Seguindo a perspectiva teórica da Economia Política da Comunicação e da Cultura brasileira, duas questões devem ser consideradas na discussão sobre a chamada economia de dados. Por um lado, trata-se de um desenvolvimento ligado à Terceira Revolução Industrial, que amplia as capacidades de coleta, estocagem e manipulação de enormes volumes de dados pelos sistemas técnicos digitais. Neste ponto, por motivos de ordem metodológica, interessa refletir apenas sobre os aspectos estritamente econômicos do problema, mas não se pode esquecer o fato de que entre as destinações dos dados extraídos das populações encontram-se em destaque os sistemas de vigilância e de controle social por parte de agentes dotados de poder econômico (Furtado, 1978).
Por outro lado, a construção de bancos de dados de grandes dimensões, onde se armazena a matéria-bruta que poderá ser utilizada em diversos processos de trabalho, dá origem a um mercado onde pacotes de dados são comprados e vendidos. À medida que o interesse por dados estatísticos, demográficos e comportamentais aumenta – com vistas a estratégias publicitárias, propaganda política e muito mais, incluindo o treinamento de inteligências artificiais –, a ideia de uma economia de dados pode parecer cada vez mais adequada na perspectiva da economia ortodoxa. No entanto, essa visão não se refere a uma economia baseada na produção de uma mercadoria específica, mas no intercâmbio de meras abstrações.
Portanto, um dado não pode ser definido como mercadoria — nem mesmo como matéria-prima, ao contrário do que se naturalizou afirma na literatura (Srnicek, 2018) —, mas sim como matéria-bruta. Bolaño (2003) enfatiza essa ideia em seu estudo sobre o projeto genoma, mencionando tanto os bancos de dados quanto as bibliotecas de clones preservadas para experimentos futuros. Em ambos os casos, a transformação em matéria-prima, ou seja, a valorização inicial, depende da recuperação dos dados nos bancos por meio da ação teleológica que caracteriza o trabalho humano (Lukács, 2013).
Não obstante, os dados, na medida em que são extraídos e armazenados em grande escala por empresas que controlam os repositórios, podem ser e são empacotados para servir à valorização fictícia do capital, com a justificativa de sua utilidade posterior em processos concretos, como aqueles vinculados ao setor publicitário, principal fonte de financiamento das empresas proprietárias das maiores e mais evidentes plataformas digitais. Esse comércio de dados constitui, em essência, uma forma de capital fictício, cuja mobilização segue a mesma lógica das inovações financeiras que têm marcado o desenvolvimento do capitalismo no período neoliberal, intensificando as crises cíclicas do capital, como a das subprime durante a crise de 2008 (Carcanholo & Medeiros, 2014).
Num plano mais geral, levantamos a hipótese de que esse tipo de configuração da chamada economia de dados – excluindo os casos que envolvem processos de trabalho produtivo, os quais requerem um estudo mais detalhado e individualizado – não atua no sentido de contra-arrestar a queda tendencial da taxa média de lucro. Isto ocorre porque, sob a ótica da totalidade, essa configuração se restringe apenas à distribuição do mais-valor produzido socialmente.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comitê Científico
Anderson David Gomes dos Santos (UFAL)
Aianne Amado Nunes da Costa (USP/UFS)
Ana Beatriz Lemos da Costa (UnB)
Arthur Coelho Bezerra (IBICT/UFRJ)
Carlos Eduardo Franciscato (UFS)
Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (UFS)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Chalini Torquato Gonçalves de Barros (UFRJ)
Eloy Santos Vieira (UFS)
Fernando José Reis de Oliveira (UESC)
Florisvaldo Silva Rocha (UFS)
Helena Martins do Rêgo Barreto (UFC/UFS)
Janaine Sibelle Freires Aires (UFRN)
Manoel Dourado Bastos (UEL)
Marcelo Rangel Lima (UFS)
Rafaela Martins de Souza (Universidade de Coimbra)
Renata Barreto Malta (UFS)
Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
Rozinaldo Antonio Miani (UEL)
Verlane Aragão Santos (UFS)