O DIREITO DE IR E VIR E SUAS (IN)LIMITAÇÕES: UM DEBATE À LUZ DO ENFRENTAMENTO DO CORONAVIRUS

  • Autor
  • Thaís Degli Esposti Fernandes
  • Co-autores
  • Ingrid dos Santos Lima , Antônio Pereira Neto , Milton Júnior Barros Araújo , Cecília Candido da Silva
  • Resumo
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    O DIREITO DE IR E VIR E SUAS (IN)LIMITAÇÕES: UM DEBATE À LUZ DO ENFRENTAMENTO DO CORONAVIRUS

     

    FERNANDES, Thaís Degli Esposti

    Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana. E-mail: deglithais@gmail.com

     

    LIMA, Ingrid dos Santos

    Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana. E-mail: ingridsantolli@gmail.com

     

    PEREIRA NETO, Antônio

    Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana. E-mail: antoniopoeis@hotmail.com

     

    ARAÚJO, Milton Júnior Barros

    Professor Orientador do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.  

    E-mail: miltonjbarros@hotmail.com

     

    SILVA, Cecília Candido da

    Professora Orientadora do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.  

    E-mail: ceci_candidodasilva@hotmail.com

     

    INTRODUÇÃO

     

    O presente resumo expandido tem como escopo a análise da disposição constitucional do direito de ir e vir, também chamado de direito de locomoção, nos termos do art. 5º, incisos XV e LXI, da Constituição Federal, sendo que essa análise baseia-se nos limites desse direito, em decorrência da situação pandêmica decorrente do Covid-19.

    Para tanto, foi realizada a pesquisa por meios de doutrinas constitucionais para analisar o direito de ir e vir e suas limitações, bem como a comparação dos instrumentos constitucionais de limitação a esse direito e, também, da Lei nº 13.979/20 como instituidora de medidas para combate ao coronavírus.

     

     

    MATERIAL E MÉTODOS

     

    Para realizar essa análise foi utilizado o método dedutivo, por meio da técnica de pesquisa bibliográfica sob o formato sistemático, dessa maneira, foi possível demonstrar os pontos importantes do referido tema proposto, dando início ao desenvolvimento e sua possível discussão a respeito do mesmo.

     

    DESENVOLVIMENTO

               

    A Constituição da República Federativa de 1988 estabeleceu no seu art. 5.º, XV, que: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. (BRASIL, 1988).

    Conforme o narrado, a figura desse artigo consagra o direito de locomoção ou direito de ir e vir, desde que em tempos de paz, e respeitados os limites estabelecidos pela própria constituição. O direito a locomoção incide, ainda, nos termos do inciso LXI: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. (BRASIL, 1988).

    Com base nessa assertiva, pode-se inferir que a regra geral no direito brasileiro é a de que haja liberdade de locomoção, isto é, o direito de ir e vir por todos aqueles que transitam pelo território brasileiro, salvo as questões excepcionais que irão limitar o supracitado direito. (SARLET, 2019). No mesmo sentido da importância do supracitado, Gilmar Mendes dispõe que:

     

    A regra geral que a nossa Lei Maior consigna é a da liberdade de locomoção. Regra geral que se desprende do altissonante princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º) e assim duplamente vocalizado pelo art. 5º dela própria, Constituição: a) ‘é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz’ (inciso XV); b) ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (inciso LIV). (MENDES, 2018, p. 934).

     

    Posto isso, o autor correlacionado dispõe que o direito de locomoção se desprende do princípio da dignidade da pessoa humana, isto é, uma decorrência direta. Deste modo, o desrespeito ao referido direito, estará - indiretamente – afrontando a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil.  (BRASIL, 1998). Tais garantias visa a consolidação de uma sociedade democrática, já que a presente constituição decorreu de um processo de redemocratização. (MENDES, 2018). Sobre seus titulares, Sarlet et al. dispõe que:

     

    Toda e qualquer pessoa física é titular (sujeito ativo) da liberdade de locomoção, o que abarca tanto os brasileiros natos ou naturalizados quanto os estrangeiros, ainda que não residentes no Brasil, muito embora para os estrangeiros a liberdade de locomoção esteja sujeita a condições e limites em parte diferenciados e previstos em legislação própria, com destaque para a Lei 6.815/1980. A titularidade do direito, portanto, é universal, o que pode ser creditado à relevância da liberdade de locomoção para o exercício das liberdades em geral e para a própria dignidade da pessoa humana. (SARLET et al., 2019, p. 684).

     

    Desta maneira, o direito de ir e vir é de caráter universal, ou seja, engloba a todos brasileiros e estrangeiros residentes ou não no país, já que está amparado diretamente na dignidade da pessoa humana.

