Um dos grandes marcos do processo eleitoral de 2018 foi a aquisição de disparos massivos de mensagens, frequentemente com conteúdos falsos ou de discurso de ódio, através das redes sociais (WhatsApp e Telegram), manobra exposta por meio de uma reportagem feita pela jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulo. A revelação mostrou que a campanha que mais fez uso desse recurso foi a do ex-presidente Jair Bolsonaro, vitorioso naquele ano, mas investigações apontaram indícios de que outras chapas também chegaram a ser abordadas pelas empresas provedoras desses disparos – e, por isso mesmo, não estavam isentas de também terem sido contratantes. O episódio resvalou em vários processos judiciais que se perderam na burocracia típica do Judiciário e, no final, e não puniram nem os titulares das campanhas e nem as empresas indicadas na reportagem, que foram livradas dos processos por causa de um artigo da legislação eleitoral que proíbe pessoas jurídicas de constarem como rés.
Nas eleições presidenciais seguintes, em 2022, a “bola da vez” foi o Telegram. O aplicativo de origem russa se mostrou um espaço praticamente impossível de ser rastreado, eleito como o locus preferido de militantes que apregoavam o fim do estado democrático de direito, o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e o retorno da ditadura militar. A plataforma chegou a ter seu funcionamento suspenso e a tensão com o Judiciário só se apaziguou depois que a big tech se sentou à mesa do Tribunal Superior Eleitoral e aceitou seguir os termos do acordo de colaboração proposto.
A potência e a velocidade das mudanças tecnológicas credenciaram a inteligência artificial (IA) – ferramenta que possibilita a criação dos deepfakes – a ser o “vilão do ano” nas eleições de 2024. Tentando se adiantar a isso, a Justiça Eleitoral elaborou um conjunto de novas resoluções buscando estabelecer mecanismos prévios para punir o uso e o impulsionamento de conteúdos que tenham sido confeccionados com IA sem essa devida identificação. No entanto, assim como aconteceu em 2018 e em 2022, a atuação do Judiciário tenta punir os efeitos de uma ferramenta que anda a uma velocidade infinitamente maior que a do processo judicial. Como consequência inevitável, está sempre agindo a posteriori e no plano da superficialidade.
A disseminação de notícias falsas, que atravessou os últimos processos eleitorais, é uma das demonstrações da existência de um mercado ainda não regulamentado cujo funcionamento se explica através das conclusões da crítica da economia política da comunicação. Os conteúdos produzidos durante as campanhas – sejam os disparos em massa de 2018, sejam os deepfakes feitos com IA em 2024 – operam a partir da lógica da circulação da mercadoria audiência e das funções publicidade, propaganda e programa, exercidas pela comunicação no contexto pós Indústria Cultural. Por isso, o uso das ferramentas jurídicas de combate e punição desses fenômenos, desmuniciadas desses horizontes, não proporciona um enfrentamento adequado dos seus efeitos colaterais. Não se trata de um problema jurídico, e sim da comunicação.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comitê Científico
Anderson David Gomes dos Santos (UFAL)
Aianne Amado Nunes da Costa (USP/UFS)
Ana Beatriz Lemos da Costa (UnB)
Arthur Coelho Bezerra (IBICT/UFRJ)
Carlos Eduardo Franciscato (UFS)
Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (UFS)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Chalini Torquato Gonçalves de Barros (UFRJ)
Eloy Santos Vieira (UFS)
Fernando José Reis de Oliveira (UESC)
Florisvaldo Silva Rocha (UFS)
Helena Martins do Rêgo Barreto (UFC/UFS)
Janaine Sibelle Freires Aires (UFRN)
Manoel Dourado Bastos (UEL)
Marcelo Rangel Lima (UFS)
Rafaela Martins de Souza (Universidade de Coimbra)
Renata Barreto Malta (UFS)
Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
Rozinaldo Antonio Miani (UEL)
Verlane Aragão Santos (UFS)