COBRANÇA VEXATÓRIA: UMA ANÁLISE À LUZ DO CDC EM TEMPOS DE PANDEMIA
REIS, Pâmela
Graduanda do curso de direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – Bom Jesus do Itabapoana/RJ;
pamelareis40@gmail.com
MANGARAVITE, Gustavo
Graduando do curso de direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – Bom Jesus do Itabapoana/RJ;
gustavo_bji@hotmail.com
OTACÍLIO, Edno
Graduando do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São
Carlos – Bom Jesus do Itabapoana/RJ;
CASTRO, Filipe Matos Monteiro de
Especialização em Direito Público pela FAMESC.
Professor Titular de Processo Penal no Curso de Direito da
Faculdade Metropolitana São Carlos FAMESC Bom Jesus do
Itabapoana, RJ
E-mail: filipemcastro@gmail.com
SILVA, Geovana Santana da
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF.
Professora da Faculdade Metropolitana São Carlos.
E-mail: gesantana@gmail.com
INTRODUÇÃO
O presente trabalho realiza uma análise acerca da cobrança vexatória, sob o entendimento expresso no Código de Defesa do Consumidor (CDC) em tempos de pandemia.
Tendo em vista que com a crise sanitária originária da proliferação do vírus Covid-19, também denominado coronavírus, vários setores sociais foram afetados gravemente com os reflexos desta catástrofe, dentre eles, o setor econômico. Com o aumento considerável de pessoas desempregadas, alta de preços de produtos básicos e instabilidade econômica generalizada, os casos de endividamento já existentes se agravaram e houve, ainda, o surgimento de novos casos o que desencadeou um período de estresse e ilegalidades nas relações de consumo.
Dentre as ilegalidades está o abuso de cobranças e atos de humilhação de credores para com devedores, ocasionando a chamada cobrança vexatória, ato este expressamente previsto e condenável pelo código de defesa do consumidor.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho terá como base a análise bibliográfica, no intuito de esclarecer e argumentar sobre a cobrança vexatória no ambiente do direito do consumidor frente ao momento vivido pela sociedade da pandemia do covid-19. Para tanto, o método empregado foi o dedutivo, auxiliado de revisão de literatura como técnica de pesquisa.
DESENVOLVIMENTO
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), trata-se da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que apresenta medidas de proteção ao consumidor dentre outras providências. Neste contexto, é necessário que seja estabelecida uma relação de consumo entre as partes para que esta seja submetida a regulamentação da referida norma jurídica. Sendo assim, entende-se por relação de consumo como aquela em que haja, concomitantemente, três elementos: “um consumidor, um fornecedor e um produto/serviço que ligue um ao outro” (SILVA, 2019, s.p.). Quando não houver a coexistência dos requisitos formadores da relação de consumo, aplicar-se-á ao caso concreto as normas estabelecidas no Código Civil (SILVA, 2019, s.p.).
Adentrando na relação de consumo, seus elementos são subdivididos em elementos subjetivos e objetivos. O elemento subjetivo trata-se do “credor, o devedor e o consensualismo que deve existir entre eles como uma convergência de vontades para que o acordo seja pactuado sem vícios e sem prejuízo de igualdade entre os sujeitos envolvidos” (PAIVA, 2014, s.p.); Já o segundo elemento, o objetivo, abarca “o negócio celebrado entre as partes, como um instrumento para a concretização e formalização do vínculo jurídico, e o bem, seja móvel, imóvel, corpóreo ou incorpóreo, objeto mediato da relação jurídica” (PAIVA, 2014, s.p.).
Abordada logo no início do CDC, em seu artigo 2º, a definição de consumidor expressa que este seja “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (BRASIL, 1990). A norma, ainda faz um adendo, no parágrafo único do dispositivo antes mencionado, que para fins legais, “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (BRASIL, 1990).
É preciso ressaltar que se considera consumidor tanto aquele que adquire o serviço ou produto como aquele que utiliza como destinatário final, por exemplo, um terceiro que é presenteado ou o que acontece num meio familiar onde a coisa é de uso comum (PAIVA, 2014, s.p.). Paiva (2014) ainda explica que:
A Lei 8.078/90 apresenta ainda outros conceitos de consumidor. São os chamados consumidores por equiparação: a coletividade de pessoas (art. 2º, parágrafo único), todas as vítimas de um acidente de consumo (art. 17) e todas as pessoas expostas às práticas comerciais previstas no Capítulo V (art. 29) (PAIVA, 2014, s.p.).
