TRÊS ESTRATÉGIAS RETÓRICAS DA EXTREMA-DIREITA EM SUA LUTA CONTRA A DEMOCRACIA E A RACIONALIDADE PÚBLICA

  • Autor
  • Fabio Palacio de Azevedo
  • Resumo
  •  

    Este trabalho busca, com o auxílio de ferramentas conceituais da Filosofia, da Retórica e dos Estudos Culturais, investigar três estratégias linguísticas e comunicacionais utilizadas pelo extremismo de direita em sua guerra contra a democracia. Revisitamos, primeiramente, as concepções de hegemonia desenvolvidas por Raymond Williams a partir da definição primordial de Antonio Gramsci (1977). Williams (1977; 1979; 1985; 2011) contribui para o entendimento das formas de subordinação como algo mais próximo do processo normal de organização das sociedades contemporâneas. Não se trata simplesmente de formas impostas, ou daquilo que entendemos como “manipulação”, mas de um sistema de significações experimentado na vida cotidiana, que constitui um “senso de realidade” para as pessoas. Essa concepção destaca elementos linguísticos, valorativos, energéticos e sentimentais, servindo de framework teórico-metodológico. Passamos, em seguida, a expor três expedientes discursivos usados pelas forças do autoritarismo contemporâneo para sabotar o debate racional e minar a higidez da esfera pública:

    1) Solapamento das mediações cognitivas e discursivas: aqui, tenta-se minar a credibilidade das instituições que compõem uma “institucionalidade do verídico” – universidades, especialistas, grande mídia, agências do Estado. Ao assim proceder, as chamadas novas direitas eliminam qualquer exigência de um dissenso sofisticado. Buscam rebaixar não apenas as instituições mediadoras do debate público, mas também suas mediações linguísticas e conceituais, subvertendo a própria linguagem. Importa destacar que uma democracia não é feita apenas de instituições políticas stricto sensu. A linguagem também é uma instituição democrática. Sem ela torna-se mais difícil travar o debate racional, e mais fácil mistificar a realidade.

    2) Liberdade de expressão como liberdade de tudo dizer: a extrema-direita contemporânea ataca a liberdade de expressão sob a cobertura de uma falsa liberdade de expressão: a liberdade de tudo dizer (PINTO, 2021). Certo senso comum tende a pensar que a liberdade de expressão deve ser absoluta e que é errado silenciar qualquer opinião. Essa visão seria verdadeira se toda conversação servisse à troca de pontos de vista numa chave racional, como propõe o modelo de Habermas (2007). Infelizmente, isso nem sempre acontece. Há quem use a conversação com o propósito de bloquear perspectivas razoáveis, plantar o medo, semear o preconceito. Permitir todo tipo de opinião na esfera pública, dando-lhe tempo e espaço para considerações, não necessariamente contribui para o debate e a deliberação, podendo, ao contrário, inviabilizá-los.

    3) Fim do acordo inicial: Sabemos que o objetivo do diálogo é chegar a algum acordo. Menos óbvio, porém, é que, como lembra Reboul (1998), toda discussão parte de acordos mínimos. A própria língua utilizada já é uma convenção aceita. Ou seja, se todo diálogo aponta para um “acordo final”, ele também parte de um “acordo inicial”. A “novilíngua” da extrema direita visa liquidar esse “acordo inicial” e, com ele, qualquer possibilidade de mediação dialógica e de “acordo final”. O neofascismo não quer o entendimento, mas sim uma “guerra infinita” (para usar os termos de um ex-presidente norte-americano). Por isso se mobiliza para desconstruir consensos civilizatórios como aqueles assentados nas ideias de democracia, justiça, igualdade, direitos humanos.

  • Palavras-chave
  • Hegemonia; extrema-direita; estratégias discursivas
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • GT6 - Teoria e Epistemologia da Economia Política da Comunicação
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