INTRODUÇÃO
Adolescência é marcada por transformações biopsicossociais, apresentando como marco inicial a puberdade, quando ocorre o surgimento das características sexuais secundárias (AZEVEDO; REATO, 2019). Diante da avalanche hormonal, responsável pelas mudanças físicas e comportamentais, muitos a estigmatizam como a fase da “aborrecência”. No entanto, o adolescente experiencia o luto do seu corpo infantil, sem ter desenvolvimento a maturidade necessária para conviver com o novo corpo sexuado e encontra-se em busca de sua identidade.
Em busca por sua independência e autonomia, o processo de adolescer pode ser permeado por riscos e vulnerabilidades. Entende-se por vulnerabilidades qualquer prejuízo a saúde do adolescente sob influência da realidade somando-se as demandas subjetivas e objetivas. Simultaneamente, define-se risco como a probabilidade de sofrer dano físicos, psicológicos, podendo ser dramático como a morte. Esse cenário se exacerba frente a vivências de mazelas sociais como: contenda e/ou separação dos progenitores, pobreza, desemprego, experiência de drogadição no núcleo familiar, óbito de responsáveis ou familiar próximo, que associadas as precárias ações de saúde ao público juvenil contribuem para o advento de vulnerabilidades frentes aos riscos à saúde do adolescente como: libação alcóolica e drogadição como gatilhos da violência e comportamento sexual de risco, aumentado as chances de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e a gravidez precoce (FAIAL et al., 2016).
Tem se observado uma negligência da sociedade e até mesmo da família na orientação e educação do ser adolescente atribuindo a escola a responsabilidade de ensinar e educar. Paralelamente, ocorre uma discreta busca juvenil pelos serviços de saúde agravada pelo despreparo do profissional de saúde quanto a um atendimento humanizado. Nesse jogo de responsabilidades difusas, o adolescente recebe a influência dos meios de comunicação, que através da linguagem fácil e atraente estimulam hábitos de risco como trampolim da liberdade do ser (CASEMIRO; FONSECA; SECCO, 2014).
A educação em saúde é uma ferramenta empregada para a promoção da saúde ao adolescente, por ser uma prática emancipatória, o saber emanado estimula a adoção de comportamentos e normas para um adolescer saudável (BRASIL, 2006).
O lúdico e a arte são instrumentos já implementados no ato do cuidar, visto que atenuam experiências traumáticas, restabelecendo equilíbrio físico e emocional. Sabe-se que a recreação e a diversão desenvolvem sensações agradáveis, reconquistando a ingenuidade de ser adolescente e amenizando as inseguranças, reconstruindo sentimentos e pensamentos (MARQUES et al., 2016). A emprego do lúdico e da arte pelo profissional de saúde permite o restabelecimento de vínculos com o adolescente e a família, diminuindo as distâncias que os separam. Desde forma, o profissional tem chance de construir um cuidado baseado na historicidade, espacialidade e subjetividade juvenil como primícias para o desenvolvimento do cuidado integral e holístico (FAIAL, 2019).
A escola como espaço de formação multiplica conhecimentos e habilidades e é o ambiente de relações e inter-relações socioculturais entre o adolescente e seus pares. Desta forma, constitui o local oportuno para o incremento das práticas educativas no processo de cuidar (CASEMIRO; FONSECA; SECCO, 2014).
Neste universo, o estudo teve como objetivo descrever a vivência da educação em saúde por alunos adolescentes do ensino médio no Colégio Estadual Maria da Conceição Pereira Pinto.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa, tipo relato de experiência. A experiência pedagógica em saúde surge a partir do projeto piloto de extensão intitulado “A percepção do adolescente acerca da educação em saúde pelo lúdico e pela arte: um estudo fenomenológico”. Neste projeto o cenário escolhido foi o Instituto Federal Fluminense Campus Bom Jesus do Itabapoana e os alunos adolescentes matriculados no ensino médio foram os participantes do estudo. A partir da disposição itinerante de urnas artisticamente decoradas pelas salas de aulas captou-se as temáticas de interesse juvenil. Nos meses de agosto, setembro e outubro de 2018 as sessões educativas refletiram sobre sexualidade, saúde mental, neurociência e em junho, setembro e novembro de 2019 sobre ISTs, crise convulsiva e drogas. A cada encontro pedagógico em saúde foram implementadas dinâmicas lúcidas a fim facilitar o ato de ensinar, suavizar vivências e multiplicar hábitos e comportamentos para o autocuidado. A proposta envolveu os discentes e os mais interessados participaram várias vezes da mesma sessão. Além disso, estabeleceu vínculo entre os professionais de saúde e o adolescente que instigado pela explanação buscaram o espaço saúde institucional para esclarecer dúvidas e inseguranças experenciadas pelo adolescer. As sessões educacionais ganharam visibilidade no conselho de classe, graças a participação de alguns docentes ao disponibilizarem suas aulas para a execução.
