As transformações por que passa o mundo de trabalho jornalístico nas últimas décadas inserem-se em um processo de crise do capitalismo global articulada a um desenvolvimento desigual e combinado, expressão de uma instabilidade sistêmica "que o capitalismo vive desde os anos 1980, quando se firmou a hegemonia do capital financeiro" (CORSI, 2013, p. 52). Seu diagnóstico é de uma situação estrutural decorrente da sobreposição de várias crises: de superprodução, do modelo de capitalismo financeiro, do modelo fordista de produção e da transição de padrão tecnológico vigente. Se a crise financeira de 2008 teve como epicentro os Estados Unidos, Corsi et al. (2018) observam dinâmicas de acumulação de capital também em regiões periféricas, como processos de expansão e desaceleração da economia chinesa.
Associadas a esse processo, mudanças substantivas nas relações trabalhistas vêm ocorrendo nas últimas décadas: emergência de formas produtivas flexíveis e desregulamentadas; redução de proteções normativas ao trabalho em uma desregulação neoliberal; redução da força de trabalho em modelos de reengenharia e empresa enxuta; aumento da precarização das relações trabalhistas (terceirizações e subcontratações); expansão do trabalho social combinado (produção dispersa em diferentes unidades fabris); e novas tecnologias digitais de produção e gestão (Indústria 4.0) (ANTUNES, 2000; ANTUNES & FILGUEIRAS, 2020). Configurou-se o que Harvey (1993) denominou como “acumulação flexível”, em que o regime de produção capitalista introduz mudanças no modelo fordista e relações de trabalho flexíveis, caracterizadas por uma maleabilidade nos processos de produção, definição da produção e padrões de consumo. Ou seja, são processos produtivos intensivos em tecnologia, informação e conhecimento para se ajustarem a demandas que se alteram constantemente.
A partir deste duplo cenário teórico e com base em uma pesquisa bibliográfica sobre literatura de referência, o objetivo deste trabalho é compreender, utilizando o modelo analítico das “transições sociotécnicas” (GEELS & SCHOT, 2007; DOLATA, 2013; GEELS, 2020), que o mundo de trabalho jornalístico vem se desestruturando e se reconfigurando intensivamente. São, então, propostos três tipos analíticos de transições sociotécnicas no mundo de trabalho jornalístico, que ocorrem de forma praticamente simultânea: a) transição de ordem mercadológica: crise mercadológica, do modelo empresarial de negócios do jornalismo e do mercado de trabalho, com a precarização das relações trabalhistas (MEYER, 2004); b) transição de ordem tecnológica: digitalização, ascensão e transversalidade das plataformas digitais (COULDRY & HEPP, 2017; VAN DIJCK et al., 2018; COULDRY, 2020); e c) transição de ordem sociocultural: perda de legitimidade social de valores institucionais do jornalismo, como credibilidade, confiança e autoridade (KOVACH & ROSENTIEL, 2004; ROTTWILM, 2014; DEUZE & WITSCHGE, 2017).
A pesquisa indicou que as três transições sociotécnicas afetam de forma diferenciada e articulada o mundo de trabalho do jornalismo. A novas fases da digitalização (plataformização, datificação, sistemas automatizados, algoritmos, lógicas sociais e mercadológicas das redes sociais digitais, inteligência artificial e uberização entre outros) apontam para uma reconfiguração estrutural do trabalho jornalístico, com o surgimento de novos atores (redes sociais digitais), maior hibridização entre conteúdo informativo, entretenimento e persuasão e a perda de centralidade das instituições jornalísticas na sociedade e no mercado.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comitê Científico
Anderson David Gomes dos Santos (UFAL)
Aianne Amado Nunes da Costa (USP/UFS)
Ana Beatriz Lemos da Costa (UnB)
Arthur Coelho Bezerra (IBICT/UFRJ)
Carlos Eduardo Franciscato (UFS)
Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (UFS)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Chalini Torquato Gonçalves de Barros (UFRJ)
Eloy Santos Vieira (UFS)
Fernando José Reis de Oliveira (UESC)
Florisvaldo Silva Rocha (UFS)
Helena Martins do Rêgo Barreto (UFC/UFS)
Janaine Sibelle Freires Aires (UFRN)
Manoel Dourado Bastos (UEL)
Marcelo Rangel Lima (UFS)
Rafaela Martins de Souza (Universidade de Coimbra)
Renata Barreto Malta (UFS)
Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
Rozinaldo Antonio Miani (UEL)
Verlane Aragão Santos (UFS)