Em estudo realizado há alguns anos, problematizamos a opção político-estratégica do Partido dos Trabalhadores (PT) – que foi a principal expressão das lutas sociais no Brasil no pós-redemocratização – pela não construção de uma imprensa própria, que funcionasse como ferramenta de disputa de hegemonia, nos termos de Gramsci (2007). Apontávamos, na ocasião, como, ainda que com contradições, prevaleceu a aposta na ocupação de espaço por dentro da mídia empresarial (Guimarães, 2024). Realidade distinta encontramos na sociedade portuguesa, objeto de estudo empírico de uma pesquisa comparada (ainda em desenvolvimento), cujo objetivo é compreender o potencial da imprensa alternativa contra-hegemônica no combate à ‘indústria’ da desinformação. Lá, ao contrário, as três principais siglas localizadas à esquerda ou centro-esquerda do espectro político – Bloco de Esquerda (BE), Partido Comunista Português (PCP) e Partido Socialista (PS) –, que conjugam representação parlamentar e trabalho de base social, mantêm veículos próprios de comunicação como parte da sua estratégia, ainda que haja variações de público, objetivos e projeto editorial.
Na comparação com a realidade brasileira, relação distinta se observa também no lugar ocupado pelos partidos nas pautas dos meios de comunicação hegemônicos. Num país que avançou em esforços de regulação da mídia, alimenta-se uma expectativa social, ancorada também numa exigência ‘legal’ (da Entidade Reguladora da Comunicação - ERC), de que as representações políticas tenham igual visibilidade na esfera pública midiática, não apenas em períodos eleitorais. Diferente da naturalização de uma concepção que, no Brasil, atribui aos interesses partidários um caráter particularista e alheio aos princípios democráticos (ver Grupo Globo, 2011), em Portugal a legitimidade dos partidos como atores relevantes para o debate público se mostra inclusive na presença constante de lideranças dessas siglas como colunistas de jornais e comentadores de programas de televisão.
Mas um estudo comparativo precisa ir além da simples constatação dessas diferenças, fazendo emergir, como instrumentos da análise, tanto os aspectos históricos que marcam a formação social de cada país quanto as contradições (principalmente de ordem econômica) que atravessam as intenções do desenho político. Assim, tendo como marco o processo de democratização de ambos os países, é digno de nota, como elemento que delimita o comportamento político português, incluindo o papel da mídia, a herança, subjetiva e objetiva, da vivência de uma revolução, experiência socialmente muito distinto da transição democrática pelo alto (“lenta, gradual e segura”) que se deu no Brasil. Ao mesmo tempo, com a vitória do projeto de democracia liberal, os 50 anos passados da Revolução dos Cravos foram marcados pelo crescente empresariamento e concentração de propriedade da mídia (Figueira e Costa e Silva, 2023), num processo em que a determinação econômica gerou efeitos diretos sobre a arquitetura política que sustenta os esforços de um ‘pluralismo regulado’ na comunicação. Enfrentar essa realidade – que se traduz em consensos editoriais estruturantes que silenciam ou combatem as pautas da esquerda política e em privilegiamentos (inclusive da crescente extrema-direita) que as métricas não conseguem captar – torna-se também papel do jornalismo partidário, como instrumento de luta pela democracia real e pelos valores de Abril.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comitê Científico
Anderson David Gomes dos Santos (UFAL)
Aianne Amado Nunes da Costa (USP/UFS)
Ana Beatriz Lemos da Costa (UnB)
Arthur Coelho Bezerra (IBICT/UFRJ)
Carlos Eduardo Franciscato (UFS)
Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (UFS)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Chalini Torquato Gonçalves de Barros (UFRJ)
Eloy Santos Vieira (UFS)
Fernando José Reis de Oliveira (UESC)
Florisvaldo Silva Rocha (UFS)
Helena Martins do Rêgo Barreto (UFC/UFS)
Janaine Sibelle Freires Aires (UFRN)
Manoel Dourado Bastos (UEL)
Marcelo Rangel Lima (UFS)
Rafaela Martins de Souza (Universidade de Coimbra)
Renata Barreto Malta (UFS)
Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
Rozinaldo Antonio Miani (UEL)
Verlane Aragão Santos (UFS)