Logo em seguida, já no artigo 3º do CDC, a norma traz a definição de fornecedor, expressando um conceito claro e objetivo, não dá margens a interpretações conflitantes, sendo ela:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 1990).
Conforme expresso na lei, o legislador estabeleceu o conceito de fornecedor com grande abrangência. Dessa forma, fornecedores são todas as pessoas, incluindo entes despersonalizados, que realiza a oferta de serviços e produtos no mercado de consumo. Assim, uma das inovações decorrentes do CDC é que fornecedores (PAIVA, 2014, s.p.).
Já no que se refere a produtos e serviços, o CDC é claro nos parágrafos 1º e 2º de seu terceiro artigo:
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (BRASIL, 1990).
Destaca-se que as atividades expressas no art. 3º não são taxativas podendo, inclusive, envolver situações onde ocorram a oferta gratuita de bens, como amostras grátis, ou na prestação de serviço, como bem explica o Ministro do STJ Humberto Martins (SILVA, 2019, s.p).
O CDC, assim como as demais normas jurídicas, possui o objetivo de dirimir injustiças e manter justas as relações jurídicas. Sendo assim, esta norma possui, dentre outros objetivos, a função de atenuar a situação de vulnerabilidade econômica do consumidor, na relação de consumo, frente ao fornecedor (SILVA, 2019, s.p.).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao estabelecer uma relação de consumo, as partes estabelecem entre si a forma de pagamento pelo serviço ou produto. Dentre tantas maneiras existem os parcelamentos da dívida ou seu pagamento posterior, com datas pré-estabelecidas. Acontece que neste tempo o devedor possa ficar inadimplente com a sua obrigação, seja por dificuldades financeiras ou má-fé (PROTESTE, 2018, s.p.).
A fim de solucionar tal desagrado, o credor poderá, na forma da lei, cobrar o devedor a obrigação acertada, mas, como mencionado anteriormente o CDC busca proteger aquele que se encontra em situação de vulnerabilidade na relação comercial: o consumidor. Esse, por sua vez, ainda que esteja descumprindo com sua obrigação legal de quitar a obrigação, não poderá ser exposto ao ridículo devido a formas de cobrança vexatórias (CAPEZ, 2020, s.p.).
Nesse sentido, o artigo 42, caput do CDC é claro ao expressar que “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça” (BRASIL, 1990). Isso quer dizer que é ilegal o recebimento excessivo de ligações diárias de cobrança, mesmo que em dias úteis, por exemplo (PROTESTE, 2018, s.p.).
Sendo assim, entende-se por cobrança vexatória toda tentativa de negociação de uma dívida utilizando-se de meios de intimidação ou de humilhação para com a parte devedora, durante a negociação de pagamento. Dessa forma, “o consumidor não pode ser exposto ou ameaçado para realizar o pagamento” (AQUINO, 2020, s.p.)
Ademais, no âmbito das legislações estaduais é possível observar leis mais específicas sobre a temática, determinando de forma mais clara e objetiva os limites do que é cabível ou não. Pode-se exemplificar a Lei estadual nº 7.868/18, do Estado do Rio de Janeiro, que expressa um horário limite para realização de cobranças, “Conforme o §4º do artigo 3º da nova lei, as ligações de cobrança só poderão ser realizadas nos dias úteis, entre 09h e 19h” (PROTESTE, 2018, s.p.).
No entanto, pode ser que ocorram situações que estejam fora do controle das pessoas e que, por isso, ocasione a inadimplência, como por exemplo a atual crise sanitária e econômica vivenciada devido a ingerência governamental e a pandemia por covid-19. O cenário atual é caótico. Vivencia-se tempos de altíssima taxa de desemprego, isolamento social, crise econômica, sanitária e política, dentre outras desventuras que fomentam uma enorme estabilidade no mercado, independentemente de classe social (AQUINO, 2020, s.p.)
