O direito a entender tornou-se pauta no serviço público brasileiro. Durante seu discurso de posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2023, o ministro Luís Roberto Barroso enfatizou a comunicação entre os eixos de sua gestão, para melhorar a interlocução com a sociedade, expor em linguagem simples o papel do Judiciário e explicar didaticamente as decisões. A medida faz sentido num país em que o nível de instrução da população ainda constitui um desafio para o pleno exercício da cidadania: em 2022, 5,6% das pessoas acima de 15 anos eram analfabetas e 6% não tinham instrução (IBGE, 2023). Assim, não basta ao Estado dar publicidade a seus serviços: é preciso facilitar o entendimento das informações (CAPPELLI, 2009) mesmo àqueles com baixo letramento.
Nas últimas décadas, agentes públicos têm se mobilizado para que o Estado adote a chamada Linguagem Simples, que consiste numa causa social, em defesa do direito de cidadãos entenderem regras que orientam seu cotidiano, e numa técnica de redação, que permita ao leitor localizar, entender e usar a informação de que precisa (FISHER, 2021). No Brasil, um expoente do movimento é o Linguagem Simples Lab, comunidade digital formada por 450 voluntários que usa Linguagem Simples, pensamento visual e design para melhorar a comunicação governamental (BORGES, 2024).
Neste trabalho, guiamo-nos por princípios da teoria crítica da informação (BEZERRA, 2019) ao situarmos os atores dessa mobilização como mediadores conscientes da informação, ressaltando que a mediação consciente favorece “o desenvolvimento e o fortalecimento do protagonismo social, assegurando o acesso, o uso e a apropriação da informação sob parâmetros democráticos” (GOMES, 2021, p. 3). Argumentamos, ainda, que, ao refletirem criticamente sobre as barreiras impostas pela linguagem burocrática na relação entre Estado e sociedade civil, agentes públicos conscientizam-se de seu protagonismo e assumem sua responsabilidade nesse processo de transformação social.
Assumir a responsabilidade diante de desafios públicos é um dos quatro pilares da noção de ética pública do cuidado (STENSÖTA, 2015). Pano de fundo para nossa discussão, este modelo inspira-se na ética feminista do cuidado para orientar a construção e a implantação de políticas públicas. Além da responsabilidade, apoia-se na interdependência entre os seres humanos; no significado das relações, e na sensibilidade ao contexto, para abordar problemas conforme particularidades de cada situação. Pressupõe, assim, o respeito às diferenças entre os seres humanos por meio de uma prestação de serviços que priorize o cuidado no lugar do cumprimento cego de regras burocráticas ou da busca desmedida por eficiência e resultados – marca do neoliberalismo.
Nesse sentido, podemos identificar a presença desses mesmos quatro princípios na prática da Linguagem Simples: entendida como política pública, a simplificação de documentos carrega a missão de ampliar o acesso às informações prestadas pelo Estado e constitui uma ferramenta para a democracia. Finalmente, discutir aspectos éticos vinculados à Linguagem Simples nos conduz a reconhecer a responsabilidade de servidores como mediadores da informação e a sustentar que, criticamente conscientes sobre seu papel, estes profissionais tornam-se aptos a enfrentar a cultura da linguagem burocrática, e, quiçá, (re)aproximar poder público e sociedade.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comitê Científico
Anderson David Gomes dos Santos (UFAL)
Aianne Amado Nunes da Costa (USP/UFS)
Ana Beatriz Lemos da Costa (UnB)
Arthur Coelho Bezerra (IBICT/UFRJ)
Carlos Eduardo Franciscato (UFS)
Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (UFS)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Chalini Torquato Gonçalves de Barros (UFRJ)
Eloy Santos Vieira (UFS)
Fernando José Reis de Oliveira (UESC)
Florisvaldo Silva Rocha (UFS)
Helena Martins do Rêgo Barreto (UFC/UFS)
Janaine Sibelle Freires Aires (UFRN)
Manoel Dourado Bastos (UEL)
Marcelo Rangel Lima (UFS)
Rafaela Martins de Souza (Universidade de Coimbra)
Renata Barreto Malta (UFS)
Rodrigo Moreno Marques (UFMG)
Rozinaldo Antonio Miani (UEL)
Verlane Aragão Santos (UFS)