Como trata-se de um projeto de extensão havia a necessidade de levar a ação educacional em saúde para além dos muros institucionais e porque não para escolas da rede pública local. Ao fazer contato com uma servidora do setor de registro do presente campus que possuía vínculo em sua escola estadual do distrito de Bom Jesus a experiência teve início, já que o colégio tinha como proposta discutir no mês de novembro um assunto da saúde. As sessões foram apresentadas a direção que elegeu a temática sobre ISTs.
O encontro ocorreu na manhã do dia onze de novembro de 2019, após sermos recebidos com uma bela mesa de café da manhã. Enquanto os alunos do ensino médio encontravam-se em sala de aula, organizamos a sessão pedagógica no refeitório com o auxílio dos servidores e funcionários da escola que disponibilizaram a tela, o projetor e o microfone. Levamos uma urna em formato de cubo mágico em MDF (Medium Density Fiberboard, ou em português, placa de fibra de média densidade) e o computador da coordenadora.
No intervalo, os quarenta e sete alunos foram conduzidos ao refeitório e um a um foi se acomodando nos bancos do refeitório e em cadeiras ao redor da tela de projeção. Nossa equipe foi apresentada e a sessão iniciada com uma breve exposição do projeto com a exibição das fotos dos encontros realizados, apresentando a urna como instrumento de coleta das temáticas. Na sequência, o assunto ISTs tomou conta do encontro. Ao se aproximar do término foi realizado uma pausa para a realização de uma lúdica dinâmica – A balada das ISTs.
Ao brincar, os alunos e servidores foram distribuídos em dois grupos com 10 membros e dois grupos de 11 pessoas. Cada participante recebeu uma ficha com uma figura geométrica no topo, de forma que, em cada grupo de 10 participantes, sete de seus membros a ficha exibia um círculo, dois um quadrado e um apenas um triângulo. No grupo de onze membros, oito receberam a ficha com círculo. Quando a música tocava, o participante poderia dançar pela sala e conversar com seu colega do mesmo grupo com a finalidade de integração. Ao parar a música, reciprocamente, ele deveria copiar o desenho geométrico do colega com quem entrou em contato. Ao iniciar a música, todos deveriam se aproximar de outro colega e simultaneamente copiar a figura geométrica ao término da melodia. Esse movimento se repetiu por cinco vezes e, ao final, cada membro apresentou sua legenda de figura ao grupo. Os participantes, apesar da timidez, ficaram eufóricos e aderiram à brincadeira. Os movimentos desenvolvidos permitiram a inter-relação com seus pares e o desenho das formas geométricas reciprocamente.
Ao instigar a reflexão quanto ao autocuidado e a vivência sexual prazerosa e responsável, os participantes foram questionados: quantos participantes começaram o jogo com círculo, com quadrado e com triângulo? Quantos terminaram a dinâmica sem triângulo na folha? O que significa mais de um quadrado na mesma ficha? Quantos iniciaram e findaram a brincadeira com círculo? Do total cinquenta e três participantes: trinta e oito iniciaram com círculo, 10 com quadrado e 5 com triângulo. Onze terminaram a brincadeira sem triângulo na ficha e apenas seis participantes iniciaram e terminaram o jogo com círculo.
Houve uma breve explanação do significado de cada figura geométrica: o círculo representava a pessoa sadia, o quadrado - o portador de IST e o triângulo, - o portador do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV). Reflexões foram feitas quanto ao risco de transmitir e/ou adquirir outra infecção quando se é portador de uma e a aparência física não informa nem exclui o portador de IST e/ou HIV. Os discentes mostraram grande apreensão e inquietude frente a possibilidade de adquirir uma dessas infecções, reforçando a necessidade da prática sexual responsável como alicerce do autocuidado.
Grande foi a satisfação dos alunos que a direção solicitou a continuação dos encontros educacionais, e o envio de uma urna para o ano de 2020.