     

    RESULTADOS E DISCUSSÃO                                 

     

    Ocorre que o referido direito virou o holofote em razão de um passeio, por Brasília, realizado pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, o qual estava indo na mão contrária das disposições do Ministério da Saúde, isto é, de isolamento social. Ao ser indagado sobre essa situação, o Presidente disse que possui o direito de ir e vir e ninguém irá tolher esse seu direito. Diante dessa sistemática, Ferreira e Maribe afirmam que:

     

    O direito, contudo, não é absoluto. A própria Constituição da República prevê situações em que ele pode ser limitado, como: (I) prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de Juiz; (II) prisão civil, administrativa ou especial para fins de deportação, nos casos cabíveis na legislação específica; (III) durante vigência de estado de sítio, para determinar a permanência da população em determinada localidade, única situação na qual há permissão expressa de restrição generalizada deste direito. (FERREIRA; MARIBE, 2020, s.p.).

     

    De acordo com a exposição acima, o autor assevera que o direito de ir e vir não pode ser visto como ilimitado e absoluto, já que a própria Constituição previu hipóteses em que ele poderá ser limitado, temporariamente. (FERREIRA; MARIBE, 2020). Essas hipóteses encontram amparo na situação de flagrante delito ou decisão escrita e fundamentada por juiz. Bem como, a possibilidade a prisão civil por devedor de alimentos, o estado de defesa e de sítio, a seguir analisadas.

     

    Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

    I - restrições aos direitos de:

    § 3º Na vigência do estado de defesa:

    I - a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial; (BRASIL, 1988).

     

    Diante de uma situação da necessidade de preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por alguma grave e iminente perturbação institucional decorridas por calamidades de grandes proporções na natureza. Durante a execução dessa medida, poderá ser realizada a prisão por crimes contra o Estado, que serão determinados pelo executar da medida, isto é, uma exceção prevista – constitucionalmente – ao direito de locomoção. (BRASIL, 1988). No mesmo sentido, a Constituição assegura que:

     

    Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

    I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

    II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. (BRASIL, 1988).

     

    O Estado de sítio, medida mais grave do que o Estado de Defesa, será decretado – após autorizado pelo Congresso Nacional – nos casos de comoção grave de repercussão nacional e declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Inicialmente, frisa-se que o Estado de Sítio assemelha-se melhor com a situação vivenciada pela pandemia do coronavirus, na medida em que, trata-se de uma grave repercussão nacional e é algo de caráter geral, sendo, portanto, inviável a decretação de Estado de Defesa em relação ao coronavirus, pois medidas em locais determinados não seriam capazes impedir proliferação do vírus pelo território nacional. (MENDES, 2018). Nos ensinamentos de Gilmar Mendes:

     

    No estado de sítio, o direito à liberdade de locomoção sofre restrições, embora em menor escala. Ainda que não se possa determinar prisões, fora das hipóteses de flagrante delito, por ato do Poder Executivo, podem ser impostas a “obrigação de permanência em localidade determinada” e a “detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns” (CF, art. 139, I e II). (MENDES, 2018, p. 968).

     

    Portanto, de acordo com o trecho acima, resta claro que o Estado de Sítio é medida que restringe diretamente o direito de locomoção, já que a população pode ser obrigada a permanecer em localidade determinada, medida essa que se assemelha à adotada em Wuhan, na China, no início da disseminação do Covid-19, como medida de enfrentamento ao vírus. (UOL, 2020).

    No Brasil, como resposta à pandemia, foi editada a Lei nº. 13.979/2020, em fevereiro, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 e, entre suas disposições, previu que:

     

    Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:

    (...)

    VI – restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de:

    a) entrada e saída do País; e

    b) locomoção interestadual e intermunicipal; (BRASIL, 2020).

     

    De acordo com o exposto, mesmo em situação que não é de Estado de Defesa ou Estado de Sítio, mas em situação de pandemia, poderá ser realizada a restrição excepcional e temporária de rodovias, portos, aeroportos, ou outros meios de transporte. Além disso, poderá ser restringido a entrada e saída do país e a locomoção interestadual e intermunicipal, ou seja, uma pessoa em um Município não poderá ir ao outro, apresentando semelhanças com a figura de obrigação de permanecer em determinada localidade do Estado de Sítio. (BRASIL, 2020).

    Tal situação decorre do fato que os direitos fundamentais não são absolutos, isto é, aplicados irrestritamente em todas as relações jurídicas, pois se fossem absolutos não poderiam ser ponderados com outros princípios constitucionais, ocasionando a exclusão de um o outro princípio, nesse sentido Gilmar Mendes narra que: “Tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentam outros valores de ordem constitucional, inclusive outros direitos fundamentais”. (MENDES, 2018, p. 210).

