A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR COM A NATUREZA NA INFÂNCIA

  • Autor
  • Maria Luiza Bicalho Maia
  • Resumo
  • Esse trabalho tem como objetivo explorar a relação entre infância e natureza. Assim, escolhi três autores que tratam esse tema de diferentes formas: Gisela Pelizzoni, Gandhy Piorski e Fritjof Capra. Esse trabalho nos convida a repensar sobre a importância de nos reconectarmos com a natureza, conosco e com o nosso meio, e de darmos oportunidade às crianças de vivenciarem a infância de forma mais natural, com espaço e tempo para o brincar livre com e na natureza.

    Brincar é o modo de viver da criança, é através da brincadeira que ela vivencia o mundo. Quando bebê, primeiro brinca com seu corpo, quando descobre as mãos, mexe as mãos e acompanha o movimento com o olhar. Observa suas pernas enquanto esperneia. Pega tudo o que está ao seu alcance e joga o mais longe que consegue, experimentando a alegria de usar suas próprias forças. Para as crianças pequenas o movimento “é uma brincadeira que expressa o alegre uso de suas próprias forças” (HEYDEBRAND, 1991).  Através da brincadeira a criança transforma e recria todas as suas experiências no mundo. É na brincadeira que a criança aprende a se relacionar com o outro, consigo mesmo e com o meio, a compartilhar, a lidar com conflitos e encontrar soluções. É triste constatar que nas nossas escolas e creches as crianças passam mais tempo dentro das salas de aula do que do lado de fora. E dentro das salas de aula não há espaço e tempo para o brincar. Como bem escreveu Gisela Pelizzoni (2017) “a importância do brincar como experiência genuína da infância e fundamental para o desenvolvimento físico, afetivo, social e cultural da criança ainda não é tratado com profundidade pela grande maioria das instituições escolares”.

    A criança conhece o mundo (o mundo interior e o exterior) a partir do brincar. Nós somos feitos a partir de nosso contato com o mundo. O mundo nos faz e nós fazemos o mundo. Quem não se sente bem ao assistir um bonito pôr do sol, subir uma montanha, ao contemplar o mar, uma cachoeira, ao caminhar descalço na grama, ao sentir o cheiro da chuva, ou de uma flor, ao pegar fruta no pé ou fazer uma meditação. Nos reconectamos conosco nesses momentos, e se para nós, adultos, são tão significativos, para as crianças, são essenciais. Como poeticamente diz Manoel de Barros, para as crianças não há separação entre elas e o mundo:

    Cresci brincando no chão, entre formigas. (...) Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. (...) Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores. (Manoel de Barros, Memórias inventadas: infância.)

    Assim como a linguagem da infância é o brincar, a natureza tem uma linguagem; ela fala através de princípios ecológicos que se desenvolveram ao longo de bilhões de anos, e que organizam os sistemas vivos. Precisamos entender os processos da vida, dos ecossistemas, e transpor esses princípios para comunidades humanas (CAPRA, 2006). Dentre os princípios básicos que sustentam os sistemas vivos irei me concentrar em três conceitos, o de “redes”, “diversidade” e “ciclos”. No livro Alfabetização Ecológica (CAPRA et al., 2006), Capra diz que os sistemas vivos estão organizados em redes, com organismos interconectados numa rede de relações. Uma comunidade humana sustentável deve estar ciente da importância de nutrir as relações entre seus membros, pois somos todos dependentes uns dos outros. É necessário ainda que haja diversidade na estrutura da rede, quanto mais diversa, mais funções ecológicas sobrepostas, assim, em caso de perda em algum elo da rede, a comunidade será capaz de se reorganizar e sobreviver, pois outros elos da rede poderão exercer a função do elo perdido. Precisamos aprender a valorizar nossa diversidade cultural e étnica, que pode realizar o mesmo papel que a biodiversidade para os ecossistemas (CAPRA et al., 2006). Vamos propiciar as crianças a experiência de brincar em ambientes naturais, jardins, parques, praças, com plantas e flores, que brinquem em hortas, que mexam na terra, na água, que plantem e colham o que plantaram, tudo isso é vivenciar a diversidade. Outro aprendizado importante aos adultos é que a natureza é cíclica, e esses ciclos, nos ensinam que a vida está sempre se renovando. Ao brincar embaixo de um ipê amarelo no Norte de Minas, a criança vivencia a característica cíclica da natureza. Existe a época das flores, época das folhas verdinhas, época de perder todas as suas folhas, isso é vivenciar um ciclo.