Agora amplie todo este caos econômico-social a todo o Brasil e no mundo. É inegável de que os endividamentos tenham aumentado, e que ainda assim é direito do credor receber o que lhe é devido. Entretanto, a atual conjuntura não permite arbitrariedades e excessos, pois ainda que o credor tenha direito ao recebimento da dívida, esta deve ser feita conforme a lei (SILVA, 2020, s.p.).
De acordo com um levantamento realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços (CNC), em março de 2020, antes da quarentena, o percentual de famílias com dívidas ou contas em atraso foi de 25,3%. A confederação estima, ainda, que esse número aumente de forma drástica com a pandemia (AQUINO, 2020, s.p.).
Nesse sentido, é preciso reconhecer que com a pandemia surgiram novos endividamentos e os já existentes se agravaram, aumentando a instabilidade financeira e emocional das pessoas, sejam as que precisam pagar como as quais precisam receber (SILVA, 2020, s.p.).
Silva (2020) ainda acrescenta que ainda em tempos de crise, o CDC precisa ser respeitado e para que isso aconteça é necessário, primeiramente, que a população conheça seus direitos. Dessa forma tem-se uma maneira mais eficaz de se inibir os tipos vexatórios de intimidação (SILVA, 2020, s.p.).
Neste cenário de poucas possibilidades, tem-se apostado em soluções mais amigáveis e compreensíveis para os conflitos, tais como a conciliação, mediação, acordos extrajudiciais, visando que nenhuma das partes seja sujeita a arcar com lesões patrimoniais que sejam mais onerosas do que podem sustentar (AQUINO, 2020, s.p.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do conteúdo abordado é possível compreender que ter direito a algo não lhe dá prerrogativa de conquistá-lo ou exercê-lo de qualquer forma. É preciso respeitar os limites, ter organização e meios para que se possa fazê-lo.
Dessa maneira, o CDC se faz ainda mais necessário neste momento, para que através dele seja dado solução aos problemas, em especial, e aqui abordados, os endividamentos. As normas do CDC operam para que tais questões sejam solucionadas de forma digna e justa para ambas as partes.
No cenário atual de pandemia e crises econômicas, financeiras e políticas é inegável que venha existir instabilidades e que medidas excepcionais precisem ser tomadas.
Por isso, é necessário conhecer a legislação pertinente para que se evite abusos, manter o diálogo entre as partes em um patamar razoável, digno e educado, para minimizar transtornos.
Caso possível rever taxas de juros ou, até mesmo, diluir parcelas, refazer acordos, ainda é melhor do que não receber nada ou sofrer consequências mais onerosas por conta do endividamento.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Alice. Como fica a cobrança de dívidas durante a pandemia de covid-19? Disponível em: <https://aliceaquino.jusbrasil.com.br/artigos/834140278/como-fica-a-cobranca-de-dividas-durante-a-pandemia-de-covid-19> Acesso em 7 out. 20
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm> Acesso em 7 out. 20
CAPEZ, Fernando. A cobrança de dívidas e os mecanismos de defesa do consumidor no CDC. Disponível em: <https://economia.ig.com.br/colunas/defesa-do-consumidor/2020-08-10/a-cobranca-de-dividas-e-os-mecanismos-de-defesa-do-consumidor-no-cdc.html> Acesso em: 7 out. 20
PAIVA, Clarissa Teixeira. O que caracteriza uma relação de consumo. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/34128/o-que-caracteriza-uma-relacao-de-consumo> Acesso em 7 out. 20
PROTESTE. Cobrança vexatória: conheça os seus direitos e saiba o que fazer! Disponível em: <https://www.proteste.org.br/seus-direitos/direito-do-consumidor/noticia/cobranca-vexatoria-o-que-fazer> Acesso em 7 out. 20
SILVA, Angeline. O que é relação de consumo, seus elementos e como funciona no CDC. Disponível em: <https://www.aurum.com.br/blog/relacao-de-consumo/> Acesso em 7 out 2020.
SILVA, Emanuel. Cobrança Vexatória: Entende qual o motivo dela ser indevida. Disponível em: <https://administradores.com.br/artigos/cobran%C3%A7a-vexat%C3%B3ria-entende-qual-o-motivo-dela-ser-indevida> Acesso em: 7 out. 20
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