Inovação é palavra de ordem no capitalismo. Para que poucos donos dos meios de produção possam concentrar riqueza é preciso criar máquinas que incorporem cada vez mais o conhecimento do trabalhador e aumentem a produtividade (Bolaño, 2002), como a inteligência artificial generativa, que entrou nas redações jornalísticas sem uma reflexão sobre seus efeitos. As preocupações dos jornais foram para o uso de conteúdo jornalístico por aplicativos que empregam IAG sem pagar direitos, e só depois começam a ser tomadas decisões sobre como usá-la no trabalho. Em junho de 2024 o Grupo Globo incorporou uma seção sobre IA no manual de orientação aos funcionários (Princípios Editoriais do Grupo Globo). Esta seção é nosso objeto de estudo, a partir de uma perspectiva marxista, buscando entender se ela traz preocupações trabalhistas e éticas. O método foi a análise documental do objeto e documentos que ajudaram em sua confecção, e entrevistas em profundidade com o presidente da Associação Nacional de Jornais e jornalistas de jornais do Grupo Globo.
A primeira frase da seção “O uso da inteligência artificial no jornalismo” aponta a inovação como prioridade. Um dos primeiros itens traz uma contradição: “O uso de inteligência artificial deve sempre ser supervisionado por um humano, e nenhum conteúdo produzido com a tecnologia deve ser veiculado sem essa supervisão. Isso não significa que cada conteúdo gerado de forma automatizada passará por uma revisão humana antes de ser veiculado” (Grupo Globo, 2024, grifo nosso). As explicações que vêm a seguir apenas reforçam a contradição.
A apuração das informações, etapa essencial no jornalismo, fica perpassada pela IA, pois “os jornalistas do Grupo Globo devem considerar o uso de inteligência artificial para otimizar o processo de apuração das notícias” e “vão considerar o uso da inteligência artificial nas diversas etapas do processo jornalístico”. Outro trecho diz que a utilização de IA “deve sempre observar e respeitar rigorosamente os direitos autorais e a propriedade intelectual, tanto em relação ao conteúdo de terceiros quanto aos materiais próprios”, mas algumas ferramentas de IA utilizadas na apuração não respeitam.
O documento diz que a IA pode ser usada para o processamento de grandes volumes de dados, entretanto a IA pode deixar passar informações que um jornalista não deixaria. A IA pode ser usada ainda para transformar matéria feita para um veículo para o estilo e regra dos demais do grupo, e para “correções factuais”.
Não resta dúvida de que o número de postos de trabalho de jornalistas cai com a adoção destas regras, ao reduzir o tempo de apuração e redação (OIT, 2023), e a taxa de lucro do empresário melhora, uma vez que a máquina inovadora substitui várias funções do trabalhador. Cai também a qualidade do conteúdo de um trabalho tão sensível para o interesse público quanto o jornalístico.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comitê Científico
Anderson David Gomes dos Santos (UFAL)
Aianne Amado Nunes da Costa (USP/UFS)
Ana Beatriz Lemos da Costa (UnB)
Arthur Coelho Bezerra (IBICT/UFRJ)
Carlos Eduardo Franciscato (UFS)
Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (UFS)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Chalini Torquato Gonçalves de Barros (UFRJ)
Eloy Santos Vieira (UFS)
Fernando José Reis de Oliveira (UESC)
Florisvaldo Silva Rocha (UFS)
Helena Martins do Rêgo Barreto (UFC/UFS)
Janaine Sibelle Freires Aires (UFRN)
Manoel Dourado Bastos (UEL)
Marcelo Rangel Lima (UFS)
Rafaela Martins de Souza (Universidade de Coimbra)
Renata Barreto Malta (UFS)
Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
Rozinaldo Antonio Miani (UEL)
Verlane Aragão Santos (UFS)