O luto é um conjunto de reações e sentimentos diante de uma perda, seja ela uma partida ou rompimento, e envolve um processo multifatorial que é natural e constante do ser humano, mas ainda com pouco espaço para ser discutido e acolhido. Esse momento é intensificado diante de perdas não reconhecidas, como é o caso do aborto. O objetivo deste relato é dar visibilidade ao tema do luto não reconhecido no aborto e mostrar o papel do médico de família e do atendimento centrado na pessoa no enfrentamento do luto.
Durante a residência, as autoras depararam com relatos semelhantes em diferentes cenários de estágios, gerando a inquietação sobre a abordagem do tema.
Os casos acompanhados foram de duas mulheres, a primeira de 41 anos, segunda gestação, parto cesárea anterior, vem em consulta de pronto socorro por sangramento volumoso, realizou ultrassonografia que mostrou restos ovulares, sem batimentos fetais. Na abordagem com a paciente a ginecologista expôs o quadro e explicou o que seria feito em seguida, e a mulher, sem espaço de fala, só chorou e concordou. A segunda paciente 27 anos, um aborto há 1 ano, segunda gestação, vem à unidade básica para sua primeira consulta de pré-natal e expõe o quanto está ansiosa e aflita por esse momento. Está feliz mas não consegue ficar livre da lembrança de tudo que ocorreu da última vez, desde a descoberta, contar para os parentes e o marido não entender seus sentimentos. Referiu também sentir culpa e não entender o que aconteceu até hoje.
Como discutido acima, os sentimentos que envolvem a ruptura da expectativa daquela figura que não foi atribuída um rosto ou até mesmo um nome, são intensos e pouco expostos pelos profissionais e familiares das mulheres que vivem esse luto. O choque emocional não sendo acolhido e a culpa equivocada não sendo discutida faz com que perdurem esses padrões de que a morte e a perda não devem ser remexidas, visto que facilmente a mulher pode ter uma outra gestação. A comunidade científica também corrobora para este pensamento, uma vez que existem poucos estudos que trazem o assunto ou estudam abordagens ao casal após uma perda gestacional.
A falha na comunicação entre o médico e o paciente, a desvalorização da saúde mental e a falta de suporte às famílias enlutadas são desafios que precisamos superar, sendo que a atenção primária tem grande importância no acompanhamento da paciente e seus familiares.