A ESF é a porta de entrada da APS no SUS, e como tal encontra obstáculos como barreiras estruturais, organizacionais e dificuldade de equilíbrio entre demanda dos usuários e capacidade dos serviços ofertados. Portanto, a organização da agenda é elemento fundamental na garantia de acesso.
Assim, propomos uma comparação entre uma agenda tradicional com uma carve-out, para que possamos analisar diferenças, potencialidades e barreiras à gestão de demanda.
Extraiu-se dados secundários de prontuários eletrônicos de duas eSFs, entre 08/08/2023 e 31/01/2024, de dois municípios. Utilizou-se cálculos que permitem avaliar a gestão da demanda por meio da intensidade do uso, pressão assistencial, frequentação e absenteísmo.
Em um dos cenários avaliados tem-se uma agenda tradicional, com todas as vagas pré-agendadas, totalizando 24 vagas, reservadas semanalmente para pré-natal, puericultura, hiperdia e visitas domiciliares. São 3.291 habitantes cadastrados e no período estudado efetuaram-se 2.019 atendimentos em 95 dias trabalhados, com total de 418 absenteísmos (17,1%). Nesse contexto temos: intensidade de uso de 61,3%, frequentação de 1,44, pressão assistencial de 21,25 atendimentos diários. Quanto maior o tempo entre agendamento e consulta maior o absenteísmo, com 148 faltas para consultas agendadas entre 21-27 dias.
No cenário da agenda carve-out, a estrutura considera demandas espontâneas e programadas, sendo um total de 24 consultas (16 demandas espontâneas, 6 agendadas e 2 previsões de encaixes). São 2.533 usuários cadastrados, sendo que em 91 dias foram realizados 1.607 atendimentos individuais com 151 faltas (absenteísmo de 8,5%). Calcula-se intensidade de uso de 63,4%, frequentação de 1,15, pressão assistencial de 17,65 atendimentos diários.
Portanto, observamos que no modelo tradicional existe aumento no absenteísmo, principalmente quando a consulta é distante do agendamento, além da dificuldade de abordar eventos agudos ou condições crônicas agudizadas, podendo levar à sobrecarga dos serviços de urgência e do médico sujeito a lidar com demandas não enquadradas previamente. Observa-se que apesar de maior pressão assistencial, a intensidade de uso foi menor, configurando um possível obstáculo ao acesso. No modelo carve-out visualizamos uma necessidade de adequação do médico aos encaixes imprevistos e um desequilíbrio da atenção, maior à questões agudas que no cuidado crônico. Apesar disso, entre potencialidades demonstradas desse modelo destacam-se menor taxa de absenteísmo, menor pressão assistencial e melhor estrutura organizacional, devido maior intensidade de uso, oferecendo cuidado longitudinal para condições crônicas e agudas.