Este trabalho parte da necessidade de debater e nomear certo tipo de experiência que as crianças têm nas mídias digitais online. Segundo dados do CGI.br, 93% das pessoas entre 9 e 17 anos usam a internet no Brasil e as atividades mais frequentes são jogar e assistir a vídeos (CGI.br, 2023). Com diferentes níveis de interação, os games, vídeos e demais aplicativos de entretenimento, inclusive redes sociais digitais, ocupam cada vez mais a atenção dos pequenos, gerando bilhões de visualizações, partidas e dólares. Entende-se que, mesmo com marcadas diferenças, essas atividades são transmidiáticas e muitas vezes convergentes em relação aos dispositivos, sistemas operacionais, lógicas de negócio e experiências propostas ao usuário infantil.
A partir de uma discussão teórica, tem-se o objetivo de compreender como a mediação das plataformas impacta o movimento dialético de fazer e fazer-se nas infâncias. Tem-se como hipótese que esses modos de entretenimento são formas de exploração e alienação das potências humanas, de maneira análoga à venda da força de trabalho na idade adulta, porém “adaptadas” às formas de vida das crianças, centradas em sua força de consumo e produção de si.
Partimos do entendimento de “trabalho” como atividade basilar dos humanos, sua forma de existir no mundo natural, baseada no principal diferencial da nossa espécie, a capacidade de projetar (Vieira Pinto, 2005). Para Marx, os humanos produzem e são produzidos por meio do trabalho, que perfaz o seu metabolismo essencial com o mundo natural (Marx, 2013). Esse entendimento permite traçar um paralelo entre o trabalho e o brincar, pois considera-se que o brincar é a linguagem e a principal atividade da infância, forma de constituir-se no mundo, experimentá-lo e agir sobre ele.
Vilém Flusser vem sendo redescoberto pela sua atenção às materialidades e suportes, bem como às medições das tecnologias. Não por acaso, um de seus livros propõe uma filosofia da “Caixa Preta”, termo muito usado hoje para fazer referência às plataformas digitais. Para o autor, quem opera um “aparelho”, não mais trabalha, mas “joga”. O termo “jogo” revela uma espécie de trabalho “pré-escrito”, onde, a exemplo do jogo de dados, todo lance individual é imprevisível, mas limitado aos algarismos de um a seis (Flusser, 2013), e onde toda a experiência encontra-se sujeita e pautada, necessariamente, por um programa desconhecido e inacessível.
Considerando os dois conceitos, julga-se possível e frutífero o uso da ideia de “jogo”, como uma apropriação da perspectiva marxiana do trabalho alienado para pensar os brincares mediados por certas tecnologias digitais. Sob a ótica de Flusser, o “trabalho” das infâncias, uma vez midiatizado, passa a ser arbitrado pelo telos e pelo conjunto de regras do objeto técnico, portanto suscetível à captura e alienação das próprias potências. Infere-se também que vivências lúdicas mediadas por plataformas de entretenimento, portanto inscritas em seus programas, potencialmente reduzem a plasticidade em relação ao futuro, já que alienam as crianças de seus modos de produção de si mesmo, de conhecimento e sentido sobre o mundo.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comitê Científico
Anderson David Gomes dos Santos (UFAL)
Aianne Amado Nunes da Costa (USP/UFS)
Ana Beatriz Lemos da Costa (UnB)
Arthur Coelho Bezerra (IBICT/UFRJ)
Carlos Eduardo Franciscato (UFS)
Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (UFS)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Chalini Torquato Gonçalves de Barros (UFRJ)
Eloy Santos Vieira (UFS)
Fernando José Reis de Oliveira (UESC)
Florisvaldo Silva Rocha (UFS)
Helena Martins do Rêgo Barreto (UFC/UFS)
Janaine Sibelle Freires Aires (UFRN)
Manoel Dourado Bastos (UEL)
Marcelo Rangel Lima (UFS)
Rafaela Martins de Souza (Universidade de Coimbra)
Renata Barreto Malta (UFS)
Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
Rozinaldo Antonio Miani (UEL)
Verlane Aragão Santos (UFS)