DESENVOLVIMENTO, RESULTADOS E DISCUSSÃO
O encontro educacional permitiu estreitar laços entre o Instituto Federal Fluminense Campus Bom Jesus e a Escola Estadual Maria da Conceição Pereira Pinto caracterizado pela ação pedagógica extensionista da saúde para além da sala de aula institucional. Diante da exitosa experiência vivenciada a direção manifestou o desejo de receber o projeto na sua integralidade ao longo do ano vindouro. Fato que dialoga com estudos que afirmam que o aprendizado em saúde desenvolve vínculo entre os profissionais de saúde e o cliente adolescente, transformando-os em protagonistas do autocuidado e cuidado de seus pares (FAIAL, 2019; MARQUES et al., 2016).
O uso do lúdico e a arte são instrumentos ativos no público infanto-junvenil, pois suaviza a comunicação do saber saúde provocando reflexões de paradigmas relacionados ao binômio-saúde doença na adolescência. Tal prática abrange uma variedade de ações como brincadeiras, encenações, danças, desenhos, dando asas à imaginação. No entanto, ainda que os profissionais de saúde compreendam seu valor, muitos não a desenvolvem, devido à falta de preparo e capacitação dos profissionais de saúde e até mesmo por acomodação (MARQUES et al., 2016).
O projeto educacional piloto ganhou visibilidade no VI Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão de 2019 (CONEPE 2019) – Educação, Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento sustentável, ocorrido no Campus Guarus, com resumo intitulado “A arte de educação em saúde numa perspectiva fenomenológica”. Durante apreciação do mesmo, a equipe de avaliadores informou que já havia escutado sobre a proposta educacional em saúde realizada no Campus Bom Jesus e, ao tomar ciência da dinâmica de extensão do referido projeto a uma escola estadual adjacente, manifestou o convite para apresentação do referido projeto ao curso Técnico de Enfermagem do Campus Guarus, a fim de capacitar os alunos a multiplicadores da proposta pedagógica em saúde ao aluno adolescente. O convite foi acolhido com grande júbilo e estímulo pelos membros da equipe, agora com possibilidade de realizar a proposta em outro Campus e, quem sabe um dia, transformá-la em política de saúde ao aluno adolescente do Instituto Federal Fluminense. Esse pedido simboliza um diálogo entre os atores do cuidado como primícias para o desenvolvimento de uma assistência holística e humanizada baseada na historicidade, espacialidade e subjetividade do ser adolescente, que transcende a medicalizações de funções inanimadas (FAIAL, 2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O lúdico e a arte junto as práticas pedagógicas em saúde despertaram a atenção juvenil suavizando vivências e multiplicando o saber emancipatório ao transformá-los em protagonistas do autocuidado. O aprender brincando é motivacional para o desenvolvimento de normas e hábitos saudáveis, primícias para viver bem em sociedade. A criatividade e a inovação dos profissionais de saúde no emprego do lúdico e da arte assegura benefícios ao processo ensinar-brincar-cuidar.
A vivência pedagógica em saúde estabelece vínculo entre as instituições educacionais em defesa do bem-estar biopsicossocial do aluno adolescente, cria espaço de discussões e reflexões sobre temáticas de interesse do público juvenil, respeitando sua historicidade, espacialidade e subjetividade que transcende a medicalização das funções fisiológicas isoladas e desprovidas de vida.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, A. E. B. I.; REATO, L. F. N. Manual de Adolescência. In: POIT, M. L.; BANZATO, R. M. (orgs). Monitoração do crescimento físico e desenvolvimento puberal. Barueri, SP: Manole, 2019. p. 32-45.
IENH. Manual de normas de ABNT. Disponível em: <www.ienh.com.br>. Acesso em: 23 set. 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Diretrizes para implementação do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas. Brasília, 2006
CASEMIRO, J. P.; FONSECA, A. B. C.; SECCO, F. V. M. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 829-40, 2014.
FAIAL, L. C. M. et al. Vulnerabilidades na adolescência: um campo oportuno para a prática da saúde: revisão integrativa. Journal of Nursing UFPE on line, Recife, v. 10, n. 9, p. 3473-82, set. 2016a. Disponível em: www.revsita.ufpe.br/revsitaenfermagem/index.php/revsita/issue/ view/143. Acesso em: 8 set. 2016.
FAIAL, L. C. M. A percepção do ser adolescente sobre a educação em saúde: uma perspectiva Merleaupontiana. 2019. (Doutorado em Ciência do Cuidado em Saúde) – Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019b.
MARQUES, E. P. et al. O lúdico no cuidado à criança a ao adolescente com câncer: perspectivas da equipe de enfermagem. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de janeiro, v. 20, n. 3, jun. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n3/1414-8145- ean-20-03-20160073.pdf. Acesso em: 4 out. 2019.
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