    Portanto, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o direito de locomoção à luz da situação da pandemia vivenciada no Brasil, decidiu, por meio da ponderação de princípios constitucionais, e relativizou a aplicação do direito de ir e vir em detrimento do direito à saúde e o direito à vida. (MENDES, 2018). Desta forma, a infecção pelo vírus do Covid-19 e seu agravamento poderá impossibilitar o exercício do direito à saúde e a vida da população em geral e, em virtude disso, deverá ser limitado o direito à locomoção, por meio de medidas como o isolamento social, com a finalidade de assegurar o bem social da nação.

     

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

     

    Diante de todo o exposto, vislumbra-se que o direito de ir e vir trata-se de uma conquista emanada por um Estado Democrático de Direito que sucedeu a um período de autoritarismo e limitações individuais. Deste modo, implica na limitação do Poder Estatal sobre o indivíduo.

    Em decorrência do coronavírus, esse direito de ir e vir foi cerceado em grau federal (proibição de entrar e sair do país), estadual (proibição de viajar entre estados, por meio de aeroportos, rodovias, etc) e municipal, nos termos da Lei nº. 13.979/2020, com a finalidade de preservar um bem maior, a vida. Portanto no caso em testilha, ante o momento pandêmico vivenciado, tornou-se imperiosa a aplicação da ponderação dos direitos fundamentais

    Concluindo-se, portanto, que nenhum é absoluto e pode sofrer limitações tanto constitucional, quanto infraconstitucional, com o objetivo de assegurar o bem comum, como no caso, a saúde pública da população residente no Brasil. Assim, essa limitação decorre de uma ponderação de princípios constitucionais, já que em detrimento dos demais princípios – que também não são absolutos – o direito de locomoção deverá ser limitado – temporariamente – em vista de resguardar o direito ponderado como importante no caso concreto, no caso, o direito à vida e a saúde.

     

    REFERÊNCIAS

     

    BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 16 set. 2020.

     

    BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979compilado.htm>. Acesso em 17 set. 2020.

     

    FERREIRA, André; MARIBE, Camila Misko. Tempos de pandemia e o direito constitucional de ir e vir. Migalhas, 2020. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/depeso/325170/tempos-de-pandemia-e-o-direito-constitucional-de-ir-e-vir>. Acesso em 15 set. 2020.

     

    MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

     

    SARLET, Ingo Wolfgang, et all. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

     

    UOL. Após 11 semanas de quarentena, Wuhan suspende proibição de sair da cidade. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2020/04/07/apos-11-semanas-de-quarentena-wuhan-suspende-proibicao-de-sair-da-cidade.htm>. Acesso em 17 set. 2020.

     

     

  • Palavras-chave
  • direito de ir e vir; limitações; enfrentamento ao coronavírus
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  • Ciências Sociais e Aplicadas
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Essa publicação reúne as produções científicas de discentes, docentes e pesquisadores dos cursos de graduação da Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC, unidade de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, participantes da V Expociência Universitária do Noroeste Fluminense, com a temática: Os impactos da pandemia nas relações sociais, jurídicas e de saúde, realizada entre 21 e 23 de outubro de 2020.

Em sua 5º edição, o evento se destina, fundamentalmente, o propósito de se criar, na Instituição, um lugar de intercâmbio científico e cultural entre os pares, privilegiando-se uma discussão sobre as teorias interdisciplinares que ganham expressão no debate acadêmico contemporâneo.

Nessa edição os trabalhos apresentados envolvem àreas das Ciências Humanas e Sociais, Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e Estudos Interdisciplinares. Tal fator resultou na apresentação de 204 (duzentos e quatro) trabalhos de pesquisa apresentados a seguir. Acreditamos que a discussão ampliada, que inclua os diversos atores envolvidos nas diversas áreas, e, entendendo que existe uma abordagem interdisciplinar, esperamos contribuir para o fomento do saber acadêmico científico, viabilizando um espaço à divulgação de resultados de pesquisas relevantes para a formação do licenciando, bacharel, e do pesquisador da área e de áreas afins.

Por outro lado, queremos destacar que foi imprescindível a atuação coletiva na organização deste evento, que contou com a participação do corpo diretivo, das coordenações de curso, docentes e discentes. Sem o interesse de todos, a dedicação e a responsabilidade principalmente dos funcionários técnicos administrativos envolvidos, não seriam atingidas a forma e a qualidade necessárias ao sucesso da atividade. 

A Expociência representa um espaço significativo e verdadeiro de troca de experiências e de oportunidade de conhecer a produção científica de forma interdisciplinar e coletiva.

Boa leitura a todos!

 

 

Profª. Mª. Neuza Maria da Siqueira Nunes

Coordenadora da Extensão Universitária da Faculdade Metropolitana São Carlos

COMISSÃO ORGANIZADORA E CIENTÍFICA 

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