A representação estigmatizada das periferias reforça sua marginalização e impede uma apreensão complexa sobre suas realidades sociais, econômicas e ambientais (Carta da Maré, 2017). Um componente dessa representação é a produção oficial de dados sobre territórios periféricos por plataformas corporativas e estatais cujos vieses sistematicamente contribuiem para perpetuar desigualdades sociais e formas de discriminação, em uma dimensão territorial do viés algorítmico que está no centro do que Safiya Noble (2018) denomina "Algoritmos da Opressão".
Nesse contexto, em diversas periferias brasileiras iniciativas de Geração Cidadãs de Dados (GCD) buscam corrigir lacunas e vieses nos dados públicos e privados sobre seus territórios, envolvendo suas comunidades em todas as etapas da produção de dados abertos e dos sistemas algorítmicos necessários para produzir cartografias populares e periféricas (data_labe, 2024). Este capítulo analisa uma dessas experiências pioneiras, o data_labe, um coletivo formado integralmente por moradores de favelas que compreende a GCD como uma prática comunitária intimamente ligada a tradição de comunicação comunitária do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.
Nosso estudo, baseado em entrevistas com participantes do projeto e em pesquisa documental aborda o desafio da participação comunitária em todas as fases do processo, desde a coleta até a comunicação e compartilhamento dos dados. Isso inclui lidar com questões como analfabetismo e analfabetismo digital, diferenças entre conhecimento formal e saberes tradicionais, e limitações de conexão, infraestrutura digital e financiamento. Como argumento inicial, apresentamos a perspectiva de que a geração cidadã de dados periférica constitui uma forma particular de leitura de mundo freiriana e de tecnologia do oprimido (Nemer, 2021), a qual denominamos algoritmo do oprimido (Seto, 2024b), na articulação de duas tradições comunitárias: a da comunicação das comunidades periféricas cariocas e a da comunidade de trabalhadores da tecnologia da informação (T.I).
Como conclusões atuais do estudo em andamento, sistematizamos um conjunto de inovações que caracterizam soluções de interface, método de produção, governança e propriedade dos dados radicalmente distintas de soluções estatais e corporativas, caracterizando uma cultura de comunicação de dados comunitária. Por exemplo, a formação tecnopolítica das comunidades exige métodos de explicação e consentimento audiovisuais sobre políticas de dados e privacidade, assim como interfaces de uso, acessíveis para todos os usuários, incluindo aqueles que não dominam a leitura, o que leva a uma articulação entre os sistemas algorítmicos e uma cultura de oralidade. Além disso, a participação comunitária revela quais dimensões técnicas da representação dos dados, como sua granularidade de representação, se tornam decisivos para comunicar as desigualdades entre periferias e áreas privilegiadas das cidades. . Nesse sentido, os algoritmos e dados dos oprimidos permitem repensar desde baixo o discurso institucional e corporativo sobre o Rio de Janeiro como uma Smart City, demonstrando suas desigualdades ocultas e a possibilidade da sua reinvenção de uma perspectiva periférica.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comitê Científico
Anderson David Gomes dos Santos (UFAL)
Aianne Amado Nunes da Costa (USP/UFS)
Ana Beatriz Lemos da Costa (UnB)
Arthur Coelho Bezerra (IBICT/UFRJ)
Carlos Eduardo Franciscato (UFS)
Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (UFS)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Chalini Torquato Gonçalves de Barros (UFRJ)
Eloy Santos Vieira (UFS)
Fernando José Reis de Oliveira (UESC)
Florisvaldo Silva Rocha (UFS)
Helena Martins do Rêgo Barreto (UFC/UFS)
Janaine Sibelle Freires Aires (UFRN)
Manoel Dourado Bastos (UEL)
Marcelo Rangel Lima (UFS)
Rafaela Martins de Souza (Universidade de Coimbra)
Renata Barreto Malta (UFS)
Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
Rozinaldo Antonio Miani (UEL)
Verlane Aragão Santos (UFS)