    Os artistas estão sempre mais próximos da linguagem da infância e da natureza, como as próprias crianças, se permitirmos isso a elas. Espinosa tem uma fala assim: “As crianças declaram sua preferência pelos espaços abertos, em contato com a natureza, porque são modos de expressão desta mesma natureza” (ESPINOSA, 1983). Não há lugares de maior vitalidade do que os ambientes naturais. Os espaços abertos, convidam as crianças a se expressarem, brincarem em grupos, a se associarem e cooperarem entre si. Quando a criança brinca na natureza ela está usando todos os seus sentidos básicos, a audição, a visão, o olfato, o tato e o paladar. Há diferentes cheiros, texturas, tesouros para a infância. Ao se movimentar em ambientes naturais o corpo da criança também é desafiado, há obstáculos, como terrenos íngremes, pedras, troncos, é possível subir em árvores, pular, correr e até meditar ao observar durante muito tempo o caminhar de uma formiga, ou o nascimento de uma borboleta. A natureza permite que a criança use sua imaginação e crie seus próprios brinquedos. Na natureza a criança observa, explora, surgem dúvidas, invenções. Não há nada pronto, é necessário que a criança transforme os elementos e crie novas possibilidades, e essas transformações exigem tempo, dedicação, paciência e devaneios. Nesses momentos, a criança está presente de corpo e alma na experiência. Ela precisa desse contato direto com o mundo para sentir que ela faz parte, que esse mundo é real, para sentir confiança no mundo e para se desenvolver como ser humano. Segundo Gandhy Piorski, “Os brinquedos do chão enraízam a criança no mundo e ao mesmo tempo acordam a criança para, em si própria, enraizar o mundo.” (PIORSKI, 2016) Há algo que nos dê maior esperança do que ver uma nova criança no mundo enraizando o mundo em si?

    Felizmente para as crianças, essa conexão com a teia da vida ainda é forte. Sem dúvidas o mundo mais “saboroso” é o natural, e o melhor tempo é o tempo do brincar. Precisamos compreender a infância como condição de experiência com o mundo. Para experimentar o mundo, é preciso que haja espaço e tempo. Todo esse processo só acontece quando nós, adultos, nos propomos a repensar nossa prática. É através de uma reflexão crítica sobre nossas práticas que podemos dar a nossa ação a possibilidade de transformação. A prática reflexiva nos ajuda a caminhar e evoluir como seres humanos e educadores.

    Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. (...) Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. (Manoel de Barros, Memórias inventadas: infância)

    .  Nossa missão como adultos responsáveis e educadores é respeitar e cultivar com muito cuidado essa comunhão com o mundo natural de que somos parte.  Para respeitar e cuidar da natureza precisamos amá-la, e para amar é necessário conhecer, desenvolver intimidade com o mundo natural e deixar que ele fale através de nós. 

  • Palavras-chave
  • brincar livre, infância natural, essência
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • 12. Educação Infantil
Voltar Download
  • 1. Pesquisa em Educação e a formação de professores
  • 2. Pesquisa em Educação: políticas públicas e currículo
  • 3. Políticas públicas de inclusão
  • 4. Alfabetização, Letramentos Emergentes e outras Linguagens
  • 5. Educação Matemática
  • 6. Tecnologia Aplicada à Educação e Educação a Distância
  • 7. Saberes e Práticas Educativas
  • 8. Educação de pessoas Jovens e Adultas
  • 9. Educação do Campo
  • 10. História e Historiografia da Educação
  • 11. Educação, diversidade e relação Étnico-Raciais
  • 12. Educação Infantil

Comissão Organizadora

CLÁUDIA APARECIDA FERREIRA MACHADO
Andrey Guilherme Mendes de Souza
Fátima Rita santana Aguiar

Comissão Científica