LAMOUROUX et al., 2020). Ademais, a baixa incidência de material viral encontrado nas secreções vaginais afasta a possibilidade de contaminação através desse fluído (GRIMMINCK et al., 2020) (CARROSO et al., 2020).
O leite materno constitui uma provável via de contágio materno-fetal, dado que possui células imunológicas e anticorpos maternos em sua composição (BRUXEL E SICA, 2019). A revisão literária de Lamouroux et al. (2020) apresenta um relato de caso em que o leite de 10 puérperas com COVID-19 foi averiguado e todos testaram negativos, o que afasta o aleitamento como possível via de disseminação da COVID-19. Todavia, observa-se em outro trabalho a existência de leite materno positivo para SARS-CoV-2 (KRISTMAN et al., 2020). As informações inconclusivas e os benefícios da amamentação defendem a sua manutenção, porém, a chance de contaminação por intermédio das secreções respiratórias no decorrer do aleitamento não deve ser ignorada e, por isso recomenda-se a higiene prévia das mamas e o uso de máscara pela mãe durante o processo (LYRA et al., 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo demonstrou que o entendimento acerca da transmissão vertical do SARS-CoV-2 encontra-se em progresso, dada a divergência entre as pesquisas publicadas. No entanto, a viabilidade desta via de transmissão não pode ser anulada e, por isso as gestantes infectadas precisam ser acompanhadas rigorosamente. Além do mais, é necessário impulsionar a presença dessas pacientes nas pesquisas, a fim de obter resultados concludentes.
REFERÊNCIAS
BAHADUR, Gulam et al. Adverse outcomes in SAR-CoV-2 (COVID-19) and SARS virus related pregnancies with probable vertical transmission. JBRA assisted reproduction, v. 24, n. 3, p. 351, 2020. Disponível em: < encurtador.com.br/hjNP3 >. Acesso em: 7 set. 2020.
BRUXEL, Roberto; SICA, Caroline D’Azevedo. Análise de proteína e micronutrientes em amostra de leite humano. RBONE-Revista Brasileira De Obesidade, Nutrição E Emagrecimento, v. 13, n. 78, p. 194-201, 2019. Disponivel em: <www.rbone.com.br/index.php/rbone/article/view/909>. Acesso em: 9 set. 2020.
CAROSSO, Andrea et al. How to reduce the potential risk of vertical transmission of SARS-CoV-2 during vaginal delivery? European Journal of Obstetrics and Gynecology and Reproductive Biology, 2020. Disponível em: <encurtador.com.br/tzDGJ >. Acesso em: 7 set. 2020.
DA COSTA, Rafael Everton Assunção Ribeiro et al. Principais Complicações Relacionadas à COVID-19 na Gravidez. Research, Society and Development, v. 9, n. 8, p. e490985880-e490985880, 2020. Disponível em: <rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/5880>. Acesso em: 9 set. 2020.
LYRA, Ana Carolina Ferreira Brito et al. Transmissão vertical e SARS-COV-2: o que sabemos até agora? Brazilian Journal of Health Review, v. 3, n. 4, p. 9128-9141, 2020. Disponível em: <www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/13757>. Acesso em: 9 set. 2020.
FIUZA, Carla; MORAIS, Paloma Benigno. Aspectos Imunológicos essenciais na Gestação Regular. Journal of Applied Pharmaceutical Sciences–JAPHAC, v. 4, n. 3, p. 42-51, 2017. Disponível em: <encurtador.com.br/juJT1>. Acesso em: 10 set. 2020.
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KIRTSMAN, Maksim et al. Probable congenital SARS-CoV-2 infection in a neonate born to a woman with active SARS-CoV-2 infection. CMAJ, 2020. Disponível em: <dx.doi.org/10.1503/cmaj.200821>. Acesso em: 7 set. 2020.
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